Robert Naseef: O que o autismo nos ensina sobre ser humano

29/05/2023Histórias0 Comentários

Psicólogo e pai de autista afirma que precisamos deixar de pensar em como um autista será e buscar o que podemos fazer por ele

A dificuldade de dizer a palavra autismo durou cerca de seis anos para o psicólogo Robert Naseef. O filho teve um desenvolvimento típico até os 18 meses quando subitamente deixou de falar e interagir como antes. O diagnóstico de autismo veio, mas a aceitação demorou a chegar.

Tariq tinha cerca de 8 anos e Robert escrevia, choroso, em seu diário, quando se deu conta de que, após tanto tempo tentando mudar o menino, era ele quem vinha sendo consertado e se transformando em uma pessoa melhor.

“Eu estava me tornando um tipo diferente de homem, um tipo diferente de pai do que eu jamais sonhei e esse foi o começo do meu caminho para aceitação e consciência e, finalmente, a apreciação da diferença que o autismo traz para a nossa vida”. Ele fez o relato no TEDxArcadiaUniversity, nos Estados Unidos.

Mães e pais passam por processo de luto após a descoberta do diagnóstico de autismo das crianças

A partir daí, Robert não só passou a dizer a “palavra com A”, mas a propagar a conscientização do autismo pelo país e pelo mundo. Hoje o filho dele é um adulto e vive em uma casa compartilhada no estado da Filadélfia, “onde é feliz a maior parte do tempo e severamente autista o tempo todo”, diz o pai.

O luto pela perda da expectativa de criar um filho típico impacta intensamente mães e pais de autistas. O quadrinista mexicano Bef relatou na HQ “Fala, Maria” (http://autismoerealidade.org.br/2021/12/15/bef-sim-ha-esperanca-para-nos/), que enfrentou um momento depressivo que incluiu dias sem conseguir parar de chorar e levantar do sofá de casa quando descobriu que sua filha é autista.

Bef conta que há sempre uma profunda preocupação com o futuro da criança, mas que pensar no hoje é a saída para lidar com a situação. Robert pensa de maneira muito parecida. Nas viagens que fez para falar sobre autismo, ouvia sempre as mesmas inquietações, não só de mães e pais, mas também de profissionais de saúde.

Não importam as respostas sobre o futuro do seu filho, que são incertas; o que importa é: como você pode fazer diferença na vida dele?

As questões são sempre em torno da possível causa do autismo e do que os filhos poderão ser capazes de fazer. Será que ele vai falar? Vai ser independente? Vai ter um relacionamento?

A resposta para estas perguntas, diz ele, pouco importa. Na verdade, Robert propõe um novo tipo de questionamento: como eu posso fazer a diferença na vida do meu filho hoje? Esta, para ele, é a principal questão: “Como podemos fazer a diferença e encontrar nossa humanidade comum?”

Robert cita o livro “Uniquely Human”, de Barry Prizant. O autor defende que não existe comportamento autista, apenas comportamento humano. “O importante aqui é que esta palavra autismo muitas vezes serve como uma barreira entre nós e os indivíduos que têm o transtorno”, afirma Robert. “E esta barreira pode nos separar de nossa condição comum”.

Robert propõe alguns questionamentos. Quantos de nós nos incomodamos com a etiqueta de uma roupa? Ou temos um assunto que nos faz ficar mergulhados por dias em pesquisas? Quantos nos incomodamos com cheiros fortes que nos parecem insuportáveis? Lugares muito barulhentos ou excessivamente iluminados? A diferença é que na rotina dos autistas, diz ele, tudo isso interfere de forma a impedir que ele tenha uma vida funcional.

Para Robert, o que diferencia os atípicos é a necessidade de cuidados específicos para viver de forma plena dentro de suas possibilidades

“Algumas pessoas recebem o diagnóstico porque esses sintomas ocorrem com frequência suficiente para impossibilitar uma vida relativamente funcional. Então você precisa do diagnóstico para entender a si mesmo, para entender seu filho, ou seu irmão ou irmã e obter o tipo de ajuda, orientação e tratamento, e às vezes os medicamentos para viver o mais plenamente possível”, diz Robert.

“Não vamos subestimar a diferença porque a população autista tem uma estrada muito mais íngreme para percorrer, então como podemos ajudar?”, questiona.

Em vez de pensar no que a pessoa não consegue fazer, o ideal é perguntar: o que ela faz de melhor? Esta é a pergunta que Robert coloca a pais, mães, terapeutas e professores de autistas. Ele também costuma perguntar: qual é a melhor coisa que o filho fez recentemente que foi muito legal? Do que seu filho gosta e o que você gosta de fazer com seu filho?

“Às vezes as pessoas vão em frente e respondem na hora. Quando começam, percebem que o caminho para a aceitação e o crescimento é encontrar conexão no momento”, conta o psicólogo. “Crianças com autismo podem ser mais difíceis de encontrar conexão e da mesma forma adolescentes e adultos, mas nesses momentos de conexão, as barreiras caem e continuamos avançando passo a passo, amando essa criança e nos dedicando a essa criança e continuamos avançando um passo de cada vez”.

Robert conta ainda uma lição que aprendeu com o feminismo. Sua mulher e as filhas o fizeram compreender que o melhor que ele tem a fazer é escutar e deixar o caminho livre para que elas cresçam. Se pudermos ser mais capazes de escutar, podemos ser mais capazes de ajudar.

“Nós mostramos nosso amor tentando consertar as coisas para fazer a diferença, mas se aprendermos a escutar melhor, nós podemos ajudar mais e as pessoas nas nossas vidas nos dirão o que podemos fazer para ajudar se ouvirmos com atenção.” Assim, diz ele, fica mais fácil construir pontes e encontrar, enfim, uma humanidade comum que cria conexões, em vez de barreiras, entre nós.

Escrito por Clarice Sá, Teia.Work

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