A importância do diagnóstico e intervenção precoce no autismo
Estudo brasileiro sugere uma possível correlação entre renda familiar e diagnóstico precoce
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por prejuízos signicativos na comunicação social e por padrões de comportamento restritos e repetitivos.
Um estudo norte-americano aponta para uma prevalência de 1 para 54 crianças aos 8 anos de idade, já a Organização Mundial de Saúde fala em 1 para 160. O aumento de prevalência é atribuído, principalmente, ao fato do alargamento do espectro pelas mudanças dos critérios diagnósticos, bem como ao maior conhecimento do quadro pelos profissionais de saúde e à conscientização da população geral.
Há uma maior prevalência no sexo masculino. Para cada menina, há 3 meninos diagnosticados. Os motivos desta discrepância ainda não são plenamente conhecidos.
O curso ou a evolução clínica das crianças com o TEA – seja das que permanecem não verbais até aquelas que conseguem alcançar uma autonomia no decorrer da vida – é uma grande preocupação dos pais e familiares, aumentando a expectativa sobre os resultados das intervenções (psicológicas e farmacológicas) disponíveis até o momento.
Quanto mais cedo se inicia uma intervenção adequada, maiores as chances de desenvolvimento
Um dos grandes esforços do momento é a detecção precoce de crianças de risco, pois está claro que quanto mais cedo se inicia uma intervenção adequada, melhor o prognóstico e menor a carga familiar e social. O diagnóstico de TEA ainda é exclusivamente clínico, feito pelo médico especialista com subsídio de avaliações de equipe multiprofissional.
O início do quadro se dá nos primeiros anos de vida, podendo se apresentar por meio de um atraso na aquisição dos marcos de desenvolvimento social – sendo que o atraso de fala tende a ser a primeira preocupação dos pais. Em aproximadamente 30%, ocorre uma regressão no segundo ano de vida, com perda de marcos já adquiridos, como a fala, o brincar funcional, diminuição de interesse por sociabilização e início de comportamentos repetitivos.
Pesquisa avalia a realidade do diagnóstico no contexto brasileiro
Ainda que especialistas apontem para a importância de um diagnóstico precoce, ou seja, concluído até os dois anos, essa realidade parece distante do contexto brasileiro.
Resultados prévios de um estudo que está sendo realizado pela Genial Care mostram que a maioria dos respondentes conseguiram concluir os diagnósticos quando a criança tinha acima de dois anos. Vale lembrar que, em muitos casos, a família nunca consegue realizar o diagnóstico, o que também atrapalha na intervenção.
O estudo Cuidando de quem cuida: um panorama sobre as famílias e o autismo no Brasil em 2020 mostra uma possível correlação entre a renda mensal da família e a idade do diagnóstico. Conforme as respostas ao questionário verificadas até o mês de setembro, famílias com renda mensal superior a R$ 10 mil têm mais condições de conseguir o diagnóstico de autismo antes da criança completar 2 anos de idade. Somando todas as famílias com renda mensal inferior a R$ 10 mil, esse percentual é consideravelmente menor.
O estudo ainda está em andamento e os resultados finais serão divulgados no site e nas redes da Genial Care assim que ele for concluído. Para responder à pesquisa, clique aqui.
Padrões de mudança de sintomas nos primeiros anos de vida estão desafiam os profissionais
No chamado autismo clássico, os sintomas aparecem de forma precoce e contundente, alterando o neurodesenvolvimento. A estabilidade dos sintomas ocorre até os 3 anos de idade, e os déficits na comunicação social (reciprocidade no olhar, empatia, intenção comunicativa, dificuldades na fala, falhas na atenção compartilhada) são evidentes, assim como os comportamentos restritos e as alterações sensoriais.
No entanto, grandes ganhos de desenvolvimento podem ocorrer quando a linguagem e a comunicação não verbal são estimuladas e adquiridas nesse período. As mudanças desse padrão após os 5 anos são menos expressivas, mais lineares e tendem a ser permanentes. Na pré-escola, as dificuldades de interação com os pares da mesma idade se tornam mais evidentes e alguns dos sintomas de adaptação podem se agravar.
A estabilidade do diagnóstico precoce, a utilidade dos instrumentos diagnósticos para crianças e os padrões de mudança de sintomas nos primeiros anos de vida estão entre os principais desafios para os profissionais.
Falta de diagnóstico ainda na primeira infância afasta crianças de estímulos essenciais ao desenvolvimento
O TEA pode ser detectado aos 18 meses ou menos. Aos 2 anos, o diagnóstico por um profissional experiente pode ser considerado muito confiável. No entanto, muitas crianças não recebem um diagnóstico até o início da adolescência e esse atraso significa que crianças com TEA podem não obter a ajuda de que precisam para o seu desenvolvimento.
Estudos apontam que crianças com TEA têm prejuízos no comportamento adaptativo começando aos 12 meses, muito antes do período padrão do diagnóstico. Atrasos no comportamento adaptativo impactam negativamente não só no curso e prognóstico (resultados funcionais) de crianças com TEA, mas também naquelas em que existem outras preocupações com o neurodesenvolvimento. Isto torna ainda mais importante as intervenções específicas e precoces, pois podem alterar a evolução natural do transtorno, uma vez que essas habilidades podem ser ensinadas.
Confira os principais comportamentos apresentados por crianças autistas ainda bebês
Sinais de alerta para TEA:
6 meses
Poucas expressões faciais, baixo contato ocular, ausência de sorriso social e pouco engajamento sociocomunicativo.
9 meses
Não faz troca de turno comunicativa; não balbucia “mamã/papa”;
Não olha quando chamado;
Não olha para onde o adulto aponta; imitação pouca ou ausente.
12 meses (1 ano de idade)
Ausência de balbucios; não apresenta gestos convencionais (abanar para dar tchau, p. ex..);
Não fala mamãe/papai; ausência de atenção compartilhada.
Uma vez estabelecido e confirmado o diagnóstico, deve ser implementado um plano de tratamento baseado nas necessidades, que leve em consideração as deficiências da criança, bem como seus pontos fortes e habilidades cognitivas e comportamentais. Também é essencial levar em consideração a situação familiar e educacional.
Não existe medicação para sintomas centrais do TEA, mas intervenções mais eficazes se mais precoces
As principais intervenções atuais são baseadas no método de Análise Aplicada do Comportamento, conhecida pela sigla ABA (do inglês Applied Behavior Analysis). Entre elas, está a intervenção comportamental intensiva precoce, também chamada de EIBI (sigla em inglês para Early Intensive Behavioral Intervention). O que se acredita hoje é que a intervenção será eficaz se for precoce, intensiva e de longo prazo.
A intervenção requer atenção individual de um terapeuta treinando por 20 ou mais horas por semana, por dois ou mais anos e estabelecimento de metas individualizadas com os pais como coterapeutas.
Algumas intervenções concentram-se no contexto natural para aumentar a comunicação social e as habilidades emocionais, incluindo o Modelo de Denver do Início Precoce (ou ESDM, sigla para a expressão em inglês Early Start Denver Model). Outras envolvem treinamento de pares ou pais.
Até o momento, não há uma medicação específica para o tratamento dos sintomas centrais do TEA (comunicação social e comportamentos ritualizados e repetitivos).
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Acessos:
Joana Portolese
Neuropsicóloga, coordenadora do Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) e assessora científica do Instituto Pensi
Gabriela Bandeira
Jornalista, líder de comunidade na Genial Care e criadora do site Olhares do Autismo
Kenny Laplante
Fundador da Genial Care
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