Autismo e animais domésticos
Relação com bichos de estimação traz ganhos físicos e emocionais, melhora o bem-estar e reduz a ansiedade
A relação entre o homem e os animais sempre existiu e aqueles que têm a oportunidade de conviver com bichos sabem os benefícios desta relação. No século XIX já havia sido observado que trabalhar e conviver com animais seria terapêutico. Era frequente o uso de animais em asilos e nos cuidados de pessoas com transtornos mentais.
No mundo atual, com cidades cada vez mais populosas, o contato com a natureza e com os animais têm se tornado cada vez mais distante. Ainda assim, muitos de nós cuidam de bichos de estimação, como cães, gatos, coelhos, pássaros ou peixes, pois, instintivamente, sentimos os benefícios dessa relação.
Estudo de 1980 indicou que pacientes que tinham animais domésticos viviam por mais tempo
A primeira evidência científica dos benefícios para a saúde do convívio com animais domésticos foi observada em um estudo de 1980. Pesquisadores analisaram a sobrevida de pacientes hospitalizados com doença cardíaca coronariana. Na pesquisa, quem tinha cães ou algum outro animal de estimação em casa era mais propenso a estar vivo um ano após a hospitalização do que os não tinham.
Desde então muito tem sido estudado sobre a relação entre humanos e animais. Vários estudos evidenciam que o convívio com bichos de estimação pode induzir o bem-estar das pessoas por meio das sensações de segurança e conforto e, cada vez mais, animais vêm sendo usados em terapias.
Terapias podem usar o próprio bicho de estimação do paciente ou espécies fora da sua rotina
Atualmente existem terapias que se baseiam no vínculo “humano-animal”, tanto para desenvolvimento de habilidades físicas, quanto emocionais. Algumas terapias usam o animal doméstico que convive com o paciente diariamente, e também há aquelas que contam com outros bichos como apoio – cães, cavalos (equoterapia) ou até mesmo botos para hidroterapia, como acontece na Amazônia.
Cada vez mais, tem se estudado os benefícios do animal doméstico para as pessoas com dificuldades de interação social e/ou emocional. Os benefícios frequentemente relatados nestes estudos incluem a redução da depressão, assim como da solidão. A ansiedade e a excitação diminuem e há, consequentemente, melhora nas habilidades sociais.
Nota-se ainda uma melhora da saúde física, pois os indivíduos tendem a se movimentar mais, melhorando seu condicionamento cardiovascular. Há também um estímulo à liberação de neurotransmissores que ajudam no equilíbrio emocional.
Ao fazer uma caminhada com o cão, por exemplo, o indivíduo não só se exercita, como também aprende a lidar com a ansiedade de estar em público ou de conviver com várias pessoas ao mesmo tempo.
É importante levar em conta as demandas de espaço e de cuidado dos animais ao decidir ter um em casa
A companhia de um bicho de estimação é tida como terapêutica, porém temos que nos lembrar que estamos nos referindo a outro ser vivo, que também tem necessidades e personalidade próprias.
Existem alguns aspectos práticos que podem ser limitantes para a presença de um animal na casa. É necessário levar em conta que os espaços físicos devem ser adequados a questões alimentares e de higiene.
Há sempre a necessidade de cuidados médico-veterinários, pois além das vacinas habituais de cada animal, é necessário prevenir zoonoses e outras patologias. Deve-se observar se os moradores da casa não são alérgicos (em especial, pessoas asmáticas) e ter atenção para evitar mordidas ou arranhões.
Há também o impacto psicológico que a ausência de um animal de estimação pode causar, não só em caso de morte, mas também por conta de tratamentos, ou outras situações em que o humano não possa ser acompanhado – o que também pode provocar uma situação de luto.
Outro ponto a ser considerado é a impossibilidade de acessar espaços públicos ou particulares acompanhado do animal. As políticas que permitem o acesso de animais domésticos a locais públicos são bastante variáveis e as proibições de circulação podem também gerar um impacto psicológico negativo.
Convívio com um bicho de estimação não será necessariamente benéfico a uma pessoa com autismo
Com o reconhecimento científico crescente da função terapêutica de um bicho de estimação para a saúde mental, cada vez mais têm se proposto que autistas tenham o seu próprio animal, como forma a estimular o desenvolvimento de habilidades sociais. Devemos nos lembrar, no entanto, que pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm deficiências na comunicação e nas habilidades sociais bem específicas.
Ser autista pode significar dificuldade de se relacionar socialmente e de compreender como seus comportamentos impactam os outros. Não é regra, mas é comum que as pessoas no espectro tenham interesses restritos, dificuldade de se adequar a mudanças, ou comportamentos repetitivos.
Sabe-se também que os autistas tendem a responder ou de maneira excessiva ou de modo insuficiente aos estímulos ambientais. Isso provoca uma dificuldade de generalizar as habilidades aprendidas em um ambiente para que seja possível aplicá-las em outro. Tudo isso, além de afetar as interações sociais com outras pessoas, pode afetar também a interação com os animais. Então, não necessariamente, este contato vai trazer benefícios.
Cães, porquinhos-da-índia, lhamas, coelhos e cavalos são adotados em terapias para pessoas com TEA
Em 2013, foi realizada uma revisão de pesquisas sobre terapia com animais para indivíduos com TEA. Havia relatos de estudos que incluíam cães, porquinhos-da-índia, lhamas, coelhos e cavalos.
Apesar de distintos, os diversos estudos evidenciaram aumento na interação social e nas habilidades de comunicação, bem como diminuição na gravidade dos sintomas do TEA, no estresse e nos problemas de comportamento.
Uma outra revisão, ainda mais recente, realizada pelo mesmo grupo de pesquisadores, em 2017, revelou que o animal de intervenção mais frequente foi o cavalo (55% dos estudos revisados) e que o resultado mais comum foi uma melhora na interação social (79% de 22 estudos).
Estudos indicam que, quando o contato com animais é benéfico a um autista, toda a família é impactada
Outro grupo de pesquisadores americanos, em 2017, demonstrou que pessoas com TEA melhoraram significativamente a interação com seu animal doméstico após serem submetidas a dez semanas de equoterapia.
Este estudo mostrou que há relações entre os efeitos da equoterapia e o cuidado das pessoas com TEA com seus animais domésticos. O resultado reforçou descobertas de outras pesquisas, que sugerem que autistas podem desenvolver a capacidade de generalizar as habilidades de interação social que aprendem no convívio com animais.
Outro ponto importante a ser observado é como os cuidadores e mesmo a dinâmica familiar são afetados pela interação “humano-animal”. Pesquisas recentes mostram que os benefícios vão além dos autistas e alcançam os outros membros da família, melhorando a habilidade de comunicação e a dinâmica interpessoal na casa..
Ao longo das últimas décadas tem se evidenciado o benefício do convívio com animais domésticos para os indivíduos do TEA. Devemos lembrar, porém, de avaliar todas as questões envolvidas em se ter um animal no convívio familiar e, antes de tudo, avaliar a relação ou comportamento do indivíduo para o qual se está adquirindo o animal. Sabemos que cada um de nós é único, e nossas relações também são.
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Marcília Lima Martyn
Neurologista infantil com especialização em epilepsia e doutorado em neurogenética pala Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e responsável pelo setor de EEG (eletroencefalograma) do Sabará Hospital Infantil
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