Tabata Cristine: contra o tabu da pureza autista
Designer e influenciadora discute desafios da vida adulta e se contrapõe ao estereótipo do autista como anjo sem defeitos e ‘eterna criança’
O Dia do Orgulho Autista de 2020 marcou a oficialização do diagnóstico da designer Tabata Cristine como autista e a primeira de uma série de publicações nas redes sociais voltada ao ativismo e à conscientização do autismo. Naquela época, Tabata tinha 29 anos e já havia sido diagnosticada com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), transtorno bipolar, depressão e ansiedade. Mas “ninguém queria me dar um laudo de autista”, diz ela.
Hoje, aos 31 anos, escreve para 26 mil seguidores no Instagram sobre o dia a dia de uma mulher adulta autista. Entre eles, lidar com a tensão pré-mestrual, com a falta de repertório emocional decorrente da ausência de terapias e estímulos na infância e até mesmo faxinar a casa.
“Fazer faxina envolve tudo que eu não sou boa: planejamento (por onde começar, depois pra onde ir…), muito estímulo tátil (água, panos, sujeiras…) e acredito que para quem tem sensibilidade olfativa também seja difícil (para mim não é porque não sinto cheiro)”, conta a designer em um dos posts.
Perfil surgiu para criar um ambiente de apoio e identificação para autistas adultos
Em entrevista ao Autismo e Realidade, Tabata conta que a ideia de produzir conteúdo sobre o transtorno veio justamente da falta de referência sobre a vida adulta do autista. “Comecei a compartilhar minha realidade na internet para que outros autistas pudessem se sentir acolhidos”, conta.
Sexualidade, relacionamento afetivo, a luta contra o capacitismo e a homofobia fazem parte do repertório. Tabata se casou no ano passado com a companheira, Suelen Cristina. “As pessoas precisam entender que os autistas crescem, se relacionam amorosamente, precisam e podem trabalhar, fazem faculdade e inclusive podem não ser pessoas tão legais como muitos pensam”, afirma.
A desconstrução do estereótipo ligado a uma imagem angelical e infantilizada ainda é tabu na comunidade, diz Tabata. “Autistas não são perfeitos, também mentem, enganam, traem, podem sim ser preconceituosos e por aí vai.”
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Tabata encontrou acolhimento nas redes, de forma que ‘nunca havia sentido antes’
– Quando e como você decidiu começar a produzir conteúdo nas redes sociais?
Eu comecei a produzir conteúdo sobre autismo em junho de 2020, no dia do orgulho autista, quando recebi oficialmente o meu laudo. Nesse momento, me senti meio perdida por não achar nada na internet sobre autismo em adultos, me senti muito sozinha e não queria que outros autistas se sentissem da mesma forma. Por isso, comecei a compartilhar minha realidade na internet, para que outros autistas pudessem se sentir acolhidos e parte de algo.
– Entre o momento em que você começou a publicar e o seu momento atual, que transformações essa atuação nas redes provocou em você?
Eu evoluí muito desde aquela época, principalmente porque a troca de conteúdo e informações na internet é muito grande e me trouxe uma expansão muito grande sobre o autismo e outras deficiências. Além disso, pela primeira vez na vida, me senti parte de um grupo, fiz amigos e me senti acolhida de uma forma que nunca havia sentido antes.
Interação nas redes também gera desgaste; Tabata já precisou pausar o processo duas vezes
– Como você define os assuntos a serem tratados e como lida com possíveis críticas aos temas?
Eu defino os temas conforme meu sentimento no momento, são assuntos do meu dia a dia, da minha vivência e que eu acho que outros autistas possam estar passando também. Às vezes, trago alguns assuntos polêmicos sobre os quais considero importante refletirmos e não me importo com as críticas negativas, porque meu objetivo não é ser agradável a todos, mas expressar a minha visão e estimular a reflexão nas pessoas que acham meu conteúdo relevante.
– Como essa interação com milhares de seguidores impacta o seu dia a dia?
Eu recebo muitas mensagens e a maioria delas são pessoas dividindo suas dores e dificuldades comigo, então é algo que demanda além de tempo, que eu esteja bem para não me abater com as mensagens “pesadas”. Não é fácil, às vezes me sinto bastante sobrecarregada e preciso ir com calma.
– Houve dois momentos em que você precisou se afastar um pouco das redes. Por que foi necessário? De que maneira sair das redes te fez bem? De alguma forma te fez falta? Quando você decidiu retornar e como foi essa volta?
Precisei dar um tempo justamente pela demanda difícil que é interagir com tantas pessoas, com assuntos muito delicados e complexos, que envolvem muitas coisas sérias e acabam me sobrecarregando e me deixando mal. Me faz falta ficar ausente porque me sinto acolhida na internet e gosto muito de estar em contato com as pessoas, por isso sempre acabo voltando quando me sinto mais leve e mais descansada para poder dar continuidade.
“Maior tabu na comunidade autista é a ideia de que autista é um anjo, puro”, diz Tabata
– A partir da sua experiência de vida, você traz uma série de temas que não se restringem a uma abordagem ligada à saúde e a como lidar com o seu TDAH, por exemplo. Você fala sobre isso, mas também discute sobre amadurecimento, sexualidade e relacionamento amoroso. Tem algum assunto que você percebe ainda como tabu na comunidade autista? Tem algum tema que você ainda sente dificuldade de abordar?
Eu acho que o maior tabu na comunidade autista é a ideia de que autista é um anjo, puro e uma eterna criança. As pessoas precisam entender que os autistas crescem, se relacionam amorosamente, precisam e podem trabalhar, fazem faculdade e inclusive podem não ser pessoas tão legais como muitos pensam. Autistas não são perfeitos, também mentem, enganam, traem, podem ser preconceituosos e por aí vai.
– Ser uma pessoa autista impacta de alguma maneira a conquista da independência e da autonomia esperadas socialmente de uma pessoa adulta?
Acredito que para muitos sim, mas essa é uma resposta complexa porque muitas coisas estão envolvidas. Além de algumas limitações do autismo em si, como as disfunções executivas e a dificuldade de interação, por exemplo, temos outras questões como uma possível super proteção da família e também a falta de acessibilidade que vemos na sociedade.
Ivan Baron, Lorena Eltz e Lu Viegas estão entre as referências de Tabata em produção de conteúdo sobre pessoas com deficiência
– Tem um post muito interessante no seu feed que diz: “ser autista me fez ser uma pessoa melhor”. Na publicação, você fala sobre como se tornou mais empática e passou a pensar muito mais em inclusão e acessibilidade. Que dica você daria para alguém que não é autista desenvolver esse lado mais empático e a preocupação com inclusão e acessibilidade?
A gente não tem empatia pelo que a gente não conhece e não sabe que existe, então a melhor forma de abrir os horizontes e se tornar mais empático, é conhecer pessoas com deficiência e ouvir o que elas têm a dizer. O que não falta na internet é pessoa com deficiência compartilhando sua vivência, então por que não sair da bolha e seguir pessoas diferentes das quais você convive no seu dia a dia?
– Que dicas de filmes, séries de TV, desenhos animados, livros, perfis no Instagram você daria para quem tem interesse em ampliar essa empatia e pensar mais no dia a dia sobre inclusão e acessibilidade?
Nós temos muitas pessoas falando sobre inclusão e acessibilidade como o @ivanbaron, @atipicamente__, @lorenaeltzz, @umamaepretaautistafalando e muitos outros.
O próprio Ivan Baron tem um e-book muito legal e bem baratinho sobre como não ser uma pessoa capacitista. Lá você aprende a como não ser uma pessoa na contramão da inclusão.
Falando em autismo, eu gosto muito do livro ‘Sem Lógica Para o Amor’, que é um romance, onde a personagem principal é uma mulher autista. É um livro bem próximo da realidade e que traz o autismo na vida adulta de forma muito interessante.
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