Como fica a identificação das pessoas com TEA com a Lei Romeo Mion?
Emissão da carteira de identificação de autismo depende de cada estado e município
A dificuldade de se perceber à primeira vista que uma pessoa tem autismo pode atrapalhar o acesso a atendimentos prioritários e a serviços que essas pessoas têm direito, como acesso a filas preferenciais ou estacionar em uma vaga para pessoas com deficiência. Sancionada no início deste ano, a Lei 13.977, de 08 de janeiro de 2020, conhecida como Lei Romeo Mion, pretende tornar o cotidiano dessas pessoas mais simples ao estabelecer a criação da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea).
O texto altera a Lei Berenice Piana, nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, definiu o autismo como deficiência e ampliou às pessoas com TEA os direitos das pessoas com deficiência. A nova lei facilita ainda mais o acesso de quem tem autismo a estes direitos.
“Na prática, a carteira de identificação poderá auxiliar as famílias e a pessoa com autismo a não enfrentarem alguns constrangimentos, como serem barrados em filas preferenciais por exemplo”, conta a promotora de Justiça Sandra Massud, que é mãe de um menino com autismo.
Carteira substitui a necessidade de apresentar atestado médico
O uso da carteirinha não será obrigatório. O documento servirá para substituir o atestado médico. Sandra afirma, no entanto, que é essencial a conscientização da população para lidar com pessoas com TEA e evitar que ela e seus familiares passem por situações desnecessariamente constrangedoras. “Muito embora a preferência de vagas, assentos e filas sejam direitos que devem ser de conhecimento de todos, isso só se dará pela informação e conscientização corretas. Ou seja, para que se usufrua desse direito basta a palavra, a afirmação de que aquela pessoa tem autismo sem que ela precise carregar um atestado médico para isso”, detalha a promotora.
Apesar de sancionada, a lei ainda precisa ser regulamentada. Não foi estabelecido, por exemplo, um prazo para sua aplicação em todo o território nacional, nem qual órgão será responsável pela emissão. Por enquanto, cada estado ou município tem se organizado de forma independente.
Na Paraíba, a emissão da Ciptea é realizada pela Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador com Deficiência (Funad), que funciona no Centro de Atendimento à Pessoa com Deficiência (CAD). O documento é emitido na hora. No Amazonas, o cadastro de interessados para a emissão da Ciptea começou no dia 14 de janeiro. Os interessados devem ir ao Núcleo de Cidadania e da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc).
Alguns estados e municípios já ofereciam identificação antes da aprovação da lei
No Paraná, o documento será digital, acessível por smartphone e o próprio usuário ou responsável poderá imprimi-lo. O início da emissão estava previsto para o mês de março. O cadastro é feito online e as informações servirão para criar um banco de dados para as áreas de educação, assistência social e saúde.
Em alguns estados e municípios, leis locais já garantiam serviço semelhante para pessoas com autismo. Em outras regiões, no entanto, ainda não se sabe a partir de quando nem por qual órgão, a nova lei será aplicada. Em Goiás, uma Carteira de Identificação do Autista (CIA) similar à Ciptea começou a ser emitida em 2017 em 11 unidades de atendimento da Secretaria de Desenvolvimento Social do estado. O Amapá, que desde 2018 emite carteiras de identificação em apenas uma das 14 unidades da Rede Super Fácil, previa que até o final de março toda a rede conseguiria oferecer o serviço.
No Rio de Janeiro, desde abril de 2019, o Detran emite uma carteira de identidade comum, mas nela são acrescentados ícones para informar a condição do portador. A carteira é acompanhada por um crachá descritivo, que informa o código internacional da doença (CID) da pessoa e pode conter dados como indicação de alergias, necessidade de medicamentos de uso contínuo e um número de telefone de contato. A Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) também emite, desde julho de 2019, carteiras de identidade com o símbolo do autismo. Até janeiro deste ano, 524 carteiras inclusivas haviam sido emitidas.
Quais são os documentos necessários para a emissão da Ciptea?
Em qualquer caso, o documento deverá ser emitido gratuitamente. Com ele em mãos, está assegurada às pessoas com TEA a prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, especialmente nas áreas de saúde, educação e assistência social. Para obter a Ciptea, é necessário apresentar um requerimento acompanhado de relatório médico com a indicação do código da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). No requerimento devem estar registrados:
- Nome completo
- Filiação
- Local e data de nascimento
- Número da carteira de identidade
- Número de CPF
- Tipo sanguíneo
- Endereço residencial e telefone
- Foto 3×4
- Assinatura ou impressão digital da pessoa com TEA
A lei exige também a apresentação de dados do responsável legal ou cuidador: nome completo, documento de identificação, endereço residencial, telefone e e-mail. A carteira tem validade de cinco anos e o número deve ser mantido a cada renovação para que seja possível contabilizar as pessoas com TEA no país. Até que a Ciptea comece a ser emitida, a lei recomenda que os órgãos responsáveis pela emissão de documentos de identidade incluam nas cédulas informações sobre o transtorno do espectro autista.
Outras iniciativas ao redor do mundo identificam pessoas com TEA
Em outros países, uma série de iniciativas também buscam facilitar a identificação de pessoas com transtorno do espectro autista. O Aeroporto de Gatwick, em Londres, identifica desde 2016 as pessoas com autismo por meio de um cordão de girassóis para evitar que enfrentem filas ou ambientes lotados.
Sandra faz um alerta para a estigmatização de pessoas com TEA. Isso porque, para ela, as pessoas com deficiência não deveriam ter a obrigação de anunciar publicamente seu diagnóstico. Por isso, é tão importante a conscientização sobre deficiências ocultas e sobre o respeito à prioridade. Ela conta que já fez viagens nacionais e internacionais com o filho e bastava dizer que ele tinha autismo para ter seu direito garantido em qualquer lugar. Porém, em muitos momentos teve que ouvir reclamações de outras pessoas. “Em algumas ocasiões, outros passageiros fizeram comentários e reclamaram sobre nossa colocação na fila preferencial, mas é exatamente por isso que toda a informação e conscientização da sociedade é necessária. Para que as pessoas de um modo geral possam entender que há deficiências que não estão estampadas no rosto das pessoas e que algumas pessoas precisam de um atendimento diferenciado para que possam gozar dos direitos que todos têm de ir e vir.”
Há benefícios para pessoas com autismo que não exigem a apresentação de documentos de identificação. É o caso da sala especial da Arena Corinthians, que conta com brinquedos e isolamento acústico. Para poder acessá-la, basta entrar em contato com a administração. No estádio, o símbolo do autismo está presente nas placas de sinalização de atendimento prioritário e os funcionários recebem treinamento para acolher pessoas com TEA.
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