Gêmeos têm, necessariamente, o mesmo diagnóstico de autismo?
Ainda não há certeza sobre as causas do transtorno, mas estudos com irmãos gêmeos ajudam a entender melhor fatores que influenciam a origem do autismo
A causa do autismo ainda não foi esclarecida, mas há um consenso entre médicos e pesquisadores indicando que o transtorno reflete uma conjunção de fatores genéticos e ambientais, conforme discutimos em um texto anterior no blog. Considerando que a genética tem influência no transtorno, surge a dúvida que vamos debater aqui: como o autismo se manifesta então entre irmãos gêmeos?
Gêmeos são aqueles irmãos gerados em uma mesma gestação e que, portanto, possuem exatamente a mesma idade. Podemos classificá-los em dois tipos, monozigóticos e dizigóticos.
Irmãos gêmeos podem ser idênticos ou não, o que afeta a chance de serem igualmente diagnosticados
É comum algumas pessoas estranharem ao se depararem com irmãos gêmeos que são esteticamente diferentes entre si. Esses são os chamados gêmeos dizigóticos. Eles são gerados a partir de dois óvulos e de dois espermatozoides diferentes, que crescem ao mesmo tempo dividindo o espaço do útero da mãe. As diferenças ou semelhanças na genética deles são como as de qualquer outro irmão de outra idade. Os gêmeos dizigóticos podem ser do mesmo sexo ou não. Um indivíduo do sexo masculino e um do sexo feminino podem ser gêmeos.
Já os gêmeos monozigóticos são aqueles pares de irmãos idênticos, aparentemente iguais em tudo. Esses dois indivíduos são originados a partir de um mesmo óvulo e um mesmo espermatozoide durante o processo de fecundação. Uma mesma célula dá origem aos dois, que nascem, portanto, com o mesmo sexo e com código genético muito semelhante. Entretanto, não é apenas a genética que determina as características de uma pessoa, mas o chamado fenótipo, a interação entre genética e ambiente, que vai se manifestar em cada um dos indivíduos.
O que dizem os estudos científicos já realizados sobre a relação entre irmãos gêmeos e autismo?
As primeiras pesquisas em busca de explicações genéticas para as causas do Transtorno do Espectro Autista (TEA) remetem à década de 1970, com estudos baseados nas observações de gêmeos. Em 1977, o Journal of Child Psychology and Psychiatry publicou um estudo com irmãos gêmeos que demonstrou que em monozigóticos a concordância para o autismo variava de 36% a 92% – em contraste com gêmeos dizigóticos, onde a concordância era bem baixa.
Em 2014, a JAMA, uma renomada revista internacional da área da medicina, publicou um artigo sobre o risco familiar do autismo. Nessa pesquisa, pretendia-se analisar o quanto a genética interferia nas causas do transtorno. Para o estudo, também foram realizadas comparações entre irmãos gêmeos.
O resultado apontou que a probabilidade de um diagnóstico de TEA aos 20 anos de idade é de 59,2% para gêmeos monozigóticos, 12,9% para gêmeos dizigóticos.
Ou seja, a cada 100 pares de irmãos gêmeos monozigóticos, em cerca de 60 os dois irmãos terão autismo e, a cada 100 de gêmeos dizigóticos, em cerca de 13 os dois terão autismo.
Um estudo publicado na Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul em 2011 mostrou um resultado de 10% de diagnóstico de autismo entre irmãos que não são gêmeos. Esse número também se assemelhou com o da revista JAMA de 2014, que foi por volta de 12%. Lembrando que a ideia de genética para gêmeos dizigóticos e para irmãos que não são gêmeos segue a mesma lógica.
Pesquisas com irmãos gêmeos demonstram que não é apenas a genética que determina o autismo
Há, portanto, casos de gêmeos idênticos em que apenas um tem TEA. Essa diferenciação se dá por conta da combinação entre genética e ambiente. Outras pesquisas tentaram detectar quais fatores ambientais influenciam a ocorrência do transtorno.
Um relato de caso, publicado na Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria em 2016, mostrou dois irmãos gêmeos dizigóticos (ou seja, não idênticos) diagnosticados com TEA. No momento da concepção das crianças, os pais apresentavam idade avançada e as condições da gravidez e do parto foram de risco. Ambas as situações atingiram os dois irmãos e foram descritas como possíveis fatores geradores do transtorno.
Estudos recentes apontam fatores ambientais que podem afetar os irmãos de forma individual
Um estudo publicado em 2017 na Translational Psychiatry classificou fatores ambientais que podem ter uma grande chance de influenciar a genética e, por consequência, o diagnóstico de TEA. A pesquisa analisou gêmeos idênticos em que apenas um deles possuía o transtorno e buscou explorar quais fatores se diferenciavam na vida de cada um. O estudo indicou que pode haver influência do que se chama de eventos médicos precoces e também de fatores ambientais não compartilhados pelos irmãos.
Entre os eventos médicos adversos precoces podemos listar angústia fetal, fatores neonatais como hipoglicemia, falta de ferro, baixa quantidade de plaquetas no sangue e também peso ao nascer, microcefalia, infecções frequentes (como as de ouvido), infecção nos rins antes dos 2 anos, além de condições médicas graves do primeiro ano, como hemorragia cerebral e hidrocefalia e malformações congênitas do coração. Já entre os fatores ambientais não compartilhados estão especialmente as desregulações durante o primeiro ano de vida, incluindo problemas de alimentação e sono, além de choro excessivo e preocupação.
Vacinação é cientificamente descartada como possível origem de casos de autismo
Outro artigo publicado em 2019 na Cellular and Molecular Life Sciences também analisou as variáveis ambientais. As evidências relacionaram uma maior vulnerabilidade dos filhos ao TEA a uma série de fatores, como idade materna e paterna avançada, exposição a substâncias tóxicas, diabetes materna e uso de remédios para depressão, entre outros. Além disso, o estudo confirmou que não há nenhuma evidência de que a vacinação influencie o risco de autismo.
Dessa forma, vemos que existe, sim, a possibilidade de, mesmo entre gêmeos idênticos, um deles ter transtorno do espectro autista e o outro, não. Estudos mostram cada vez mais que há uma grande influência da carga genética na origem do TEA, mas os estudos sobre gêmeos indicam que a influência ambiental também é crucial. Entretanto, ainda é necessário que muitas pesquisas sejam realizadas para compreender com mais certeza quais genes influenciam, em conjunto, o desenvolvimento do TEA, assim como quais fatores ambientais são determinantes para que uma pessoa seja autista e outra, não.
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