Graciela Pignatari e a genética do autismo
Doutora em biologia molecular conta como a teoria dos copos e os minicérebros ajudam a entender o TEA
As causas do autismo podem ser determinadas por múltiplos fatores, que podem ser ambientais ou genéticos. Um dos fatores ambientais que a ciência identifica como mais importantes é a idade paterna acima de 40 anos. Outro é o uso, durante a gestação, de ácido valpróico, um medicamento anticonvulsivante usado no tratamento de humor. Entre as causas, podem estar também estresse, infecções durante a gravidez, prematuridade ou baixo peso no nascimento. Todos devem ser levados em conta, mas são ainda objetos de estudo de especialistas.
Um modelo genético usado para explicar o autismo é a chamada teoria dos copos. Em sua palestra no TEDxFortaleza, a mestra e doutora em biologia molecular Graciela Pignatari, cofundadora da startup de biotecnologia Tismoo, explica de forma simples, para leigos, como essa teoria é elaborada.
O primeiro passo é lembrar que somos formados por células que, em seu núcleo, guardam nosso código genético, o genoma. Nele, estão nossos cromossomos, que são como pequenos novelos compactados de DNA, formados por uma combinação das letras A,C,G,T. Cada sequência dessas letras compõe um gene, e cada um destes genes é responsável por criar proteínas, que controlam todas as funções do nosso organismo.
Podemos compreender variações genéticas ao pensar em mudanças de letras ou palavras em uma frase
Graciela compara o nosso genoma a um livro. Os cromossomos são os capítulos e os genes, as frases. Para explicar o que seria uma variante genética, ela dá como exemplo a troca de uma letra. Se, por exemplo, houver uma variação na palavra “televisão” para “pelevisão”, ainda é possível entender do que se trata. O sentido permanece o mesmo.
Porém, se houver uma variação na palavra “concerto”, para “conserto”, o sentido da frase muda completamente. É isso o que acontece no nosso organismo quando há uma alteração genética. “Dependendo da alteração genética, você vai mudar completamente o sentido e a função daquilo que é o desempenho daquela proteína ou daquela enzima”, explica Graciela.
Quando pensamos em uma frase, por exemplo, responsável por criar uma proteína, podemos trocar apenas uma letra ou duas letras e manter o sentido da frase. Mas se há um caso em que um verbo é retirado da frase, o sentido muda.
“Se, alterando a estrutura da frase, ainda é possível entendê-la, é porque é uma variação da população. Se a troca altera o sentido, pode se tratar de uma doença. Se você tem essas alterações de forma mais amena, é uma condição. Se você tira pedaços inteiros dessa frase, pode ser sinal de uma síndrome”, detalha a bióloga.
Cada variação terá um impacto diferente no espaço do copo e diferentes somatórias podem superar a borda
O autismo é uma condição multigênica e multifatorial em que pode haver variantes comuns e variantes raras e também fatores ambientais que, somados, desencadeiam o Transtorno do Espectro Autista (TEA). O que explica como a combinação dessa somatória de fatores dá origem ao autismo é a teoria dos copos.
A ideia é que cada um tem seu copo, em que se encaixam variantes genéticas e fatores ambientais que terão, cada uma, um impacto diferente no espaço do copo. O limite para ter ou não autismo é a borda desse corpo.
Pensando em um casal com dois filhos, por exemplo, uma das crianças pode herdar uma variante rara da mãe, uma variante comum do pai e uma variante que aconteceu, não foi herdada. Se imaginarmos que a somatória, neste caso, ultrapassa a borda do copo, essa pessoa tem autismo. A outra criança pode apresentar outros tipos de variantes que, no entanto, não vão atingir este limiar e ela será, portanto, neurotípica.
Este modelo explica a discrepância no diagnóstico de meninos e meninas a partir de diferentes tamanhos de copo. A cada garota, quatro garotos são diagnosticados com autismo. De acordo com a teoria, os copos das meninas seriam maiores.
Pelo estudo da genética, podemos associar, para cada um, medicamentos e tratamentos específicos
A partir da análise genética de um indivíduo, conta Graciela, é possível compreender não só a biologia dele, mas também a chance de ter um autista na família. Além disso, a partir desses dados é possível trabalhar com medicina personalizada, capaz de identificar, prevenir e tratar um indivíduo de acordo com cada particularidade de seu organismo.
Uma outra possibilidade aberta pela análise genética é encontrar e avaliar diferentes variantes e associá-las a medicamentos adequados. Além disso, o sequenciamento permite fazer estudos clínicos específicos com diferentes pacientes que possuam as mesmas variantes.
Minicérebros criados a partir de células de pacientes podem ajudar a rastrear alterações genéticas
No rol de oportunidades abertas pela análise genética está também a reprogramação celular. “A grosso modo é como se você colocasse a célula num túnel do tempo e você pegasse uma célula adulta e essa célula adulta virasse uma célula embrionária, a célula que está ali durante o desenvolvimento embrionário na gestação”, conta a bióloga. A célula adulta é reprogramada como embrionária e pode assumir funções diferentes da original.
Como o autismo é um transtorno do desenvolvimento, é justamente na gestação que ocorrem as alterações. É possível, então, a partir das células embrionárias (também chamadas de células-tronco), formar neurônios com o código genético do paciente. Esses neurônios artificiais são também chamados de minicérebros. Após a reprogramação das células, estes minicérebros vão se formando de forma espontânea, seguindo as instruções da informação genética do paciente.
“A diferença entre os neurônios e os minicérebros é que os minicérebros são estruturas tridimensionais e é um modelo que traz uma visão simplificada da realidade”, diz Graciela. “É como se a gente colocasse a célula do paciente pra fazer o cérebro e fosse carregando toda a genética daquele paciente. Com isso, nós criamos uma plataforma pra pesquisa de medicamentos. Isso pode estar associado com a pesquisa genética que foi feita anteriormente, ou pra pesquisa de forma aleatória.” O modelo permite testar não só fármacos capazes de agir em alterações neuronais, mas compreender se drogas ambientais, como fertilizantes, podem influenciar esta formação. Atualmente a criação de minicérebros é restrita apenas aos ambientes acadêmicos. Para os pacientes, no entanto, o sequenciamento genético já é uma realidade.
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