Maternidade atípica: uma mãe no espectro e seus 4 filhos autistas

7/05/2021Histórias0 Comentários

Luiza Larissa conta como lida com as crianças e conta que ainda luta para conseguir o próprio diagnóstico

O autismo não é um conto de fadas. Assim a dona de casa Luiza Larissa Porto Nunes, de 28 anos, define sua rotina. Ela é mãe de quatro filhos autistas e atualmente está grávida do quinto bebê. Conforme ela descreve cada um de seus filhos, compreendemos um conceito básico: o autismo é um espectro, ou seja, se manifesta de maneiras diferentes em cada um, mesmo em se tratando de irmãos gêmeos idênticos.

Os filhos mais novos de Luiza são os gêmeos de 5 anos Daniel e Miguel. Os dois tiveram um desenvolvimento típico até 1 ano. “Depois mudou. Costumo dizer que dormiram de um jeito e acordaram de outro”, diz a mãe.

Apenas um dos gêmeos idênticos foi diagnosticado com autismo severo

Daniel é autista severo e tem Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). “Esse meu menino é mais complexo”, conta Luiza. Daniel tem muitos episódios de birra que acabam virando crises. Tem convulsões, toma medicamento e não é verbal. Não brinca, não prende a atenção por muito tempo nas coisas, não gosta de sair de casa e não entra em lugares fechados. Tem dificuldade de socializar e hipersensibilidade auditiva. “É bem complicado. Os médicos dizem que ele é um caso bem grave.” Aos 2 anos, tinha dificuldade para dormir, chorava muito e batia a cabeça. Ela e o marido tentam encontrar um neuropediatra especialista em autismo severo e epilepsia.

Por conta da situação de Daniel, a família recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que contribui com a renda da família. Eles também recebem Bolsa Família e contam com apoio de seguidores de Luiza no Instagram. Ela compartilha sua rotina nos perfis @luizalarissa24 e @blogueira_mae_de_4_autistas. A família ganhou um terreno da prefeitura de Iguatemi, em Mato Grosso do Sul, onde moram. Mas, sem dinheiro para construir uma casa, criou uma vaquinha virtual para arrecadar os R$ 20 mil necessários.

Autismo de Miguel se manifesta com hiperfoco, seletividade alimentar e dificuldade de verbalização

As características de Miguel, o irmão gêmeo de Daniel, são diferentes. Ele tem seletividade alimentar e praticamente só ingere líquidos. Daniel tem hiperfoco, uma característica muito comum entre autistas. No caso dele, a fixação é em dinossauros. Luiza conta que, em geral, ele é uma criança bem tranquila e fácil de lidar, mas costuma sofrer crises quando é contrariado. Um traço em comum com o irmão: Miguel também é não verbal. “Só fala algumas palavras soltas e nos imita”, detalha a mãe.

Estudos indicam que não necessariamente o autismo se manifesta em ambos os irmãos gêmeos, mesmo quando se trata de univitelinos, também chamados de monozigóticos ou idênticos – aqueles originados de uma mesma célula. Isso ocorre porque o autismo tem causas genéticas, mas também ambientais. Questões médicas ocorridas na primeira infância (como hipoglicemia ou falta de ferro), e outros fatores ambientais não compartilhados entre os irmãos podem influenciar a manifestação do transtorno.

Pesquisas realizadas ainda na década de 1970 mostram que a probabilidade de dois irmãos gêmeos idênticos serem, ambos, autistas pode variar de 36% a 92%. Um outro estudo, de 2014, apontou que a cada 100 pares de irmãos gêmeos idênticos, em cerca de 60 os dois irmãos terão autismo.

Apesar de gêmeos idênticos, Daniel e Miguel manifestam o autismo de diferentes maneiras

Daniel e Miguel nos mostram que, ainda que, mesmo que o autismo se manifeste em ambos os irmãos, ainda assim, cada um pode apresentar características muito diferentes do transtorno.

Os gêmeos e o bebê que Luiza espera hoje são filhos do mesmo pai, Geovani de Azevedo, um jovem de 24 anos que, segundo ela, tem uma paciência que outros parceiros não tiveram. Atualmente, ele está desempregado. Luiza é mãe também do mais velho, Fabian, de 11 anos, e de Wendryu, de 9, frutos de outros dois relacionamentos. Fabian não mora atualmente com a família. Ele vive com os avós em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O pai de Fabian morreu quando Luiza ainda estava grávida dele, aos 15 anos.

“Sempre nos falamos. É um menino lindo dos olhos verdes. Todos falam que nos parecemos. Ele é muito inteligente, ama colecionar filmes e fitas cassetes, sonha em ser cientista no futuro”, conta a mãe, orgulhosa. Luiza diz que Fabian sempre foi um bebê diferente. Não se mexia muito, era muito calmo e “molinho”, com desenvolvimento mais lento que os das outras crianças da mesma idade.

Primeiro filho de Luiza foi diagnosticado aos 2 anos, quando ela ainda não sabia o que era o TEA

O diagnóstico de Fabian veio aos 2 anos de idade. “Pra mim não foi um choque, porque eu era muito nova e aquela notícia não me impactou. Afinal, eu não sabia o que era autismo. Não era falado. Só falei que, pra mim, meu filho era normal e eu iria amá-lo e defendê-lo pra sempre, como faço até hoje”, diz Luiza.

Fabian começou a falar aos 5 anos. Ele tem ecolalia, uma comorbidade também muito presente em autistas. A ecolalia pode ser definida como “repetição em eco da fala”. É uma repetição de sílabas, palavras ou frases já ouvidas. Praticamente todos os autistas verbais passam por um período de ecolalia.

Além disso, Fabian também tem hiperfoco por TV e filmes, não gosta de socializar e apresentou uma seletividade alimentar tão intensa que precisou fazer uma transfusão de sangue, conforme revela a mãe. Ele também tem hipersensibilidade auditiva. Desde pequeno, toma remédios antidepressivos e frequenta a Associação de Pais e Amigos do Excepcional (Apae).

A partir da trajetória dos filhos, Luiza passou a se entender como autista, apesar de não ter diagnóstico

O filho do meio, Wendryu, recebeu o diagnóstico mais tarde, aos 8 anos. O desenvolvimento dele não parecia atípico, e ele não apresentava atrasos na fala. “Foi algo que também não me surpreendeu, pois eu já sabia. O Wendryu regrediu tanto em sua vida pessoal como na escola”, afirma Luiza. O menino não tem facilidade de fazer amigos, além da dificuldade de aprendizado. É uma pessoa bem sensível e tem medo de quase tudo. Quando está desregulado, fica agressivo e infantilizado.

Essa infantilização, diz Luiza, acontece com todos os filhos e até mesmo com ela. Luiza tem um pré-diagnóstico de autismo, mas ainda não obteve a confirmação, apesar de descrever sinais muito frequentes do transtorno. “Eu tenho o pré-diagnóstico de TEA, mas não tenho o laudo. Infelizmente, é muito difícil de conseguir na minha idade”, lamenta.

Ela conta que tem ansiedade, depressão, síndrome do pânico, sensibilidade a alguns barulhos e hipersensibilidade tátil – com roupas e etiquetas. Sente cheiros que ninguém sente, sofre crises nervosas e tem stims (ou estereotipias), uma comorbidade também muito comum. As estereotipias são ações repetitivas que ajudam a pessoa a se reorganizar internamente e processar tudo o que está sentindo. “Quando estou em live, tenho que estar me apertando, beliscando ou mesmo mexendo em algo. Não consigo ficar parada.”

Todos os dias enfrento uma batalha comigo mesma pra me aceitar e me entender, desabafa Luiza

Se vê alguém brigando ou discutindo com os filhos, entra em crise. Ela conta que também sente necessidade de se desculpar ou se explicar o tempo todo e que é muito chorona. Luiza, desde pequena, teve de ser acompanhada por psicólogos e chegou a sofrer convulsões ainda criança. Além das características do TEA, Luiza lida com lembranças doloridas. Foi abandonada pela mãe, e sofreu abuso sexual (o que agrava sua resistência ao toque).“Todos os dias enfrento uma batalha comigo mesma pra me aceitar e me entender. É difícil”, desabafa.

Luiza conta que a descoberta do diagnóstico dos filhos foi positiva, mas enfrentou dificuldade para lidar com o autismo severo de Daniel. “Pra mim foi tranquilo o diagnóstico de cada um porque foi libertador”, conta. “Só foi difícil saber da condição do autista severo que é Daniel, e que talvez não venha a falar e será difícil para sempre. Isso sim, foi difícil”.

Ela se dedica integralmente aos cuidados com os filhos e posta fotos e vídeos com ele nas redes sociais. “Olha, é um desafio. Mas aqui em casa somos uma equipe e acaba dando muito certo. Às vezes é bem complicado, mas com amor conseguimos o impossível. Ai, eu os amo tanto. Tenho uma conexão muito forte com meus filhos”, diz, orgulhosa.

 

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