Glossário básico para compreender o autismo: parte 2
Confira os principais termos ligados a terapias e ao combate ao preconceito
A luta diária para que os autistas sejam tratados com mais respeito envolve um conhecimento mínimo sobre as principais terapias oferecidas atualmente e, além disso, a compreensão de conceitos que ajudam a pensar no mundo de maneira menos excludente, como neurodiversidade e neurodivergência.
Vale lembrar um pouco do que falamos na parte 1 deste texto: por mais que todos os autistas compartilhem duas características básicas – dificuldades permanentes na comunicação e na interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento – o transtorno se manifesta de maneira bem particular em cada indivíduo. Por isso, cada autista vai precisar de um tratamento personalizado às suas necessidades.
De acordo com cada caso, podem ser recomendado para os autistas acompanhamento fonoaudiológico, psicoterapêutico, de fisioterapia e de terapia ocupacional. Entre todas estas possibilidades, há uma terapia específica que merece destaque.
– ABA. Sigla em inglês para Análise do Comportamento Aplicada. A intervenção baseada em ABA contribui para gerar mudanças práticas e significativas no comportamento do autista e desenvolver habilidades que tornem a pessoa capaz de produzir relações saudáveis nos diferentes contextos dos quais faz parte.
O ABA pode ser aplicado em crianças, adolescentes ou adultos e envolve profissionais de diferentes áreas, como psicólogos, fonoaudiólogos, neurologistas, psiquiatras, pediatras, educadores físicos, terapeutas ocupacionais e tutores.
O primeiro passo para o trabalho com ABA é definir qual comportamento precisa ser transformado. Entre algumas aplicações estão a intervenção para escovar os dentes e cortar o cabelo – atividades rotineiras para pessoas típicas, mas que podem ser desafiadoras para autistas.
Outras abordagens também contribuem para o desenvolvimento dos autistas
– TCC. Sigla de Terapia Cognitivo-Comportamental. A TCC ajuda o autista a compreender como os seus pensamentos e emoções influenciam seus comportamentos disfuncionais e estimula a capacidade de reflexão e o autoconhecimento, promovendo mudanças comportamentais e a regulação do humor.
– Método Denver. É um modelo de intervenção precoce, usado não só para intervenção em autistas, mas casos de suspeita de autismo. A técnica é aplicada em crianças de 1 a 3 anos e pode ser estendida até os 5 anos de idade. O método estimula a interação social por meio de reforçadores, e envolve, entre os treinamentos, a linguagem social e brincadeiras simbólicas.
– Abordagens sensoriais. São intervenções focadas nas funções sensoriais: visão, audição, tato, olfato e paladar. Autistas costumam ter disfunções sensoriais como hipo (diminuição) ou hiper (excesso) sensibilidade em determinados sentidos. Esse tipo de intervenção é mais frequentemente adotado por terapeutas ocupacionais e pode melhorar as diferenças sensoriais, e se traduzir também em efeitos nas habilidades sociais, de comunicação e cognitivas.
Contato com animais e com música também podem fazer a diferença no desenvolvimento dos autistas
– Intervenções assistidas por animais. São aquelas que dependem de interações com bichos como o contexto principal de mudança no desenvolvimento. A mais comum é a equoterapia, a terapia assistida por cavalos.
O trabalho pode ser usado para reabilitação motora e mental, estimulando por exemplo o alinhamento postural e a interação socioemocional a partir da relação com o cavalo. A oscilação do cavalgar pode ser usada para alterar estados psicológicos e físicos.
A intervenção assistida por animais não deve ser confundida com o uso de animais de serviço, como os treinados para alertar para convulsões epiléticas ou impedir uma criança de fugir de casa.
– Musicoterapia. O contato com a música auxilia no desenvolvimento da aprendizagem de crianças autistas. Nas sessões, pode ocorrer de forma ativa (tocando instrumentos, dançando ou cantando) ou passiva, focada na escuta (para alívio de dores, relaxamento ou diminuição da ansiedade, por exemplo). A musicoterapia não exige noção musical prévia e pode contribuir para a expansão da comunicação e das relações sociais.
É importante não confundir musicoterapia, que tem um propósito específico além da musicalidade, com musicalização, que foca em desenvolver o conhecimento musical.
Há uma série de outras possibilidades terapêuticas para autistas, listamos apenas algumas das mais conhecidas.
Veja termos que ajudam a combater o capacitismo, preconceito contra pessoas com deficiência
Após conhecer um pouco mais sobre o diagnóstico e as terapias ligadas ao autismo, é a vez do vocabulário ligado ao combate ao preconceito de pessoas com deficiência, grupo do qual os autistas fazem parte. A primeira delas é justamente a que define este preconceito.
– Capacitismo. É o preconceito contra pessoas com deficiência. É toda ideia, explícita ou implícita, de que uma pessoa com deficiência é incapaz de fazer algo ou que sua ação deva ser limitada simplesmente por ela ter uma deficiência. O pensamento capacitista se baseia na ideia de que existe um padrão corporal ideal – inclusive neurológico – e quem não está dentro deste padrão não deve participar das atividades sociais.
A pessoa que responde por praticar, induzir ou incitar discriminação a pessoas com deficiência está sujeita uma condenação a prisão de 1 a 3 anos, além de multa. O Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”.
Ler livros escritos por autistas ajuda no combate ao capacitismo
Há uma série de atitudes simples que podemos adotar no dia a dia para combater o capacitismo, como:
Evitar expressões que supostamente valorizam os autistas ou outros PcD, mas na verdade, os colocam como pessoas à parte da sociedade, como anjo ou especial. Prefira sempre chamá-los pelo próprio nome ou por aquilo que são e jamais deixarão de ser: autistas. Autistas não são anjos, nem especiais, são cidadãos iguais aos outros que, assim como qualquer um, devem ter seus direitos respeitados;
Tratar como uma grande história de superação o sucesso de um autista. Na verdade, o que isso demonstra é uma expectativa de fracasso. Autistas são capazes de passar na faculdade, de trabalhar, de conseguir bolsas de estudo no exterior, assim como pessoas típicas. O que acontece é que há um sistema que atrapalha a inserção dessas pessoas e que precisa ser combatido.
Siga influenciadores autistas ou com outras deficiência. Entender do que essas pessoas precisam e os equívocos que cometem com elas no dia a dia nos torna mais atentos a agir de maneira mais inclusiva;
Leia livros, ouça podcasts, veja filmes produzidos e protagonizados por autistas ou que retratam o autismo
Apoie mães, pais e cuidadores de autistas sem tratá-los como coitadinhos ou como heróis. São pessoas como qualquer outra e que precisam de ajuda para enfrentar um dia a dia que envolve um frequente combate à exclusão. Você pode ajudar oferecendo com carona, comida pronta para eles ou para as crianças (confira se o autista tem seletividade alimentar) ou mesmo com uma conversa em que possam realmente ser ouvidos e dizer o que pensam. Tratá-los e aos filhos deles como pessoas iguais a você também ajuda muito.
As diferenças entre neurodiversidade, neurodivergência e neuroatípico
– Neurodiversidade. Conceito registrado pela primeira vez em 1998 para se referir à diversidade de composições neurológicas humanas. A partir deste conceito, podemos compreender que não há nada de errado em ter um transtorno mental, pois isso é parte da variabilidade humana. Autistas e pessoas com outros transtornos devem ser tratadas com respeitos e ter todo suporte necessário para terem uma vida digna.
– Típico ou neurotípico. Pessoas típicas ou neurotípicas fazem parte da neurodiversidade humana. São aquelas pessoas que têm um desenvolvimento neurológico sem distúrbios ou transtornos.
– Atípico, neuroatípico ou neurodivergente. São pessoas que lidam com transtornos mentais, como os autistas ou pessoas com outros diagnósticos, como bipolaridade, TDAH, transtorno de ansiedade, esquizofrenia, entre outros. Essas pessoas, assim como as típicas ou neurotípicas, compõem a neurodiversidade humana.
É importante ressaltar que o termo neurodivergente não consta nos manuais já citados, como DSM ou CID. Trata-se de um termo criado pelos próprios autistas para evitar a criação de um estigma em torno deles e permitir que possam ter uma identidade comum, independente de rótulos médicos.
– Neurodiverso. Termo utilizado quando nos referimos a um grupo de pessoas, não exclusivamente a um indivíduo. Se em uma sala de aula há um aluno disléxico, um autista e um típico, temos ali um grupo neurodiverso. Uma pessoa por si só não é neurodiversa, mas pode ser neurotípica ou neurodivergente.
Assim como o conceito de neurodivergência, os conceitos de grupo neurodiverso e neurodiversidade também combatem o estigma em torno não só do autismo, mas dos transtornos mentais como um todo, ao permitir que sejam pensados como parte da variabilidade natural humana, que sempre existiu e seguirá existindo ao longo da história.
Escrito por Clarice Sá, Teia.Work
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