VII Simpósio de Atualização em Transtorno do Espectro Autista
Evento promoveu debates sobre inclusão, leis e direitos, capacitação de pais e mais; veja os destaques
O VII Simpósio de Atualização em Transtorno do Espectro Autista reuniu ativistas e especialistas que são mães e pais de autistas para discutir questões contemporâneas relacionadas ao transtorno no último sábado, dia 24. O evento, promovido pelo Instituto PENSI, marca as comemorações do Abril Azul, mês de conscientização sobre o TEA.
A primeira mesa abordou “O Autismo no Brasil”, trazendo a experiência de Marisa Fúria, fundadora da AMA (Associação de Amigos do Autista) de São Paulo, a primeira associação de pais e amigos da pessoa com autismo no Brasil, e de Elyse Matos, do Instituto Ico Project, que falou sobre um projeto piloto de implantação do programa da OMS (Organização Mundial de Saúde) de treinamento de pais na rede pública de saúde de Curitiba.
Primeiro debate abordou mobilização da sociedade civil e necessidade de investimento público
O debate abordou a importância da mobilização da sociedade civil em projetos de suporte aos autistas, desde a criação da AMA, em 1983, e as dificuldades que persistem ainda hoje. A conversa passou também pela necessidade de investimentos públicos que garantam a qualidade e a continuidade de projetos, não só de suporte aos autistas e familiares, mas de capacitação de especialistas em saúde e educação.
A segunda mesa falou sobre “Mercado de Trabalho”. A advogada Heloisa Uelze, do escritório Trench Rossi Watanabe falou sobre a inclusão de autistas no mercado, que vem sendo impulsionada pelos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) estabelecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas). A exigência de fundos comprometidos com valores de sustentabilidade social, como diversidade e inclusão, para o aporte de investimento em empresas também tem alavancado a abertura de vagas para pessoas no espectro.
A promotora de justiça Sandra Massud fez um apanhado das principais leis e direitos que geraram profundos avanços para pessoas autistas ao longo dos séculos 20 e 21. Mãe de um menino autista de 13 anos, ela reforçou a importância de que os autistas terem uma vida independente e autônoma para conseguir acessar o mercado de trabalho.
Setor de tecnologia pode abrir portas para explorar as potencialidades dos autistas no mercado de trabalho
Francisco Paiva, editor da revista Autismo, falou sobre a necessidade de inclusão de autistas nas tecnologias e redes sociais, citando algumas das ferramentas desenvolvidas na primeira rede social específica para autistas, a Tismoo.me, como um botão capaz de ativar a descrição de emojis.
Ele destacou também que a área de tecnologia se consolida como uma das principais portas de acesso aos autistas ao mercado de trabalho, por conta de uma tendência ao pensamento cartesiano. “Hoje se dá muita importância às várias limitações que o autista tem, como qualquer pessoa neurotípica tem. Mas você tem que focar nas potencialidades, e tem potencialidade sobrando por aí”, afirmou.
Na sequência, o especialista em neurogenética Charles Marques Lourenço apresentou uma série de casos de doenças raras que podem ser confundidas com o autismo, como é o caso da Síndrome de Sanfilippo. Entre os sinais similares, estão a pouca interação e a dificuldade de fixar o olhar. Por isso, é comum que pacientes com esta síndrome sejam confundidos com autistas, especialmente nos casos em que não se manifestam as características físicas mais evidentes. Nestes casos, o diagnóstico por exclusão tem que ser pelo teste enzimático.
Debate sobre ensino contou com relato de mães que lutaram pela inclusão de filhos autistas
A terceira mesa do evento trouxe um debate sobre Ensino e Aprendizagem, mediado por Lino de Macedo, assessor do Instituto de Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil, e Joana Portolese, assessora em Neuropsicologia do Instituto PENSI e do Sabará Hospital Infantil.
Psicopedagogo e coordenador da Pós-Graduação em ABA aplicada a autismo e deficiência intelectual do CBI of Miami, Lucelmo Lacerda apresentou a importância da elaboração de PEI (Plano de Ensino Individualizado) que permita a definição de metas de curto, médio e longo prazo como base para o monitoramento constante da evolução de alunos com deficiência.
Lacerda aponta uma certa resistência ao trabalho de mensuração por parte de profissionais no campo brasileiro da educação, e afirma que há uma pequena parcela de estudantes com deficiência que têm prejuízos mensurados em inúmeros contextos quando estão em sala comum. Portanto, diz ele, “o ideal é ter um sistema inclusivo que inclua escola especial, sala especial e sala inclusiva”.
Mãe de um garoto autista de 8 anos, Michela Caron contou sua experiência na luta para incluir seu filho em uma escola regular. Sua jornada passou por fortalecer os vínculos com a comunidade de pais de colegas e a capacitação de professores e estagiários. Nos cerca de seis anos de trajetória entre o Ensino Infantil e o 3º ano do Ensino Fundamental, ela aponta que a busca por amparo precedeu as questões pedagógicas. “Primeiro a criança precisa ser acomodada socialmente e emocionalmente para que ela possa aprender, porque criança infeliz não aprende”.
Mãe de um jovem adulto autista, Anita Brito falou sobre o que as famílias precisam saber para compreender melhor as pesquisas científicas. Entre as questões abordadas, estão, por exemplo, o fato de que há pais que participam do trabalho de pesquisadores pensando em resultados de curto prazo que possam favorecer seus filhos. No entanto, o intuito é, muitas vezes, permitir o desenvolvimento de processos que só vão se consolidar no futuro, sem benefícios imediato aos participantes. Outro ponto é que muitas vezes os artigos são publicados em revistas internacionais, o que prejudica o acesso dos pais à informação.
O conhecimento acessível permite que as crianças sejam melhor estimuladas e facilita a luta pela inclusão. Nicolas, filho de Anita, também fez parte da mesa e deixou clara a importância de estímulos constantes para que os autistas evoluam no espectro. Nicolas é fotógrafo, escritor e palestrante. Quando garoto, ao entrar na escola, ele ainda era não verbal, e tinha autismo severo. Ao se formar no Ensino Médio, já havia se tornado um adolescente verbal e era considerado autista leve. No entanto, a pandemia reduziu os estímulos, a partir da perda de contato com as pessoas. Nicolas, hoje, voltou a ser considerado um autista moderado. “Estou fazendo o possível pra voltar ao grau leve. Eu preciso ser incentivado pra continuar evoluindo”, afirmou.
Inteligência artificial pode expandir a capacidade de registro das intervenções
A última mesa, sobre “Vias de Intervenção em TEA”, mediada por Edson Amparo e Joana Portolese, abordou as intervenções medicamentosas e maneiras de quantificar os resultados. “É importante registrar e entender o andamento da intervenção. As análises de vídeo, por exemplo, expandem a capacidade de registro para o direcionamento da intervenção”, afirmou Ricardo Vêncio, professor livre-docente no Departamento de Computação e Matemática FFCLRP-USP.
Vêncio apresentou um projeto de pesquisa em andamento, que usa tecnologias já existentes de inteligência artificial para registrar e contabilizar o engajamento na intervenção e também seus resultados. Por meio de um vídeo de celular foi possível, por exemplo, quantificar a interação do próprio filho do pesquisador no uso da faca para alimentação. Já em um consultório, usando câmeras de segurança, houve a possibilidade de acompanhar o movimento de um pequeno paciente para saber quando ele estaria na cadeira posicionada ao lado da terapeuta, onde a intervenção seria realizada.
Um trabalho ainda mais minucioso foi realizado ao monitorar o olhar de um paciente, para saber se ele estava focado na intervenção, ou direcionado para outros pontos da tela. “É possível calcular o tempo gasto com esquiva ou fuga da demanda, por exemplo”, detalha o pesquisador.
Nem todo remédio natural é isento de risco, alerta neurologista
Já o neurologista do Sabará Hospital Infantil Carlos Takeuchi, antes de listar possíveis intervenções medicamentosas, reforçou que não há remédios para os sintomas centrais do TEA. Entre as razões para a adoção da medicação estão evitar o aparecimento de novos padrões de comportamento, o crescimento físico e do aumento da força dos pacientes e o esgotamento de técnicas comportamentais. Ele ressalta que pais e médicos precisam se sentir à vontade em relação à adoção da medicação. De maneira geral, os autistas mais jovens costumam receber antipsicóticos, os adolescentes, estimulantes, e os adultos, ansiolíticos e antidepressivos.
Contra irritabilidade, por exemplo, a risperidona é o medicamento mais usado no mundo todo, assim como o aripiprazol. As duas medicações são consideradas seguras, e também são recomendados para casos de comportamento autodestrutivo ou autolesivo. No caso de distúrbios do sono, a melatonina não é recomendada nos EUA, mas é aplicada no Reino Unido em crianças a partir de um mês de idade. A substância faz a criança melhorar o tempo para iniciar o sono, dormir mais cedo e despertar menos. A ressalva é que, por ser considerada suplemento alimentar, não há um controle rigoroso da dose ofertada.
Takeuchi deixou ainda outros dois alertas. Um deles é que “nem tudo que funciona em um paciente vai funcionar em outro”. É importante frisar que o autismo se manifesta de maneira específica em cada indivíduo. Outro ponto de atenção levantado pelo especialista é que mesmo o que é natural precisa de cuidados. “Uma coisa que a gente ouve muito de muitas famílias: ‘É natural, portanto isento de riscos’. Isso é um erro grave. O canabidiol, se a gente for dar bruto, é o THC, que é um alucinógeno”, afirma. A orientação é conversar sempre abertamente com o médico.
O simpósio está disponível na íntegra no canal do YouTube Saúde na Infância.
0 comentários