Intervenção terapêutica baseada na análise do comportamento para o treino de habilidades sociais
Atuar no déficit de sociabilidade característico dos autistas amplia inclusão e ajuda a evitar transtornos de ansiedade
Historicamente a dificuldade na interação social foi e continua sendo um dos primeiros critérios para o diagnóstico do autismo, além da dificuldade em reconhecer expressões faciais e consequentemente responder às emoções de outras pessoas.
Socialmente, o autista tem um bloqueio para compreender a perspectiva de outras pessoas, não inicia diálogos e geralmente responde de modo divergente quando questionado. Sua compreensão de ironias é falha, assim como metáforas ou termos com duplo sentido.
Independente das habilidades cognitivas ou de linguagem, os déficits na sociabilidade são uma fonte de prejuízos principais para o sujeito com autismo. De modo que sentimentos como solidão e retraimento são comuns, ocasionando risco de rejeição social, dificuldade para alcançar sucesso acadêmico ou profissional e tendência para desenvolver transtornos de ansiedade.
Desenvolver habilidades sociais implica em saber como se comportar em cada contexto de forma específica
Para o treino dessas habilidades sociais, primeiro devemos definir um ponto de chegada, ou seja, qual a definição de comportamento social que se quer atingir. Segundo Skinner, famoso psicólogo behaviorista (do termo behavior, que significa comportamento, em inglês), um indivíduo socialmente habilidoso deveria ser alguém capaz de reagir aos estímulos relevantes do ambiente e ser flexível aos estímulos ao mudar de comportamento de acordo com o que acontece.
Por exemplo, em uma festa, socialmente espera-se um comportamento comunicativo e simpático. Já em uma prova de concurso espera-se uma atitude concentrada e silenciosa. Portanto, ter habilidade social também é mudar o comportamento para maior efetividade de causa e efeito.
Uma estratégia apropriada para o treino de habilidade social é a compreensão do razão pela qual os autistas apresentam essa dificuldade. A resposta é bastante individual e requer uma análise especifica.
Relações podem ser estimuladas a partir de elementos de interesse restrito de cada autista
Entretanto, tradicionalmente dentro do espectro há uma restrição de interesses, e um número reduzido de estímulos no ambiente que funcionam como reforçadores. Portanto, a tarefa inicial seria a criação de novos reforçadores, principalmente aqueles de origem social que integram interesses que o sujeito já tem com novos, que pouco parecem afetam o seu comportamento.
Por exemplo, jogos de videogame normalmente fazem parte das preferências de crianças e adolescentes autistas. Podem ser usados para aproximar a terapeuta do paciente ou também para aproximá-lo de outro amigo da escola. A estratégia é utilizar jogos que o paciente não conheça a fundo para estimular a relação com outra pessoa, através do jogo, inicialmente.
Mais adiante, quando o vínculo entre o autista e seu interlocutor estiver estabelecido, ocorre a retirada gradual dos jogos e a introdução de outras atividades de baixa preferência, como conversar, por exemplo. O que acaba evidenciando que o relacionamento pessoal traz companhia para atividades do mesmo interesse e outras.
Três técnicas podem ser adotadas para contribuir com o desenvolvimento da interação social
Outra maneira bastante útil ao se iniciar o treino de novas habilidades é estabelecer regras sociais por meio de scripts, histórias sociais e modelagem.
Scripts são materiais gravados com áudio, palavras escritas, frases, figuras e sentenças com o passo a passo a fim de ensinar e lembrar como se aproximar, iniciar e responder as pessoas. Esse auxílio é uma ferramenta de apoio para o melhor engajamento em trocas sociais de forma independente.
Histórias sociais são relatos que explicam as expectativas de uma situação social complexa com a utilização de personagens que a criança possa se relacionar, pode ser inclusive, a própria criança.
Um ótimo exemplo prático são as histórias de quadrinhos da Turma da Mônica com o personagem autista André. Ao desenrolar da história, diversos ensinamentos sobre o transtorno são passados de modo leve e lúdico.
Modelagem desenvolve a capacidade de imitação, comumente limitada no autismo
Já a modelagem é a apresentação de um exemplo a ser imitado por outra pessoa. Sua relevância mora em propiciar o aprendizado de novos comportamentos complexos de forma pronta.
A técnica auxilia no atraso do desenvolvimento de determinados comportamentos, como sentar em uma cadeira, montar blocos e a seguir instruções como “venha aqui” ou “pegue o copo”. Com a aquisição desses comportamentos, a complexidade vai aumentando para modelar o brincar com brinquedos e desenvolver linguagem receptiva, ou seja, compreender o mundo por meio do que ouve e do que se lê.
Por fim, a modelagem também ensina habilidades sociais ao passar por todas as etapas descritas acima. Apesar da dificuldade dos autistas em imitar, esse comportamento pode ser aprendido inicialmente antes de outras tarefas mais complexas.
Yasmine Martins
Psicóloga Clínica formada pelo Centro Universitário São Camilo, com Especialização em Neuropsicologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), aprimoramento em Psicologia Hospitalar e mestrado em Ciências da Saúde Infantil no Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo (IAMSPE).
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