Importância da intervenção psicoterapêutica para pais – parte 1
Tendência é pais e cuidadores deixarem de lado seus sentimentos e dificuldades ao focar na criança
É comum, quando se espera um filho, alimentar expectativas e sonhos sobre como será a criança, como ela vai se desenvolver, brincar, engatinhar, falar e se relacionar com os pais, parentes, amigos e pessoas próximas. Quando estes sonhos e expectativas são atravessados pelo diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), há um processo de luto a ser vivenciado.
É preciso perder o filho imaginado para que seja possível aceitar o filho real e lidar com o novo dia a dia que se apresenta, distante de ideias anteriores preconcebidas.
Associados ao diagnóstico do TEA, apresentam-se aos pais sentimentos de frustração, angústia, medo e até vergonha. Inicia-se, a partir do diagnóstico, um processo de cuidados voltados exclusivamente para o pequeno paciente autista. Em muitos casos, os pais acabam por esquecer-se do cuidado consigo mesmos. Neste processo, eles perdem sua identidade. Seu lugar, como pais, passa a ser viver integralmente para o filho.
Muitas vezes divide-se as tarefas, sendo que um dos cuidadores se encarrega da rotina do paciente com TEA (intervenções, consultas, etc), e outro trabalha para garantir o sustento financeiro da família. Ambos os protagonistas enfrentam angústias e incertezas, cada um no lugar que passa a ocupar na nova organização da família.
Naquelas famílias onde apenas uma pessoa se torna a grande responsável por assumir todos estes papéis – como é comum se ver nos dias atuais – o peso daquilo que sente e da forma como sente é ainda maior. A dificuldade de lidar com estes sentimentos também.
Escuta é o marco inicial do trabalho de atendimento dos pais e cuidadores do paciente com TEA
É neste sentido que a intervenção para os pais e cuidadores se torna tão necessária quanto a intervenção para os pacientes. A regra vale tanto para a intervenção individual quanto para os grupos de pais oferecidos pelos serviços que acompanham os pacientes.
Este é o espaço para que pais e cuidadores sintam-se à vontade para abordar suas angústias, incertezas e experiências. É o espaço em que é possível expressar e compreender vivências que são comuns dentro do grupo, não só em relação ao filho, mas em relação a si mesmos, tendo em vista que pais e cuidadores tendem a colocar em segundo plano seus próprios processos para assumirem o cuidado que a criança tanto precisa.
“Esquecer-se” de si mesmo é algo recorrente entre estas pessoas, que precisam se resgatar à medida que oferecem cuidado, carinho e tratamento ao filho. A escuta destes agentes de cuidado também é outro ponto de extrema importância e que precisa ser olhado com muita atenção pelos profissionais. É comum existir por parte de pais e cuidadores a impressão de que não são escutados.
Deixar explícito o objetivo da intervenção para os pais torna mais clara a importância do trabalho
Por vezes, profissionais que atendem pacientes com TEA acabam esquecendo o quanto a intervenção para os pais é necessária. Até porque, em alguns casos, não fica explícito o objetivo dessa intervenção. Não fica nítido se serve para orientar sobre um manejo destinado ao comportamento do paciente, ou se o que está em questão é um atendimento direcionado para as demandas do pai, mãe ou cuidador.
Por isso, é tão importante que o profissional esteja preparado para realizar o trabalho de escuta. É através dela que o objetivo deste atendimento vai se tornar claro. É importante lembrar ainda que, tanto nos casos de atendimento individual, como no caso de grupos, a escuta deve ser o pontapé inicial do trabalho terapêutico com os pais.
Por outro lado, para os pais também não fica claro para que serve esta intervenção para eles e, muitas vezes, há a resistência em aderir a este atendimento. Quando se dá lugar à escuta e à reflexão destes pais e cuidadores, busca-se novos significados sobre seus sentimentos frente à rotina à qual precisa de adaptar, como também estimula-se a compreensão e o pensar sobre detalhes que talvez tenham passado despercebidos ao longo do processo de adaptação à realidade que agora se apresenta.
Este processo proporciona um reconhecimento de si enquanto pais e enquanto indivíduos, que vai além do papel de pais e de cuidadores que é necessário assumir e que o define em relação à criança.
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Aparecida Bueno Fernandes
Psicóloga e neuropsicóloga. Pós-graduanda em Análise do Comportamento Aplicada e Terapia Cognitivo-Comportamental, psicóloga no Projeto Autismo Vila Mariana (CAISM) e psicóloga e neuropsicóloga em consultório particular. Atende pacientes com TEA desde 2014, tendo iniciado como AT em ambiente doméstico e escolar. Atualmente faz atendimento em psicoterapia ABA. Realiza orientação e atendimento a pais e cuidadores de pacientes com TEA.
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