Sobre a importância do ABA para autistas – parte 2: terapias complementares
Modalidades de intervenção complementam o trabalho aplicado no ABA e, de forma associada, ampliam suas potencialidades
A intervenção baseada em Análise do Comportamento Aplicada (comumente referida no Brasil por ABA, sigla em inglês para Applied Behavior Analysis) abrange atualmente a maior parte das práticas recomendadas pela ciência para o trabalho com autistas.
Na primeira parte desta série de artigos, tratamos da intensidade necessária para a aplicação do ABA e do treinamento de pais para garantia de aplicação dos estímulos, além do ambiente terapêutico e do impacto do ABA na melhora da sociabilidade e no desenvolvimento do autista em diferentes áreas. Nesta segunda parte, elencamos algumas modalidades de intervenção complementares ao ABA e seus benefícios.
Intervenções de base sensorial ampliam habilidades cognitivas, de socialização e de comunicação
Funções sensoriais são aquelas relacionadas aos sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. As intervenções sensoriais se baseiam no entendimento de que as funções sensoriais são fundamentais na natureza. Essas intervenções consideram também que as perturbações sensoriais, particularmente no início da vida, podem produzir efeitos em cascata no desenvolvimento e dar origem a diversas características relacionadas ao TEA.
Pessoas com TEA costumam ter disfunções sensoriais como hipo (diminuição) ou hiper (excesso) sensibilidade em determinados sentidos. Há quem tenha hipersensibilidade auditiva, ou seja, a pessoa é muito sensível a certos sons. Outras pessoas podem ter hipossensibilidade tátil, que é a dificuldade de processar dor ou os toques – é uma pessoa que gosta de ser abraçada com força, por exemplo.
Dentro dessa estrutura, a hipótese é de que os tratamentos direcionados podem não apenas melhorar as diferenças sensoriais, mas também se traduzir em efeitos nas habilidades sociais, de comunicação e cognitivas.
Abordagens sensoriais são mais trabalhadas por terapeutas ocupacionais nos consultórios
Abordagens sensoriais são mais frequentemente fornecidas por terapeutas ocupacionais nos consultórios. A mais conhecida das abordagens sensoriais para o tratamento é a terapia baseada na Integração Sensorial de Ayres. Neste trabalho, as crianças são apresentadas a uma série de experiências individualizadas para estimular o sistema sensorial e o sistema motor. O objetivo é construir habilidades fundamentais para facilitar o seu envolvimento e participação em atividades do dia a dia.
Há ainda relativamente poucos estudos experimentais sobre as intervenções de base sensorial focadas em crianças pequenas com TEA que mensuram o efeito desta abordagem. Mas já existem evidências que tornam estas práticas confiáveis pela ciência.
Intervenções assistidas por animais proporcionam bem-estar psicológico, calma e motivação
Intervenções assistidas por animais são aquelas que dependem de interações com bichos como o contexto principal de mudança no desenvolvimento. Na literatura de intervenção de TEA, o destaque é a terapia assistida por cavalos.
As intervenções assistidas por animais se baseiam na possibilidade de que as interações entre humano e animal sejam altamente motivadoras e forneçam contextos calmantes, capazes de gerar mais bem-estar psicológico e desenvolver funções sociais. Esse tipo de benefício não se destina apenas a autistas, como qualquer um que tenha um cachorrinho pode testemunhar.
Ao mesmo tempo, existem pessoas dentro e fora do espectro que têm aversão significativa a animais. Em casos assim, esta intervenção secundária e complementar deve ser implementada com cuidado. Ideias exóticas e caras, de grande apelo estético, mas pouco técnico, devem ser evitadas. Análises recentes de dados acumulados por dez anos dizem que terapia com golfinhos, por exemplo, não dá resultados significativos.
É importante não confundir intervenção assistida por animais com o uso de animais de serviço, treinados por exemplo para alertar para convulsões epiléticas ou impedir uma criança de fugir de casa.
Intervenções de base tecnológica apostam em computadores, vídeos, videogames e robôs
As intervenções mediadas por tecnologia empregam uma ou mais variedades de tecnologias – como computadores, vídeos, videogames e robôs. Essas intervenções exploram o interesse especial que muitos autistas demonstram em tecnologia e apostam em formatos que permitem aos usuários controlar o ritmo da interação.
Existe uma esperança e um esforço de pesquisa e desenvolvimento para que um dia exista um tipo de videogame terapêutico nos mesmos moldes do primeiro aprovado pelo FDA (equivalente à Anvisa nos EUA) para tratamento de TDAH. Alternativas em português já existem, como o multilingue MITA, mas não com os mesmos resultados alcançados para pessoas com TDAH.
Avanços tecnológicos, como realidade virtual, surgiram como um meio de incluir interações remotas entre os participantes e seus médicos ou professores facilitadores. A tecnologia imersiva em ambientes simulados, mas realistas, pode melhorar a validade dos programas. Além disso, o uso de modalidades assistidas por computador pode permitir a mediação individualizada e facilitação por profissionais treinados.
Intervenções sensoriais com animais e tecnologias são promissoras, mas ainda faltam estudos de eficácia
Há pouca evidência até o momento para apoiar a eficácia de várias intervenções que são voltadas para crianças com autismo. Entre elas, podemos elencar: intervenções sensoriais, intervenções assistidas por animais e intervenções mediadas exclusivamente por tecnologia. As abordagens que integram tecnologia, como dispositivos de comunicação aumentativa e alternativa de alta tecnologia, parecem ser promissoras.
Para indivíduos com TEA, deficiências sociais na infância podem se intensificar na adolescência, quando as demandas sociais cada vez mais complexas excedem suas competências. Uma investigação mais aprofundada neste momento de vulnerabilidade é importante para definir intervenções eficazes para o TEA.
Estudos apontam eficácia da participação dos pais em intervenções na adolescência
Uma análise de diversos estudos indicou a eficácia do envolvimento dos pais na educação do adolescente. A participação ativa dos pais garantiu a generalização e a manutenção de habilidades aprendidas nos consultórios.
A estratégia de participação parental ganhou força na pandemia de covid-19. Por conta das medidas de isolamento social, impôs-se a necessidade de adoção do ensino à distância. Um levantamento do ambulatório Protea (Programa do Transtorno do Espectro Autista) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) indicou que uma boa parte dos pais forçados a se envolverem nesse nível sentiu-se empoderado e pretende manter algumas condutas mesmo após a pandemia.
É bom reforçar que os pais podem ser treinados pela equipe transdisciplinar que cuida da criança para que também adotem os procedimentos de ensino. Assim, tornam-se capazes de ampliar, para além do ambiente clínico, a aplicação das habilidades treinadas na terapia. O aprendizado, então, passa a fazer parte dos diferentes contextos vivenciados pelo autista.
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Acessos:
Joana Portolese
Neuropsicóloga Coordenadora do Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).
Ricardo Vêncio
Pai de crianças dentro e fora do espectro, professor livre-docente no Departamento de Computação e Matemática FFCLRP-USP.
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