Qual a idade de diagnóstico de autismo na América Latina?

8/04/2024Diagnóstico, Pesquisas0 Comentários

Aqui no nosso blog, já discutimos diversas vezes sobre a relação de um diagnóstico precoce de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o aumento de eficácia dos estímulos também oferecidos precocemente. Assim, é sabido que um diagnóstico precoce de TEA pode levar a uma intervenção mais precoce e, por vezes, a um melhor prognóstico. No entanto, as pessoas que vivem em países da América Latina e do Caribe ainda não têm muito conhecimento sobre os sintomas do autismo, como indicam as pesquisas. 

Neste texto, discutiremos sobre o artigo científico traduzido como “Idade de diagnóstico de autismo em países da América Latina e Caribe”, uma publicação recente de 2024 da Nacional Autistic Society, Revista Autism.

O diagnóstico de TEA é clinico, ou seja, depende de observações de comportamentos, e não de exames de sangue ou de imagem. Conforme as pesquisas mais recentes, geralmente, os primeiros sinais de TEA costumam surgir no primeiro ano de vida. Entretanto, o diagnóstico é feito bem após isso. Apesar da falta de consenso, uma série de revisões científicas relataram uma idade média de diagnóstico variando de 38 a 120 meses. Infelizmente, nos países da América Latina e Caribe, o conhecimento e a conscientização geral sobre o TEA são mais limitados em relação a países desenvolvidos. Ademais, a infraestrutura para sua identificação e diagnóstico é de mais difícil acesso. Como a maioria das pesquisas sobre autismo ocorreu em países de alta renda, os dados sobre a idade do diagnóstico em regiões fora dos Estados Unidos e da Europa são escassos, representando uma lacuna de conhecimento sobre os fatores que influenciam a idade do diagnóstico de TEA entre diversas populações.

Por exemplo: um estudo de 2017 mostrou que, no Brasil, as primeiras preocupações das mães em relação ao TEA costumam ser aos 24 meses de idade. Entretanto, o diagnóstico formal ocorre com atraso de três anos, com idade média de diagnóstico de 60 meses.  Em 2016, a Red Espectro Autista Latinoamerica (REAL) lançou um estudo para identificar as principais necessidades e desafios dos indivíduos com autismo que vivem em países da América Latina e Caribe. Os resultados da pesquisa revelaram que as principais barreiras eram listas de espera, custo dos serviços e a falta de serviços especializados.

O estudo de 2024 que estamos discutindo neste texto apresenta dados de seis países: Argentina, Brasil, Chile, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Embora todos os seis países sejam considerados países de rendimento médio-alto ou alto, os seus cidadãos enfrentam desigualdades na saúde, dificuldade de acesso com saúde mental, escassez de profissionais de saúde e quadros jurídicos por vezes ineficazes para proteger indivíduos com TEA. Portanto, além das dificuldades com a detecção e diagnóstico nessa região, o tratamento e o acesso aos serviços também são difíceis de se obter. Esses países presenciam uma lacuna de tratamento (diferença entre as pessoas que necessitam de cuidados e as que os recebem) para distúrbios de saúde mental em crianças que varia de 64% a 86%. Há estudos que mostram que há apenas 8,7 profissionais de saúde mental para cada 100 mil indivíduos.

Neste estudo, concluiu-se que a média de idade do diagnóstico, na amostra de pessoas participantes da pesquisa, é de 46,3 meses enquanto a média de idade da primeira preocupação dos pais com sintomas dos filhos foi de 22,4 meses, apresentando uma diferença de 23,9 meses entre as duas. No entanto, a amostra era altamente qualificada e o inquérito exigia que os pais tivessem acesso à internet e a um computador, o que representa um viés de amostragem. Tal viés implica que os resultados subestimam a idade de diagnóstico da população em geral que possui menor escolaridade e acesso limitado à internet. Além disso, foi recolhida informação de um grupo de cuidadores com melhor acesso aos serviços de saúde do que o cidadão comum, como evidenciado pela elevada percentagem de cuidadores com seguros privados/planos de saúde.

Além disso, no artigo, descobrimos que a idade do diagnóstico é impactada por muitos fatores. Surpreendentemente, o estudo revelou que crianças mais velhas, com habilidades linguísticas aprimoradas e dependendo da cobertura de saúde pública, frequentemente recebem diagnósticos mais tardios. Por outro lado, aquelas com comorbidades médicas e comportamentos mais severos são diagnosticadas precocemente.

A complexidade desses achados destaca a necessidade de uma abordagem mais personalizada no processo diagnóstico. Em especial, é crucial reconhecer que, neste estudo, as crianças foram diagnosticadas apenas quando ingressaram na escolaridade formal, o que, infelizmente, resultou no atraso do acesso a programas de intervenção precoce.

Estamos diante de um desafio. A conscientização sobre a importância do diagnóstico precoce e a implementação de estratégias adaptadas a cada caso são passos cruciais. Devemos trabalhar em conjunto para que todas as crianças, independentemente das características individuais ou do tipo de cobertura de saúde, tenham acesso a intervenções oportunas. Nosso compromisso com a inclusão e o entendimento do autismo não termina por aqui, ele é contínuo.

Bibliografia:

Montiel-Nava C, Montenegro MC, Ramirez AC, Valdez D, Rosoli A, Garcia R, Garrido G, Cukier S, Rattazzi A, Paula CS. Age of autism diagnosis in Latin American and Caribbean countries. Autism. 2024 Jan;28(1):58-72. doi: 10.1177/13623613221147345. Epub 2023 Jan 5. PMID: 36602228.

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36602228/

Bárbara Bertaglia

Bárbara Bertaglia

Médica residente na pediatria da Santa Casa de São Paulo, pesquisadora na área de Transtorno do Espectro Autista e membro da equipe Autismo e Realidade desde 2019

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *