Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) no Autismo: mais do que falar, é poder se expressar
Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) no Autismo: mais do que falar, é poder se expressar
Um questionamento frequente de pais e cuidadores de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é: “E se ele(a) nunca falar?” Ou então: “Será que usar figuras não vai atrasar a fala?”. Essas perguntas são legítimas e refletem uma angústia profunda: o desejo de ver a criança se comunicar e se expressar de forma com que seja compreendida por todos. E é justamente aí que a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) entra como uma aliada potente — e, muitas vezes, transformadora.
Mas que é, afinal, a CAA?
CAA é um recurso que complementa a comunicação da criança, sendo ela verbal ou não verbal, em situações em que ela não é funcional. O objetivo é sempre o mesmo: garantir que a pessoa tenha uma forma eficaz de se comunicar.
Este recurso pode ser de alta tecnologia como aplicativos de comunicação em tablets, tecnologia assistiva com saída de voz ou até mesmo de baixa tecnologia como em pranchas temáticas, quadros e livros de comunicação (flipbook).
Com a CAA desenvolvida em sistemas robustos, a criança pode ir além de fazer pedidos, se expressando para fazer comentários, compartilhar sentimentos, protestar, fazer perguntas, contar experiências e eventos, chamar a atenção, fazer saudações e despedidas.
Usar CAA atrasa a fala?
Essa é uma preocupação comum, mas os estudos mostram exatamente o contrário. O uso da CAA não atrasa o desenvolvimento da linguagem oral. Pelo contrário, muitas crianças começam a falar mais depois que passam a se comunicar por meio de figuras ou dispositivos. Isso porque a CAA organiza o pensamento, reduz frustrações e abre espaço para a comunicação real — aquela que tem intenção e propósito.
E aqui é importante lembrar: comunicar não é só falar. Uma criança que aponta para uma figura para dizer que quer água está se comunicando. E isso deve ser valorizado e estimulado, sempre.
Estudos como os de Millar, Light e Schlosser (2006), e Schlosser & Wendt (2008) indicam que o uso da CAA pode facilitar o desenvolvimento da fala em crianças com TEA. Além disso, pesquisas apontam uma redução de comportamentos desafiadores quando a comunicação funcional é promovida por meio da CAA (Ganz et al., 2012).
Quando indicar o uso?
Quanto antes, melhor. A ideia de “esperar até os 5 anos para ver se a fala vem” é ultrapassada e pode atrasar muito o desenvolvimento. A CAA pode e deve ser introduzida precocemente, desde que com orientação profissional. Cada criança é única, e a escolha do recurso deve levar em conta suas habilidades cognitivas, motoras, sensoriais e, claro, seus interesses e contexto familiar.
A avaliação cuidadosa dessas questões e a orientação das famílias e escolas sobre o uso adequado da CAA, é essencial para promover funcionalidade, autonomia e participação social. Profissionais como fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos auxiliam as famílias e professores para que a CAA seja implementada com sucesso, e sua ampliação acompanhada periodicamente com base em evidências do desenvolvimento.
As crianças devem ter acesso à comunicação em todos os contextos, como qualquer outra criança. Por isso a CAA deve ser um compromisso colaborativo: profissionais, familiares, educadores e amigos da criança, todos podem ser parceiros de comunicação para promover o desenvolvimento da linguagem e potencializar as oportunidades de interação. Além disso, alguns ambientes como escolas e parques já estão disponibilizando painéis visuais com figuras referentes às palavras mais necessárias pelas crianças para comunicação nesses espaços.
Portais como o ComunicaTEA (comunicatea.com.br) e ARASAAC (arasaac.org) disponibilizam gratuitamente diversos materiais como figuras, pranchas, folhetos e livretos sobre CAA, que podem ser adaptados para cada criança com o apoio dos terapeutas e professores.
Não é só sobre linguagem
Trabalhar com CAA é, acima de tudo, trabalhar com inclusão. É permitir que uma criança possa dizer “não quero”, “quero brincar” ou “estou com medo”. É dar voz a quem muitas vezes é silenciado.
Se você é familiar, educador ou profissional da saúde e convive com uma criança com autismo que enfrenta desafios na comunicação, considere a CAA como parte do processo. Com apoio qualificado, envolvimento da rede de apoio e uso consistente no cotidiano, os resultados podem ser surpreendentes.
A comunicação é um direito, todo indivíduo tem algo a dizer — só precisamos oferecer os meios certos para que isso aconteça!
Referências
- Ganz, J. B., et al. (2012). A meta-analysis of single case research studies on aided augmentative and alternative communication systems with individuals with autism spectrum disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, 42(1), 60–74.
- Millar, D. C., Light, J. C., & Schlosser, R. W. (2006). The impact of augmentative and alternative communication intervention on the speech production of individuals with developmental disabilities: A research review. Journal of Speech, Language, and Hearing Research, 49(2), 248–264.
- Schlosser, R. W., & Wendt, O. (2008). Effects of augmentative and alternative communication intervention on speech production in children with autism: A systematic review. American Journal of Speech-Language Pathology, 17(3), 212–230.
- Tager-Flusberg, H., & Kasari, C. (2013). Minimally verbal school-aged children with autism spectrum disorder: The neglected end of the spectrum. Autism Research, 6(6), 468–478.
Texto: Aline Andriotti de Moraes
Possui graduação em Fonoaudiologia e Mestrado em Saúde da Comunicação Humana pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Atualmente é assessora técnico-científica do Autismo e Realidade no Instituto PENSI.
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