Autores autistas relatam em livros cotidiano com TEA
Um dos autores, o japonês Naoki Higashida, é não verbal e escreve apontando letras em uma cartela de papelão; confira seleção
“Quando estou pulando, é como se meus sentimentos estivessem subindo para o céu”. Assim o autor japonês Naoki Higashida descreve uma de suas estereotipias, que dá nome ao seu primeiro livro, escrito aos 13 anos. “O Que Me Faz Pular” já foi publicado em mais de 30 de países.
“Sinto uma inveja profunda das pessoas que sabem o que suas próprias mentes estão dizendo e que têm o poder de agir de acordo. Meu cérebro está sempre me enviando pequenas missões, quer eu queira ou não. E se eu não obedeço, então tenho que lutar contra um sentimento de horror. Sério, é como se eu estivesse sendo empurrado à beira de uma espécie de inferno. Para pessoas com autismo, viver é uma batalha”, descreve o autor no livro.
Higashida foi diagnosticado com autismo severo aos 5 anos e explica em seus livros como é ser não verbal
Higashida tem autismo severo. Ele foi diagnosticado aos 5 anos. Por ser não verbal, para conseguir registrar seus pensamentos no livro, apontou para letras em uma cartela de papelão. “Eu nunca posso dizer o que realmente quero. Um lixo verbal que não tem nada a ver com nada extravasa da minha boca. Nós nem sempre temos o controle adequado do nosso corpo”, conta. Seu relato virou best-seller no Reino Unido e nos Estados Unidos. Lançado no Brasil pela editora Intrínseca em 2014, o livro pode ser encontrado na versão digital por R$ 13,90.
Nascido na cidade de Kimitsu, no Japão, em 1992, Higashida escreveu mais de 20 livros, entre obras de poesia, ficção e não ficção e acumula uma coleção de prêmios literários. Sua segunda obra traduzida é “Fall Down 7 Times Get Up 8” (Cair 7 vezes e levantar 8, em tradução livre). O livro, publicado em 2019 fora do Japão, ainda não tem tradução para o português. A versão em inglês pode ser encontrada na Amazon por R$ 92.
Artistas brasileiros também apresentam obras com sua perspectiva sobre como é ser autista
Além de Higashida, há uma série de outros autores autistas que ajudam neurotípicos e pessoas com TEA a compreenderem melhor o transtorno por meio de suas obras. Fizemos uma breve seleção de obras e autores disponíveis para leitura em português.
Entre os brasileiros, está a desenhista Rafa Antunes, de 19 anos, autora de “Quer que eu desenhe?”. A obra, escrita em apenas dez dias, aborda episódios vividos pela autora, que tem autismo leve. A própria Rafa, que estuda design, fez as ilustrações. Publicado pela editora Fontenelle, o livro custa R$ 39,90.
Também brasileiro, Rodrigo Tramonte busca trazer mais leveza aos relatos sobre autismo com o personagem Zé Azul e seus companheiros no e-book “Humor Azul: O Lado Engraçado do Autismo”. A proposta é mostrar o autismo como uma forma diferente de enxergar o mundo, brincando, por exemplo, com a interpretação literal que os autistas podem fazer de falas neurotípicas. O livro pode ser baixado gratuitamente por usuários do Kindle Unlimited ou por R$ 29,90 para quem não tem a assinatura.
Temple Grandin, que marcou a história do TEA, tem ampla produção literária sobre a vivência do autismo
A autora autista com a mais ampla produção voltada a pessoas com TEA, familiares e interessados é a engenheira e bióloga Temple Grandin.
Grandin é uma autista de alto funcionamento que se tornou referência internacional ao revolucionar as práticas de abate de animais. Ela é também a criadora da Máquina do Abraço, um aparelho que simula um abraço para acalmar pessoas com autismo.
Entre mais de uma dezena de livros publicados por Grandin está “Uma menina estranha – autobiografia de uma autista”. A obra conta que a autora criou a máquina do abraço por sentir profundo desconforto ao abraçar outras pessoas e que, só com quase trinta anos, ela conseguiu dar um aperto de mão e olhar nos olhos de outra pessoa. O livro tenta mostrar que também as pessoas neurotípicas podem se tornar menos estranhas para conviver melhor com as atípicas. Atualmente, o livro só é encontrado em sebos. Na Estante Virtual, os preços estão a partir de R$ 168.
Escrita dos autistas ajuda a compreender que o transtorno é modo de ser: sem autismo, não existem
A possibilidade de compartilhar a vivência e se permitir ser compreendido por outras pessoas é profundamente transformadora. Em um artigo sobre a literatura produzida por autistas, a doutora em psicologia Marina Bialer, afirma que “escrever é a oportunidade de se liberar parcialmente, de se comunicar, de contar seu sofrimento, alguns porquês de seus comportamentos incontroláveis, pois as autobiografias evidenciam que se sentir compreendido por outros humanos é crucial para que cada autista, em suas singularidades, possa sentir ter um lugar no mundo”.
Os trabalhos produzidos pelos autistas fogem da visão do transtorno enquanto patologia, humanizando os autores e colocando o autismo como algo que estrutura o próprio autor. O que fica claro é que não existe a ideia de que sem o autismo eles seriam considerados normais. Sem o autismo, eles não existiriam. “O autismo é vivido enquanto condição existencial estrutural. O autismo é um posicionamento subjetivo, é um modo de ser”, detalha Marina em seu texto.
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