Autismo e sintomas gastrointestinais: novas perspectivas da pesquisa pediátrica
Diarreia, constipação e dor abdominal são os sintomas mais comuns; avanço nos estudos é essencial para o bem-estar dos autistas
Provavelmente, você já ouviu falar sobre a influência do Transtorno do Espectro Autista (TEA) sobre as interações sociais, comunicação e comportamento repetitivo. Esta condição foi identificada em 1943, quando o psiquiatra Leo Kanner observou um grupo de 11 crianças entre 2 e 5 anos, sendo que seis delas apresentavam dificuldades alimentares desde esta idade. Desde então, especialistas têm explorado conexões entre o TEA, sintomas gastrointestinais (GI) e alimentação.
A possibilidade de anormalidades no sistema gastrointestinal dessas crianças tem sido objeto de estudo constante. Em 2009, um simpósio organizado pela Sociedade Norte-Americana de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição reuniu especialistas para examinar pesquisas publicadas até 2012. Esses estudos destacaram uma variedade de distúrbios gastrointestinais em crianças e adolescentes com autismo, com prevalências variando de 9% a 91%.
Uma meta-análise de 2014 trouxe à luz um aumento no risco de sintomas gastrointestinais funcionais em pacientes com TEA, incluindo diarreia, constipação e dor abdominal. No entanto, a prevalência precisa desses distúrbios em crianças e adolescentes com autismo ainda permanece um mistério.
Estudo mais recente elenca vômitos, distensão abdominal, flatulência, aerofagia e excesso de gases entre sintomas frequentes
Em agosto de 2023, um novo estudo foi divulgado. Uma meta-análise intitulada “Prevalência de Sintomas Gastrointestinais no Transtorno do Espectro Autista: Uma Análise Abrangente” foi publicada pela Associação Espanhola de Pediatria. A análise procurou fornecer estimativas sobre a prevalência de sintomas gastrointestinais em jovens com TEA.
Os estudos anteriores revelaram uma diversidade considerável nos métodos usados para avaliar a função gastrointestinal.
Somente 37,5% adotaram o questionário pediátrico Rome III, uma ferramenta altamente recomendada para diagnosticar distúrbios gastrointestinais funcionais. Alguns estudos usaram variações desse questionário ou recorreram a diagnósticos de alta de distúrbios em bancos de dados de saúde. Outros empregaram questionários não validados para avaliar uma gama de sintomas gastrointestinais.
Os sintomas frequentemente examinados nestes estudos incluíram constipação, dor abdominal, vômitos, distensão abdominal, flatulência, aerofagia, excesso de gases e diarreia. Alguns estudos também incluíram categorias mais genéricas, como “outros”.
Avanço na metodologia das pesquisas é necessário para esclarecer as relações entre autismo e sintomas gastrointestinais
Os resultados da meta-análise podem impressionar. A prevalência de sintomas gastrointestinais em crianças e adolescentes com TEA variou de 0% a 69%, com uma média estimada de 33%. Essa média não foi significativamente afetada pela idade, sexo ou continente, mas mostrou-se mais alta quando apenas os estudos que utilizaram o questionário pediátrico Rome III foram considerados.
À medida que avançamos, é crucial aprimorar a abordagem metodológica dessas pesquisas.
Recomenda-se o uso de questionários validados, como os critérios de Roma IV, para diagnósticos mais confiáveis de distúrbios gastrointestinais funcionais em crianças com TEA. Essa abordagem é respaldada pelas principais sociedades de pediatria e promete lançar luz sobre o complexo relacionamento entre autismo e sintomas gastrointestinais. Afinal, uma compreensão mais profunda pode significar tratamentos mais focados e em um futuro mais próspero.
Bárbara Bertaglia
Médica residente na pediatria da Santa Casa de São Paulo, pesquisadora na área de Transtorno do Espectro Autista e membro da equipe Autismo e Realidade desde 2019
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