Redes sociais e exposição de crianças com TEA: os limites da visibilidade
Redes sociais e exposição de crianças com TEA: os limites da visibilidade
As redes sociais, um dos fenômenos mais marcantes da atualidade, transformaram profundamente a forma como nos conectamos com o mundo. Enquanto algumas pessoas as utilizam exclusivamente para fins profissionais, outras compartilham momentos do cotidiano, registros em família e viagens. Imagens que antes ficavam restritas a álbuns de fotos hoje circulam amplamente. E, se é inegável que essas plataformas trouxeram inúmeros benefícios, também é verdade que novos desafios surgiram, sobretudo para pais e educadores.
Com a internet e o poder de alcance das redes, torna-se difícil prever o destino de uma publicação e suas possíveis consequências. Isso já é motivo de atenção quando falamos em proteção de crianças e adolescentes. No caso de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), a cautela deve ser ainda maior.
Sharenting e TEA
Uma rápida olhada no feed das redes confirma uma tendência crescente: muitos pais expõem informações sensíveis sobre a vida de seus filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Vídeos comoventes ou engraçados se tornam virais e, frequentemente, são as próprias famílias que compartilham esses conteúdos, que vão desde o primeiro ultrassom a cenas do dia a dia, muitas vezes expondo até mesmo o uniforme escolar dos filhos. Esse comportamento ganhou um nome: sharenting, que vem do inglês share (compartilhar) e parenting (exercer a parentalidade). A prática traduz o ato de publicar fotos, vídeos e textos sobre os filhos nas redes sociais.
Compartilhar a rotina de filhos nas redes sociais pode trazer consequências ainda mais delicadas quando se trata de crianças e adolescentes com TEA. Além dos perigos já conhecidos da exposição online, esse grupo enfrenta dificuldades próprias, como interpretar situações sociais, se comunicar com clareza ou lidar com emoções intensas. Ao terem momentos íntimos publicados na internet, muitas vezes sem compreensão ou consentimento, eles ficam mais suscetíveis a julgamentos, discriminação e até episódios de bullying. Como nem sempre conseguem expressar incômodo ou entender o alcance de uma postagem, podem acabar desprotegidos. Outro ponto de atenção é que esses conteúdos, mesmo quando bem intencionados, podem alimentar visões distorcidas sobre o autismo. Por isso, o cuidado ao compartilhar imagens ou histórias envolvendo pessoas com TEA precisa ser ainda maior.
Muitas vezes, as intenções são boas: preservar memórias, dividir conquistas, documentar fases. No caso de pais de crianças com TEA, conteúdos pautados por informação, buscando ampliar a consciência sobre o espectro e romper com estigmas da sociedade, têm grande valor. E isso é muito importante e não pode parar. Aqui, chamamos apenas para uma reflexão que pode ser bem útil antes de compartilhar algo: quais os riscos dessa exposição no presente e no futuro?
Nem sempre é possível prever, mas cuidados ajudam a evitar complicações. A seguir, falamos um pouco mais sobre isso.
Estratégias de proteção
Segundo especialistas, é possível adotar medidas simples para proteger as crianças, tais como manter perfis fechados, limitar o público das postagens e usar emojis para cobrir o rosto das crianças.
A proteção deve ir além das configurações nas redes. É preciso que pais conversem com familiares, amigos, escolas e que essa discussão seja pautada também em outros ambientes frequentados pelas crianças, para que haja um alinhamento sobre as melhores práticas para a comunidade.
Sempre questione-se: vale compartilhar dados e imagens dos seus filhos com um público que muitas vezes nem os conhece? Qual é a melhor forma de fazer isso?
Mesmo sem regras claras sobre isso, é possível ser mais cuidadoso(a) e responsável ao mostrar a rotina com os filhos na internet ou apenas abordá-los em uma publicação.
Importante:
– Compartilhe sem revelar a identidade
Seja desfocando o rosto ou registrando apenas mãos ou silhuetas.
– Compreenda o impacto da presença digital
É importante que crianças neurodivergentes ocupem espaços nas redes, caso queiram, para combater estigmas e promover inclusão. Porém, momentos sensíveis merecem privacidade. Converse sobre isso em casa e na escola
– Avalie antes de postar
Essa publicação pode expor a criança além do necessário? O que está sendo compartilhado trará benefícios duradouros para ela? Pode prejudicá-la ou trazer problemas? Quando se trata de crianças muito novas, que ainda não têm noção do impacto das redes, cabe exclusivamente aos pais e responsáveis tomarem decisões conscientes sobre o que divulgar.
Sabemos que a busca por engajamento na causa do autismo e a luta por direitos e contra o preconceito, muitas vezes, é o que motiva os compartilhamentos de vídeos e imagens, mas é preciso estar atento(a) para os riscos de reforçar estereótipos do espectro autista.
Além disso, é preciso refletir até que ponto essa visibilidade é saudável e quais as possíveis consequências da exposição de crianças com autismo nas redes. Porque o mais importante é garantir que cada criança, com TEA ou não, cresça em um ambiente que respeite sua individualidade, seu tempo e suas escolhas.
Orientações para um uso mais seguro
Reconhecemos o potencial da internet e das plataformas digitais para o desenvolvimento de crianças e jovens com TEA. São muitos os benefícios que elas podem trazer. A proposta aqui é abordar os riscos de um uso desordenado para tentar evitar problemas que podem ocorrer com todos nós neste mundo hiperconectado.
A University College London listou algumas recomendações importantes para o uso seguro das redes por adolescentes com TEA, também úteis a adolescentes em geral:
– Nunca compartilhar senhas e informações pessoais
– Não marcar encontros presenciais sem consentimento dos pais
– Bloquear usuários ofensivos
– Buscar “respirar” antes de responder a comentários agressivos ou confusos
– Conversar com adultos sobre questões como ironia, piadas e golpes virtuais
– Pedir ajuda ao interagir com mensagens desrespeitosas ou mal interpretadas
O excesso de telas e seus impactos
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que crianças de até dois anos não tenham contato com dispositivos com tela. Para as crianças de seis a dez anos, o limite sugerido é de até duas horas por dia.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) destaca que o uso intenso de telas compromete as interações familiares, o desenvolvimento da fala, o sono, a coordenação motora e o aprendizado. No caso de crianças com TEA, os cuidados devem ser redobrados.
O Departamento Científico de Neurologia da SBP publicou uma nota especial intitulada Transtorno do Espectro Autista e Telas, alertando que crianças no espectro são mais suscetíveis a conteúdos altamente direcionados por algoritmos, o que pode intensificar hábitos problemáticos.
Caso você esteja enfrentando alguma dificuldade ou tenha dúvidas sobre o tema abordado aqui, recomendamos fortemente a busca por orientação profissional, para um acompanhamento personalizado.
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Referências
Nexo Jornal: O que é sharenting. E como proteger a imagem das crianças. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/externo/2025/02/07/sharenting-crianca-proteger-imagem-internet. Acesso: 26 de junho.
Sugestão: https://ibdfam.org.br/noticias/11416/Sharenting%3A+especialistas+avaliam+os+riscos+da+exposi%C3%A7%C3%A3o+infantil+nas+redes+sociais#:~:text=A%20express%C3%A3o%2C%20que%20consiste%20na,para%20o%20desenvolvimento%20das%20crian%C3%A7as.
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