Ecolalia e TEA
Definido como “repetição em eco da fala”, distúrbio é vivido por quase todos os autistas verbais
Em outro texto de nosso blog já comentamos que o autismo não se apresenta de forma isolada. Sabemos que 70% dos autistas apresentam outros distúrbios associados, as chamadas comorbidades.São condições que podem se manifestar junto ao Transtorno do Espectro Autista, mas que não envolvem os chamados “critérios diagnósticos”. Alguns exemplos dessas comorbidades são: TDAH, distúrbios do sono, ansiedade ou déficits na linguagem.
Quando o assunto é linguagem, notamos um desenvolvimento atípico em crianças com autismo. É comum existir a chamada ecolalia, uma das características mais intrigantes do Transtorno do Espectro Autista. Mas o que seria isso?
A ecolalia pode ser definida como “uma repetição em eco da fala” – uma repetição de sílabas, palavras ou frases já ouvidas. É importante falar sobre essa característica aqui em nosso blog pois o autismo é a principal síndrome desencadeante da ecolalia. Praticamente todos os autistas verbais passam por um período de ecolalia em sua vida. A repetição que caracteriza a ecolalia é dividida em duas categorias, de acordo com o períodos de tempo que leva para acontecer. Se ocorre logo após o fim de uma frase, é considerada “imediata”, mas se leva um intervalo de tempo significativamente maior, chama-se “tardia”.
Pesquisas dos anos 80 investigaram se a ecolalia tinha uma função específica para pessoas com TEA
Há opiniões divergentes entre pesquisadores sobre a ecolalia ser ou não funcional. Alguns consideram a ecolalia como uma repetição sem significado. Outros, porém, acreditam que seja uma tentativa primitiva de manter contato social. Nos anos 80, estudos mostraram que a ecolalia não é apenas uma repetição sem propósito. Nesta época, foi realizada uma pesquisa com objetivo de ensinar uma pessoa com autismo de 21 anos a permanecer quieta antes, durante e depois de ouvir perguntas.
O experimento também pretendia ensiná-la a usar dicas, como cartões com palavras, para aumentar a probabilidade de respostas corretas e evitar a ecolalia como mecanismo de comunicação durante as perguntas. Os resultados mostraram que as ecolalias raramente ocorreram depois que o sujeito foi submetido ao treinamento. Entretanto, a pessoa com frequência não respondia corretamente e usava respostas prontas e treinadas. O trabalho revelou que a extinção indeterminada da ecolalia não facilitou o uso de respostas corretas pelo indivíduo.
Outra pesquisa científica da época filmou crianças ecolálicas na escola e em casa, em atividades comuns do dia a dia, como durante o almoço. Após realizar uma análise mais profunda, descobriu-se que a ecolalia é muito mais do que um comportamento sem sentido, como havia sido relatado até então. Os resultados do estudo indicaram que pode haver intenção comunicativa nas ecolalias. A partir dessa pesquisa, sete categorias funcionais da chamada ecolalia “imediata” foram descobertas e, para cada uma delas, os pesquisadores passaram a discutir características comportamentais e linguísticas específicas.
Considerar o contexto é importante, pois a ecolalia pode funcionar como uma estratégia comunicativa
Houve ainda um estudo de caso para investigar o uso da ecolalia como um recurso de interação social. Foram analisadas as interações naturais de uma criança de três anos com a mãe. O uso de ecolalias “tardias” se mostrou extremamente importante, tanto para iniciar as interações, como para chamar a atenção da mãe para seus desenhos ou para pedir a ela respostas. A mãe também fez uso de ecolalias “tardias” como recurso para atrair a atenção da criança. O estudo comprovou uma função comunicativa na chamada ecolalia “tardia”.
Portanto, apesar da ecolalia poder ser considerada uma característica ou sintoma de dificuldades comunicativas no autismo, deve-se sempre considerar o contexto em que ela está sendo usada. A repetição sem finalidade pode prejudicar muito a comunicação. Entretanto, devido às dificuldades de interação de pessoas com autismo, esta estratégia comunicativa pode vir a ser valiosa se bem aplicada.
Dessa forma, a pessoa deve receber sempre acompanhamento de um profissional qualificado da área, como o fonoaudiólogo, para avaliar e direcionar as necessidades de cada caso. A intervenção precoce é um fator fundamental na evolução das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista e a avaliação e a intervenção são sempre feitas de forma individual, a partir das dificuldades de cada pessoa.
Documentário sobre autista apaixonado por filmes da Disney mostra como a ecolalia pode ser funcional
O documentário “Life, Animated” conta a história de Owen, um garoto autista com dificuldade de se comunicar e com um apego muito grande às produções da Disney. Depois de ficar muitos anos sem falar, a forma como se identifica com personagens universalmente conhecidos, como Simba, Jafar, Mogli e Peter Pan, ajuda Owen a expressar verbalmente como se sente a respeito dos eventos de sua vida.
O filme mostra o garoto utilizando os filmes para dar sentido ao seu mundo e expõe o uso da ecolalia “tardia” de forma funcional, usando as falas dos personagens para se expressar. O filme está disponível em inglês na Amazon Prime e na Apple TV. O trailer, em inglês, está disponível na página oficial do filme.
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