A genética do autismo
Com avanços nos últimos anos, estudos genéticos ajudam a entender parte da origem do TEA
Um assunto que até hoje não foi totalmente esclarecido é a causa do autismo. É um consenso entre médicos e pesquisadores que a maioria das doenças e transtornos são baseadas em uma junção de fatores genéticos e ambientais. Descobriu-se que com o TEA não é diferente, porém, ainda não se sabe quais são exatamente os fatores envolvidos no aparecimento do distúrbio. Os estudos sobre o lado genético do TEA evoluíram nos últimos anos, e hoje já se sabe como se orquestram alguns detalhes.
A genética é uma área da ciência que estuda como as características são passadas de geração em geração. Essas características, resumidamente, são transmitidas por meio do DNA, uma molécula que carrega todas as informações codificadas de cada indivíduo. Quando esse DNA é dividido, os pedaços são chamadas de “genes”. Então, os genes são os responsáveis por traços específicos, como cor dos olhos, altura ou predisposição a uma doença ou transtorno.
Em 2010, foi revelado pela primeira vez o peso do fator genético no TEA, com a comprovação de que o distúrbio é altamente herdável, ou seja, passa com facilidade de pai para filho. Por outro lado, o estudo esclareceu que o transtorno não está ligado a apenas um único gene, mas seria o resultado de variações genéticas em múltiplos genes. Desta forma, se um indivíduo for portador de poucos ou apenas alguns genes, ele não desenvolverá o transtorno e essas variantes que poderiam causar o TEA continuarão sendo transmitidas de geração a geração, tornando-se comuns na população. Consequentemente, a chance de um indivíduo herdar um número suficiente destas variantes de baixo risco a ponto de desenvolver a condição passa a ser não tão raro.
O risco de ocorrência do autismo entre familiares chega a 80%
Em 2014, um artigo publicado na JAMA, renomada revista científica de medicina, avaliou alguns riscos familiares do TEA. O estudo abrangia cerca de 2 milhões de crianças nascidas entre 1982 e 2006, sendo que entre elas havia pares de gêmeos, irmãos, meio-irmãos e primos.
Essa pesquisa calculou o risco de recorrência relativo em um participante com um irmão ou primo que está no espectro autista em comparação com o risco em um participante sem membro da família diagnosticado. Os pesquisadores concluíram que o risco individual de TEA aumenta de acordo com a herança genética, tendo uma herdabilidade em aproximadamente 50%. Ficou comprovado, então, que há fatores genéticos aliados às causas do transtorno, mas que a genética não é a única origem do TEA, pois entre os gêmeos idênticos há irmãos que possuem o transtorno enquanto o outro, não.
No ano passado, foi publicado um grande estudo sobre a associação de fatores genéticos e ambientais ao autismo. Realizada em 5 países (Dinamarca, Finlândia, Suécia, Israel e Austrália), a pesquisa incluiu mais de 2 milhões de pessoas nascidas entre 1998 e 2011, sendo cerca de 22 mil diagnosticadas com TEA. Dessa vez, conclui-se que a herdabilidade do transtorno do espectro do autismo está estimada em aproximadamente 80%.
Mais de 100 genes estão ligados ao desenvolvimento do TEA
O artigo mais recente da área é deste ano. Publicado pela revista Cell, o artigo traz o maior estudo de sequenciamento genético do TEA até o momento. Nele, é mostrado um número novo em relação a quantidade de genes relacionados ao espectro autista. Enquanto em 2015, concluiu-se que havia 65 genes importantes relacionados ao TEA, este artigo indica 102 genes responsáveis pelo distúrbio. Além disso, alguns genes que já estavam inclusos na listagem de 2015 foram colocados, agora em 2020, como mais importantes na classificação de relevância.
A pesquisa foi feita com base no genoma de 35,5 mil pessoas, sendo que cerca de 12 mil delas estavam enquadradas no espectro autista. Foi possível comprovar que há combinações genéticas envolvidas com o autismo que se expressam precocemente no cérebro, afetando o desenvolvimento neurofisiológico. Além disso, descobriu-se que os neurônios excitatórios (que possibilitam que um sinal elétrico seja transmitido pela célula) e os neurônios inibitórios (que impedem o sinal de seguir em frente) podem ser afetadas no transtorno. Citamos esse assunto também em outro texto de nosso blog, quando mostramos uma publicação de maio de 2019 que comparou efeitos do canabidiol nos sistemas de excitação e inibição do cérebro.
Pesquisas de análise genética como estas são importantes para o entendimento global do transtorno. Quanto maior o número de estudos sobre esse assunto, maiores as possibilidades de entender a fundo os mecanismos genéticos do TEA. Ao identificar os genes responsáveis e entender quais mudanças cerebrais eles causam, mais se saberá saber sobre a causa do autismo e, assim, será possível ajustar os tratamentos para que sejam cada vez mais eficazes.
0 comentários