Transtorno do Espectro Autista e Transtorno de Ansiedade
Estimativas indicam que ansiedade pode afetar até 84% dos jovens com autismo, enquanto na população em geral a incidência é de até 24%
Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno de Ansiedade, no jargão médico, são considerados “condições altamente prevalentes”, ou seja, com uma presença bastante frequente na população.
No caso do TEA, 1 em cada 54 crianças são diagnosticadas com o transtorno, caracterizado por deficiências na comunicação social e interesses e comportamentos repetitivos e restritos. Enquanto isso, diversos estudos sobre Transtornos de Ansiedade indicam que de 3% a 24% da população em geral pode ser afetada.
Entre jovens, o Transtorno de Ansiedade é um dos transtornos mentais mais comuns associados ao TEA. Estima-se que afete de 11% a 84% dos jovens autistas. A amplitude desta estimativa reflete, em parte, a complexidade do diagnóstico de transtornos de ansiedade.
Quadro de ansiedade nem sempre é patológico, depende do grau e do tipo de dano provocado
Quando falamos de ansiedade, é preciso entender que se trata de uma resposta fisiológica. O grande problema é quando ela assume proporções que prejudicam a resposta do indivíduo em sua capacidade de adaptação a diferentes ambientes. Neurocientistas conceituam ansiedade como “normal” e “anormal” a partir dos prejuízos no funcionamento do indivíduo e em um grau de sofrimento considerado significativo.
As características principais dos Transtornos de Ansiedade são o medo prolongado e excessivo e uma necessidade de evitar ameaças percebidas por fatores externos, no caso de situações sociais, ou internos, como as sensações corporais provocadas pelo ambiente.
A ansiedade provoca impactos profundos no desenvolvimento de uma pessoa. Este transtorno é capaz de desencadear uma série de respostas neuro-hormonais, alterando redes neuronais que podem afetar o sono, o apetite, a atenção e a aprendizagem. Quando patológica, gera os problemas adaptativos já mencionados que, se não tratados de forma adequada, podem tornar-se crônicos.
O grau no qual esses prejuízos se manifestam é influenciado pelas circunstâncias às quais esses indivíduos são expostos.
Há um risco elevado de ansiedade entre pessoas com autismo, que independe de sua capacidade intelectual
Um dos exemplos ocorre neste momento, em que estamos em meio a uma pandemia e as respostas adaptativas das pessoas não são iguais. O número de pessoas sem um diagnóstico psiquiátrico prévio com sofrimento clinicamente significativo aumentou muito. Isso prejudica o funcionamento da pessoa como um todo, colocando em risco seu desempenho social, acadêmico, no trabalho, entre outros. Um dos fatores externos que pode se apresentar neste contexto é a incerteza de ter como sustentar a família, que pode trazer prejuízos em diversas esferas da vida de alguém.
A maioria dos estudos sobre a prevalência de ansiedade no TEA foram conduzidos em indivíduos com inteligência média ou acima da média e relataram sintomas de ansiedade elevados. Os poucos estudos que compararam indivíduos com TEA e deficiência intelectual (DI) relataram taxas elevadas de ansiedade. Parece, portanto, que existe um risco elevado de ansiedade no TEA, independentemente da capacidade intelectual.
Pessoas típicas e atípicas podem apresentar graus de ansiedade variados, com a resposta à percepção de perigos (real ou imaginado) provocando respostas neuronais diferentes para processamento dessa informação e isso se traduz no comportamento.
O momento atual de pandemia é, novamente, um ótimo exemplo. Pessoas típicas apresentaram comportamentos disfuncionais, como estocar papel higiênico, e as atípicas, a variar do seu grau de funcionamento, apresentaram alguma desorganização comportamental. Em ambos, os comportamentos foram desencadeados pela dificuldade de processar informação e de fornecer uma resposta socialmente adequada para uma ameaça percebida.
Ansiedade e depressão são respostas do ser humano a momentos de incerteza
Cada vez mais adultos com mais de 50 anos estão recebendo diagnóstico de TEA. Com o aumento da conscientização, informações e capacitação de profissionais, o diagnóstico vem se tornando mais frequente. Adultos que vinham sendo tratados com ansiedade e depressão viram como um passo positivo o diagnóstico de TEA.
A ansiedade e a depressão são duas respostas adaptativas de todo ser humano quando submetidos a momentos de incerteza. Uma possível explicação das altas taxas de ansiedade na população com autismo relaciona-se a questões adaptativas que todo ser humano passa e que no momento atual são vividas com uma velocidade muito maior.
Múltiplas avaliações devem ser levadas em conta no diagnóstico de Transtorno de Ansiedade
Os diagnósticos acima citados, Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Ansiedade e Transtorno Depressivo, entre outros, devem ser realizados por meio de um olhar integral sobre o indivíduo, levando em conta avaliações de aspectos de história familiar, condições e hábitos de vida, história pregressa, possíveis comorbidades clínicas por uma equipe multidisciplinar qualificada.
Como já sabemos, alguns eventos na vida do indivíduo representam um papel importante no desenvolvimento de fobias, que são ligados a eventos particulares ou objetos.
Pesquisas recentes sugerem que experiências de vida, como divórcio ou desemprego, podem desencadear estresse imediato, podendo de maneira mais ampla desencadear transtornos depressivos de ansiedade, mas não TEA – pois TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento.
Uma pessoa típica pode ter um quadro de ansiedade tão grave a ponto de não sair de casa e isso ser visto como um prejuízo de uma pessoa com TEA; uma pessoa com TEA pode ficar extremamente interessada em saber informações sobre o novo coronavírus e procurar saber tudo sobre ele, sendo nesse caso um interesse restrito específico, não um sintoma de ansiedade.
Ansiedade pode ser tratada de diversas maneiras, mas nenhuma delas elimina de vez o transtorno
Essa pandemia vai marcar as pessoas de diversas maneiras. É importante acessar serviços de saúde mental disponíveis, tanto para si, quanto para outros familiares, diminuindo ao máximo os possíveis efeitos nocivos na saúde mental desencadeados pelo momento atual.
Existem diversas estratégias para lidar com a ansiedade, mas nenhuma é capaz de eliminá-la total e completamente. Elas vão desde alterações em rotina para melhora da previsibilidade, melhora na qualidade dos alimentos ingeridos, redução de estressores (poluição sonora, ambiental, exposição constante a notícias negativas) a melhora na qualidade do sono. Além desses, há alternativas medicamentosas e não medicamentosas que podem ser discutidas com suporte terapêutico.
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Acessos:
Joana Portolese
Neuropsicóloga Coordenadora do Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).
Fernando Mitsuo Sumiya
Psiquiatra da Infância e Adolescência, mestrando em psiquiatria e médico colaborador do PROTEA-FMUSP.
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