Mirza Lopes: Mãepeuta do Acre
Realidade de uma filha autista fez nascer comunidade de mães em busca de apoio e conhecimento
Me chamo Mirza, tenho 40 anos, sou servidora pública, técnica, da Universidade Federal do Acre, e fui mãe aos 36 anos. Com uma gestação tranquila, sem alterações de pressão, peso ou diabetes. A Malu crescia e se desenvolvia normalmente. Não tive nenhuma doença na gestação e o nascimento foi por parto cesariana, no dia 19/01/2017.
Maria Luiza é uma criança linda, meiga, carinhosa, alegre, que ama brincar de bonecas e ama mais ainda o mar – justo o mar, que falta no Acre. Ela tem 4 anos de idade e é autista.
Aos dois meses, já era possível perceber sinais de que Malu apresentava um desenvolvimento atípico
Quando ela tinha 2 meses, percebi que era diferente. Acordava fácil e assustava-se por tudo. Cama, colo, carrinho, sofá, trocar de roupa e tomar banho eram desgastantes para nós, o pai e eu. Ela chorava muito, e se debatia tanto que chegava a se machucar. Além disso, tinha o pescoço mole e a cabeça parecia viver pendurada. Desconfiei de autismo.
Já lia na carteirinha de vacinação sobre os atrasos motores no desenvolvimento estarem ligados a doenças neurológicas. Criei um grupo no WhatsApp com amigas minhas, também mães recentes, e ali pude comparar o desenvolvimento da Malu com o de outras crianças. O dela era sempre atrasado.
Dialogar com a família sobre o desenvolvimento da Malu foi o primeiro obstáculo na busca por diagnóstico
Em busca de diagnóstico, por 2 anos, meu primeiro obstáculo foi a família. O pai e a avó materna, com quem eu tive coragem de falar sobre minha desconfiança, me desacreditaram. Eu ouvi: “Você quer adoecer uma criança perfeita, por quê?”.
Quando a Malu tinha 11 meses decidi que já passava da hora de levá-la ao neuropediatra, já que a pediatra também me achava exagerada. Levamos, e investigamos a postura do sentar, com as pernas esticadas para frente. No retorno, para levar a ressonância magnética, tive coragem e falei sobre minha suspeita de TEA. Novamente fui invalidada. Saí do consultório arrasada e acreditei mesmo ser louca.
Com 1 ano e 10 meses, Malu passou a manifestar ecolalia imediata e a andar nas pontas dos pés
Os meses foram passando e as características de autismo surgindo mais fortemente. Ela completou 1 ano e 10 meses e com eles vieram a ecolalia imediata e o andar nas pontas dos pés, recorrentemente.
Malu não respondia a perguntas, embora falasse. Por qualquer motivo ela virava uma bailarina. Aquilo foi um gatilho que me fez levá-la, novamente, ao neuropediatra. Dessa vez em outra profissional, que nos encaminhou para avaliação neuropsicológica. Outra invalidação. O relatório não confirmou a hipótese diagnóstica, porém mostrou um atraso de 1 ano no seu desenvolvimento. Na consulta de retorno, entendendo o histórico da Malu, finalmente recebemos o diagnóstico, em 15/4/2019.
Projeto Mãepeutas do Acre surgiu na pandemia para incentivar outras mães a quem faltava suporte
Em abril de 2020, na pandemia, de home office, resolvi criar o projeto Mãepeutas do Acre. A ideia era empoderar mães e famílias a se tornarem protagonistas do tratamento de seus filhos – uma vez que iniciamos a intervenção precoce aqui em casa, quando chegaram a ecolalia imediata e a estereotipia recorrente.
A intervenção precoce da Malu eu mesma apliquei, estudando sozinha e vendo vídeos no YouTube, de muitos profissionais da área, sobretudo os do Thiago Lopes. Isso porque, no Acre, não temos um profissional analista de comportamento. Muitos profissionais sequer aceitam ser supervisionados e ainda falta qualificação. Além de tudo, por aqui, o valor cobrado pelas clínicas para o tratamento é bem alto.
Fui à Justiça para exigir tratamento adequado do plano de saúde e ganhei, mas ainda não temos equipe multi
Como nós temos plano de saúde, resolvi ajuizar ação. Ganhamos a liminar em outubro de 2019, mas até hoje a Malu não tem equipe multidisciplinar à disposição. Arregacei as mangas, e fiz eu mesma a psicoterapia, com toda intensidade de horas que o método DENVER pede.
Malu não tinha um minuto de paz, desde a hora que acordava até a higiene do sono com AVDs (atividades de vida diária) associadas. Também “virei” terapeuta de integração sensorial, fisioterapeuta, psicomotricista e fonoaudióloga.
Empoderamento de pais é essencial para a mudança de prognóstico dos nossos filhos com autismo
Estudava quando ela dormia, fazia cursos de final de semana. Garimpava tudo na internet. E é por toda nossa trajetória e por todas as nossas conquistas com a Maria Luiza, que, com a nossa experiência, sinto confiança em afirmar que o empoderamento de pais é essencial para a mudança de prognóstico dos nossos filhos com autismo.
É muito difícil encontrar uma rede que se proponha a isso, normalmente ou elas são voltadas ao acolhimento ou à distribuição de materiais adaptados. Nada disso me contemplou.
O sorriso no meu rosto veio quando a Malu respondeu perguntas funcionalmente. O peso da maternidade atípica diminuiu quando veio o início da independência pessoal e as habilidades de aprendiz (que criam disponibilidade para adquirir habilidades mais complexas) fizeram eu ver a minha filha, a minha Malu e não somente o autismo.
É nesse tipo de rede que eu acredito e que acho importante, e foi por esse caminho solitário (falando no contexto do Acre) que minhas dores foram construídas. Por isso, criei o Mãepeutas do Acre. Se você passa a mesma situação que nós passamos, junte-se a nós clicando no Linktree do meu Instagram @maepeutadoacre e empodere-se!
Mirza da Costa Lopes
Mãe da Malu, de 4 anos, diagnosticada com TEA em 2019. Bacharel em Secretariado Executivo e servidora pública federal. Com formação técnica baseada no modelo de intervenção precoce de DENVER (Assistente Terapêutica casa e escola), entre outros cursos na área educacional, coordenação motora fina e básico em ABA. Criadora do Projeto Mãepeutas do Acre, que tem como principal objetivo empoderar mães a se tornarem protagonistas do tratamento de seus filhos no TEA.
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