A vida adulta do autismo e o mercado de trabalho
Discussão sobre a vivência do autista ainda é muito focada no desenvolvimento infantil
Já discutimos neste blog dobre como diminuir as limitações e aumentar a inclusão dos autistas. No artigo, falamos sobre a importância da difusão de conhecimento para a sociedade, para diminuição de estigmas e preconceitos, do acesso precoce ao diagnóstico e tratamento do autismo, para auxiliar no melhor desenvolvimento de habilidades, além de acesso de autistas a escolas regulares e a empregos no mercado profissional. Todos esses aspectos contribuem para o aumento da inclusão social. Neste texto abordaremos um desses aspectos em específico: o mercado de trabalho.
Fala-se muito sobre o diagnóstico precoce do Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou seja, na infância. É muito discutida a vivência do transtorno quando criança. O autismo é ensinado na esfera da infância. O sistema médico ainda é voltado para a infância, por exemplo. Não se fala muito da vida adulta, de que essas crianças crescem, e essa vida adulta fica em um limbo, em um espaço de tabu.
A intervenção na infância tem como objetivo desenvolver a criança e torná-la o mais independente possível naquele momento, mas ainda há dificuldade de se estabelecer um parâmetro de longo prazo. No geral, ainda não pensamos na vida adulta. Temos muitos autistas adultos e precisamos falar sobre inclusão social na fase adulta.
Possibilidades de emprego fortalecem a autonomia financeira e facilita a conquista de independência
A transição para a fase adulta é marcada pela independência. Essa independência é conquistada, entre outros aspectos, pela autonomia financeira. Ou seja, pela capacidade de gerir seus custos de vida, seja para sobreviver, com necessidades de alimentação e moradia, ou para qualidade de vida, como lazer.
No texto anterior do blog, citamos sobre o medo que paira na sociedade de um autista nunca conseguir ser independente. Entretanto, este é um conceito falho. Levando em consideração os diferentes graus de comprometimento do transtorno, um estímulo precoce, correto e contínuo pode levar muitos autistas à independência em sua vida adulta, ou ao menos a uma dependência parcial com autonomia proporcional.
Um dos meios de propiciar isso na vida adulta é por meio do emprego. O mercado de trabalho é o espaço que, além de proporcionar base financeira para pessoa autista, proporciona inclusão na sociedade e convívio entre pessoas típicas e atípicas.
Inclusão de autistas no mercado de trabalho é garantida pela Lei Berenice Piana, de 2012
A inclusão de um autista no mercado de trabalho é garantida pela mesma lei que determina a participação mínima para portadores de qualquer deficiência. A Lei Berenice Piana, número 12.764, do ano de 2012, abriu as portas para o reconhecimento do autismo no rol das demais deficiências.
O texto estabelece que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais” e que faz parte das diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista “o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho”.
A lei também faz menção ao acompanhante disponibilizado pelas escolas: “a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular terá direito a acompanhante especializado”.
Falamos também sobre esse assunto no texto “Incluindo autistas nas escolas regulares”. Nele, debate-se sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que prevê que o atendimento educacional para pessoas com autismo deve ser, de preferência, na rede regular de ensino, seja em escolas públicas ou particulares. O objetivo principal é promover o convívio entre alunos típicos e com TEA para reforçar o aprendizado do respeito e da tolerância às diferenças.
Impasse da inclusão no mercado de trabalho começa ainda no acesso a escolas regulares
Além do acesso de autistas a escolas regulares ter amparo legal, tanto no ensino básico como no profissionalizante, é preciso ficar atento a outro detalhe importante: não há um limite de vagas.
A legislação não prevê cotas para pessoas com deficiência por sala, série ou instituição, embora muitos pais ainda ouçam este argumento com uma justificativa para a recusa de matrícula. A recusa de matrícula é crime, com punição prevista para os gestores de pagamento de indenização de três a 20 salários mínimos. Em caso de reincidência, há risco de perda do cargo. A escola também não pode vincular a matrícula ou rematrícula à apresentação de um laudo.
Sabemos que a escola é apenas o primeiro impasse que os autistas enfrentam. Enquanto esse deveria ser um ambiente de convívio e aprendizagem, que acolhe e ensina o contato com todos os tipos de diferenças, pode passar a ser um meio de disseminação de preconceitos, como a já citada recusa de matrícula. A escola deveria ser mais um instrumento de inclusão social e preparação para a vida adulta, para o convívio no mercado de trabalho, mas muitas vezes não é.
Se a educação é um direito, por que ainda faltam vestibulares adaptados para os autistas?
O empecilho surge também quando a criança cresce e precisa enfrentar um vestibular, para se especializar para o mercado de trabalho. É uma queixa comum entre autistas e familiares. Há vestibular adaptado para pessoas com TEA? Se a educação é um direito, por que na vida universitária seria diferente?
Ser diferente não significa ser excluído. A sociedade deve prover meios de incluir as diferenças. Ao perguntar para pessoas autistas como a vida adulta pode ser mais inclusiva, comumente temos a resposta de que os locais, os produtos e a convivência em grupo devem ser mais acessíveis.
Mas como ser mais acessível para um autista? A resposta é simples. Basta pedir para uma pessoa autista testar aquela ideia. Ou seja, o mercado de trabalho é um meio tanto de colocar o trabalhador autista dentro da sociedade, como quanto para que o autista projete situações que incluam muitas outras pessoas com o transtorno.
É preciso levar em conta a existência de autistas para projetar espaços, especialmente os voltados a eles
Pessoas com deficiência não são pessoas sem capacidade. Elas devem participar do processo, elas têm uma relação de pertencimento com os espaços que frequentam. Como fazer projetos de intervenção sem perguntar para uma pessoa o projeto o que ela quer?
Dessa forma, por exemplo, ao realizar um projeto de sessão de cinema para pessoas autistas, poderíamos ter um autista na produção do projeto. Ela saberia quais pontos deveriam ser muito bem iluminados, qual altura de som seria mais suportada, qual disposição das cadeiras seria mais apropriada etc. A regra vale para muitos outros projetos, que podem receber adaptações necessárias.
Em outro texto de nosso blog comentamos sobre empresas que trabalham em prol dessa iniciativa. A Specialisterne capacita autistas para emprego e orienta empresas a como acolher melhor os novos funcionários. Os autistas participantes desse projeto realizam ao menos cinco meses de treinamentos na área administrativa ou de tecnologia. Quando uma vaga adequada é encontrada, o candidato passa por uma entrevista e entra como consultor da ONG por um período de ano, em que recebe acompanhamento semanal de um psicólogo. A empresa associa as habilidades de cada pessoa com os requisitos da vaga, agregando assim ao trabalho.
Segundo o site da empresa, em 2021 haverá novos grupos para realizar a Formação e Capacitação, que consiste na formação em TI e desenvolvimento de habilidades sociais dos candidatos, com vistas à inclusão profissional. O curso é gratuito e realizado em São Paulo.
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