Glossário básico para compreender o autismo: parte 1
Confira os principais termos ligados a diagnóstico de autistas, como espectro, CID e DSM
Quem lida com a busca por diagnóstico e acompanhamento de saúde e desenvolvimento de autistas aprende a usar termos específicos ligados ao transtorno.
Saber o significado de cada um desses termos permite uma comunicação mais fluida, não só com profissionais da área, mas também com mães, pais, cuidadores e autistas, e favorece que todos tenham experiências mais inclusivas.
Autismo é um espectro, pois cada pessoa manifesta o transtorno de maneira singular
O primeiro passo é entender a linguagem em torno do diagnóstico de autismo e o termo médico que classifica o transtorno. Confira a lista:
– TEA. Sigla para Transtorno do Espectro Autista, a classificação médica oficial de autismo. Você pode dizer que um autista é uma pessoa com TEA ou uma pessoa que tem Transtorno do Espectro Autista. Você também pode dizer que ela está no espectro autista, que tem autismo ou então aderir ao mais recomendado e simplesmente dizer que uma pessoa é autista.
O autismo – ou TEA – é um transtorno do neurodesenvolvimento com duas características básicas, comuns a todos os autistas:
. Déficits permanentes na comunicação e na interação social em múltiplos contextos;
. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades – como estereotipias, movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou sensibilidade alterada a estímulos sensoriais.
Autismo é um espectro; se você conhece um autista, você conhece apenas um autista
– Espectro. O autismo passou a ser considerado um espectro após estudos realizados pela psiquiatra britânica Lorna Wing, mãe de uma mulher autista. Lorna descobriu que o autismo se manifesta com inúmeras intensidades e de múltiplas formas. Cada autista manifesta o transtorno à sua maneira.
Existem diversos transtornos e síndromes que podem estar ou não associadas ao autismo – como síndrome de Down ou TDAH, por exemplo. Existem questões sensoriais que podem ou não se manifestar e, caso apareçam, podem ser de hipo ou hipersensibilidade.
Ainda assim, quando nos referimos ao tato, por exemplo, uma mesma pessoa pode ser hipersensível em uma parte do corpo e hipo em outra. As variações são muitas, por isso costuma-se repetir o ditado: se você conhece um autista, você conhece apenas um autista.
Vale ressaltar que, apesar do autismo ser um espectro, as duas características básicas do TEA são comuns a todos os autistas e essenciais para a definição do diagnóstico.
Diagnóstico de autismo se transformou ao longo da história, a partir do entendimento do conceito de espectro
– DSM. Sigla em inglês Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). É uma lista de diagnósticos em saúde mental publicada pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) e que serve de referência para profissionais da área em todo o planeta.
A primeira edição do DSM foi publicada em 1952. Naquela primeira edição, a palavra autismo apareceu apenas uma vez, associada a reações esquizofrênicas em crianças. Mas a forma de enxergar o autismo se transformou ao longo dos anos, influenciada pelo próprio conceito de espectro, e isso se refletiu também nas revisões do DSM.
A edição mais recente é a quinta, publicada em 2013 (confira aqui a versão em português).
DSM-5 coloca em desuso o diagnóstico de síndrome de Asperger, que passar a fazer parte do espectro autista
No DSM-5, o TEA é interpretado de uma nova maneira. O diagnóstico passa a reunir uma série de outros transtornos que antes eram diagnosticados de forma separada.
Atualmente, o autismo engloba “transtornos antes chamados de autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger ”.
O documento traz uma explicação para a mudança:
“Os sintomas desses transtornos representam um continuum único de prejuízos com intensidades que vão de leve a grave nos domínios de comunicação social e de comportamentos restritivos e repetitivos em vez de constituir transtornos distintos. Essa mudança foi implementada para melhorar a sensibilidade e a especificidade dos critérios para o diagnóstico de transtorno do espectro autista e para identificar alvos mais focados de tratamento para os prejuízos específicos observados.”
Autismo é dividido em “níveis de gravidade”, que vão do 1 ao 3
– Níveis de gravidade do autismo. O DSM-5 estabelece para o autismo o que chama de “níveis de gravidade”, em uma escala de 1 a 3, em que 1 é o menos grave e o 3 é o mais grave. Todos exigem apoio, o que varia é a intensidade e a frequência.
– Autistas de nível 1. O nível 1 é o que antes de 2013 seria identificado como síndrome de Asperger e que também é popularmente conhecido como “autismo leve”. A comunidade autista, no entanto, vem discutindo o uso do adjetivo leve, pois o autismo, mesmo com menor gravidade, traz consequências que são difíceis de lidar – como a exclusão social – e pode provocar crises ou dificuldades intensas se associado a outras características, como o TDAH, questões sensoriais, seletividade alimentar, entre outras.
Segundo o DSM-5, os autistas nível 1 são aqueles que exigem apoio. Sem suporte, eles podem ter dificuldade para iniciar interações sociais, usar respostas atípicas e não conseguir aberturas sociais dos outros. Podem ainda ter inflexibilidade de comportamento que prejudica seu desempenho em diferentes contextos. Tem dificuldades de troca de atividade, organização e planejamento – o que pode comprometer sua independência.
Autistas de nível 2 são os chamados popularmente de autistas moderados
– Autistas de nível 2. Este nível é popularmente chamado de “autismo moderado”, embora também provoque prejuízos significativos. O DSM-5 indica que exigem “apoio substancial”. O autista de nível 2 tem déficits graves na comunicação social verbal e não verbal. Mesmo com apoio, é possível notar suas dificuldades, por exemplo, para começar e para responder a interações sociais.
O autista de nível 2 também apresenta comportamento inflexível e dificuldade de lidar com mudanças. Com frequência, este autista adota comportamentos restritos ou repetitivos e isso interfere na sua inserção em diferentes contextos.
Autistas de nível 3 são os que precisam de mais apoio e possuem extrema dificuldade em lidar com mudanças
– Autistas de nível 3. Também conhecido como “autismo severo”. É definido pelo DSM-5 como um nível que exige “apoio muito substancial”. O manual define a pessoa desta forma: “uma pessoa com fala inteligível de poucas palavras que raramente inicia as interações e, quando o faz, tem abordagens incomuns apenas para satisfazer as necessidades e reage somente a abordagens sociais muito diretas”.
Estes autistas também têm comportamento inflexível e uma dificuldade extrema para lidar com mudanças e para alterar o foco de suas ações. Também demonstra comportamentos restritos e repetitivos de forma acentuada.
O que antes se chamava de Asperger hoje é considerado autismo sem prejuízo intelectual ou de linguagem
– Síndrome de Asperger. No DSM-4, Asperger era considerado um diagnóstico específico. Mas esta ideia foi derrubada no DSM-5, que incorporou esse diagnóstico ao de autismo. Isso quer dizer que todas as pessoas que antes de 2013 foram diagnosticadas com síndrome de Asperger atualmente são consideradas simplesmente autistas. Neste caso, tratam-se de pessoas sem comprometimento linguístico ou intelectual.
O fim do diagnóstico de Asperger e a inclusão da síndrome como parte do autismo também ocorreu em um outro manual médico que é referência em todo o mundo: a CID.
– CID. Sigla para Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde. Assim como o DSM, é um manual médico, só que não é apenas focado em questões mentais, mas sim em todas as áreas da saúde. A CID é elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e foi publicada pela primeira vez em 1893. Sua versão mais recente é a CID-11, que foi aprovada em 2019 e entrou em vigor em 2022.
A CID-11 também adota o TEA para englobar todos os diagnósticos anteriormente classificados na CID-10 como Transtorno Global do Desenvolvimento (confira aqui, em inglês, o tópico de autismo na CID). Entre os diagnósticos englobados estão Autismo infantil, Autismo Atípico, Síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno com Hipercinesia associado à retardo mental e a movimentos estereotipados.
A CID permite diagnósticos mais assertivos e a coleta de dados estatísticos atualizados, além de possibilitar o planejamento de ações assistenciais e de políticas públicas. O código da CID é aquele solicitado por planos de saúde para liberação de consultas e exames.
Autistas podem ter de lidar com uma série de condições associadas aos transtorno
Ainda no universo do diagnóstico, é importante pontuar três palavras que aparecem com frequência no vocabulário de quem convive com o autismo.
– Comorbidades. São condições que se manifestam de forma associada ao autismo e estão presentes em 70% dos autistas. Podem ser condições psiquiátricas, como depressão, Transtorno de Ansiedade e TDAH, ou condições médicas, como distúrbios do sono .
– Ecolalia. É uma das mais recorrentes comorbidades do autismo. O termo quer dizer “repetição em eco da fala” – de sílabas, palavras ou frases já ouvidas. Pode ocorrer de forma imediata (logo após o fim de uma frase) ou tardia (quando ocorre após um intervalo de tempo mais longo).
Praticamente todos os autistas verbais passam por um período de ecolalia em sua vida.
Pessoas típicas devem compreender as características do autismo para respeitá-las e não achar que devam ser disfarçadas
– Estereotipia ou stim. São movimentos repetitivos que ajudam os autistas a lidar com excesso de estímulos, como balançar o corpo em movimento pendular, sacudir as mãos ou os braços ou mexer constantemente os dedos.
Para evitar que virem alvo de chacota, muitos autistas tentam mascarar estes movimentos, mas isto traz prejuízos psicológicos. Há casos em que os pais ou outras pessoas que convivem com os autistas também tentam inibir estes gestos. Mas é muito importante saber que estes movimentos ajudam os autistas a se acalmarem, se concentrarem ou a aliviarem a ansiedade. Não deixe que uma pessoa autista se sinta constrangida por seus stims, pois é algo que lhe faz bem.
– Mascaramento ou masking. É quando consciente ou inconscientemente um autista busca camuflar as manifestações do transtorno. Muitos autistas relatam situações em que tentam ser agradáveis para pessoas típicas, como em encontros amorosos, por exemplo. Elas tentam não demonstrar seus stims ou fingir que não estão sendo incomodadas pelo excesso de estímulos sensoriais, por exemplo, para não parecerem estranhas ou mal educadas.
Mas isso tem um custo alto para o autista, que varia para cada pessoa. Há quem se sinta esgotado, há quem acabe dormindo por muito tempo, há quem sofra crises ao chegar em casa. Por isso é importante saber que uma pessoa é autista e oferecer a ela o ambiente mais adequado para que se sinta bem. O mascaramento do transtorno pode, inclusive, contribuir para atrasar ainda mais o diagnóstico.
O diagnóstico de autismo não é possível ser feito por qualquer tipo de exame clínico, como um simples exame de sangue, por exemplo. Todo o trabalho depende de observação e acompanhamento de múltiplos profissionais e, para isso, é essencial que o autista seja capaz de se expressar livremente. Só assim será possível entender como ele é, do que precisa, e oferecer os serviços mais adequados para atendê-lo.
Escrito por Clarice Sá, Teia.Work
Achei muito interessante essa postagem em poucas palavras me trouxe muita informação sobre o autismo