TEA e vida adulta: desafios invisíveis na vida profissional e acadêmica
TEA e vida adulta: desafios invisíveis na vida profissional e acadêmica
Quando se fala em Transtorno do Espectro Autista (TEA), a maior parte das ações de acolhimento e políticas públicas ainda foca na infância. Contudo, o TEA acompanha a pessoa ao longo de toda a vida, e a fase adulta pode trazer demandas específicas relacionadas ao mercado de trabalho, à gestão financeira e à busca por autonomia para pessoas neurodivergentes. Essas experiências podem ser impactadas pela baixa conscientização da sociedade e pela ausência de adaptações adequadas nos ambientes acadêmicos e profissionais, dificultando o acesso, a permanência e o protagonismo nesses espaços.
Diagnóstico tardio e consequências na formação
Muitas vezes, o diagnóstico do TEA ocorre somente na vida adulta. Esse atraso faz com que muitas pessoas passem anos lidando sozinhas com dificuldades de interação social, organização e adaptação a rotinas, sem entender as causas reais de suas vivências. Isso impacta diretamente o desempenho escolar e acadêmico, resultando em trajetórias marcadas por evasão, repetências ou sobrecarga emocional.
Quando conseguem seguir seus estudos e ingressar em universidades, pessoas com autismo continuam se deparando com desafios, pois raramente encontram ambientes preparados para lidar com suas necessidades específicas. Ruídos excessivos, salas lotadas, métodos de ensino pouco flexíveis e falta de professores capacitados para oferecer orientações individualizadas são alguns fatores que prejudicam a permanência e a conclusão de cursos para profissionalização e qualificação. Nesse contexto, o potencial acadêmico de muitos fica limitado não por falta de competência, mas por barreiras estruturais e atitudinais a uma real inclusão.
Autoconhecimento e identificação de habilidades
Para avançar na vida acadêmica e profissional é muito importante que pessoas dentro do espectro autista compreendam seus pontos fortes, seus pontos sensíveis e também seus interesses. Afinal, identificar áreas de trabalho que se alinhem com suas habilidades e interesses ajuda muito. Por exemplo: se a pessoa tem hiperfoco em determinada área, isso pode ser um diferencial positivo no trabalho, como o interesse em computadores pode ser muito valorizado em uma vaga de TI ou o interesse em ilustração pode se destacar em uma vaga de designer.
Buscar orientação profissional especializada, contar com terapeutas para apoiar habilidades de comunicação e participar de grupos de troca de experiências são boas práticas recomendadas.
Inclusão no mercado de trabalho: direitos e potencialidades
Sabemos que frequentar o ambiente escolar ou de ensino superior é um dos grandes desafios que as pessoas com autismo enfrentam. Não só por isso, o ingresso de pessoas com TEA no mercado de trabalho ainda é muito abaixo do ideal, o que afeta diretamente a independência financeira e a autonomia do indivíduo.
Apesar de leis de cotas e campanhas de inclusão, grande parte das empresas permanece despreparada para oferecer as condições de trabalho adaptadas e necessárias a que as pessoas com autismo têm direito. Os processos seletivos, por exemplo, costumam exigir habilidades de comunicação interpessoal que desconsideram as diferenças do candidato no espectro autista, e nem sempre refletem sua capacidade técnica, seu conhecimento e seu potencial.
No Brasil, vale lembrar, a Lei de Cotas (Lei nº 8.213/91) estabelece que empresas com cem ou mais funcionários reservem de 2 a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência, o que inclui aquelas com Transtorno do Espectro Autista. A porcentagem varia de acordo com o número de empregados na empresa. Essa legislação é um exemplo de instrumento legal essencial para ajudar a garantir igualdade de oportunidades e combater a exclusão histórica no ambiente profissional.
Além disso, pessoas com TEA têm direito a adaptações tanto no trabalho quanto no ensino, assegurando que possam desenvolver plenamente suas habilidades, sendo acolhidas em suas singularidades.
É fundamental destacar que quem vive com TEA pode atuar em diferentes áreas e ocupar os mais diversos cargos, de funções operacionais a posições de gestão. Muitas pessoas com autismo apresentam grande capacidade de concentração, atenção a detalhes, pensamento lógico e criatividade, competências altamente valorizadas em setores como tecnologia, ciência, artes e engenharia.
No entanto, para que esse potencial vire realidade, é preciso promover ambientes inclusivos e flexíveis, também com pessoas (lideranças e colegas) comprometidas com a pauta da diversidade e inclusão.
Estratégias para ambientes mais acolhedores
Para além da literatura sobre o tema, práticas já implementadas por algumas organizações demonstram que a inclusão de pessoas com TEA é plenamente viável quando há planejamento e comprometimento. Entre as medidas mais recomendadas, destacam-se:
- comunicação direta e sem ambiguidades;
- definição clara de tarefas;
- possibilidade de trabalho remoto ou em locais silenciosos;
- suporte de mentores ou colegas capacitados para oferecer orientações práticas, de forma respeitosa e colaborativa.
Vale frisar que programas de sensibilização dirigidos a equipes de recursos humanos, lideranças e colaboradores em geral são fundamentais para quebrar estigmas, reduzir preconceitos e criar uma cultura organizacional que valorize a neurodiversidade.
É importante que a pessoa se sinta incluída. Afinal, infelizmente ainda é comum que julgamentos, críticas e preconceitos acompanhem alguns processos, minando a autoestima de jovens e adultos com TEA. Também nessa fase, o acompanhamento psicológico e uma rede de apoio consistente podem fazer a diferença.
Mais do que cumprir cotas legais, garantir a inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista requer o fortalecimento de políticas públicas, incentivo à pesquisa, campanhas de conscientização permanentes e sobretudo, uma real disponibilidade para escutar, acolher e promover a participação plena dessas pessoas em todos os espaços da sociedade.
Ações assim não ampliam oportunidades apenas para quem vive com o TEA, mas também enriquecem todo o ambiente de trabalho, ao incorporar diferentes perspectivas, impulsionar a inovação, estimular a criatividade e promover a empatia e a colaboração na diversidade.
Referências:
AUTISMO & REALIDADE. A inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista no mercado de trabalho. Disponível em: https://autismoerealidade.org.br/2020/01/09/a-inclusao-de-autistas-no-mercado-de-trabalho/. Acesso em: 20 jun. 2025.
AUTISMO & REALIDADE. A vida adulta de pessoas com Transtorno do Espectro Autista e o mercado de trabalho. Disponível em: https://autismoerealidade.org.br/2021/07/10/a-vida-adulta-do-autismo-e-o-mercado-de-trabalho/. Acesso em: 20 jun. 2025.
Revista eletrônica Gestão & Sociedade. Inclusão de autistas no mercado de trabalho: uma nova questão de pesquisa. Disponível em: https://ges.face.ufmg.br/index.php/gestaoesociedade/article/view/2033/1112. Acesso em: 20 jun. 2025.
0 comentários