Lidando com as birras – parte 2

4/02/2020TEA no Dia a Dia0 Comentários

Equipe multidisciplinar é uma ajuda importante no controle dos comportamentos problemáticos

Comuns em qualquer criança, os comportamentos desafiadores costumam acompanhar os autistas ao longo de toda vida. O que para muitos pode parecer uma birra, muitas vezes é um reflexo das dificuldades que as pessoas com TEA têm ao comunicar seus desconfortos, dores e frustrações. Lidar com estas atitudes exige bastante das famílias e cuidadores e, por isso, montamos este especial em duas partes analisando as orientações da nossa cartilha Kit de Ferramentas para Comportamentos Desafiadores e Agressivos.

No primeiro post, falamos da importância de identificar rapidamente a origem do comportamento, para evitar que as situações desafiadoras se transformem em ciclos insustentáveis. Muitas vezes, a birra é o jeito que a pessoa com TEA encontra de expressar um incômodo físico, como uma dor de dente, ou sensorial, como aversão a um barulho alto. Dessa forma, é importante examinar se o comportamento difícil está sendo provocado por um fator externo ou um problema de saúde.

Hoje, vamos detalhar o papel que a equipe multidisciplinar tem no apoio às famílias e aos indivíduos com TEA e como se planejar para os momentos de crise e condutas especialmente difíceis, em que os autistas colocam em risco a segurança deles mesmos e daqueles que estão a sua volta.

Os profissionais da equipe variam de acordo com as necessidades de cada autista

A equipe multidisciplinar é a principal aliada do autista e de sua família. A comunicação deve ser constante e a equipe deve estar disponível para contatos com outros profissionais. Em geral, uma equipe conta com cuidadores, terapeuta comportamental, educadores, profissional de saúde mental (psicólogo e/ou psiquiatra, dependendo do quadro da pessoa), terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e fisioterapeuta. A demanda pelos profissionais de reabilitação (fonoaudiólogo e fisioterapeuta, principalmente) pode variar em cada caso, mas é importante fazer ao menos uma avaliação periódica.

Além destes especialistas, é importante que o autista seja acompanhado por um médico mais “generalista” para acompanhar a evolução geral da pessoa. No caso das crianças, este é o papel do pediatra, mas adultos com TEA precisam de médicos que os acompanhem – como um clínico geral ou um geriatra – e que tenham experiência no trato de indivíduos com o distúrbio.

Há casos em que as famílias optam por designar um “gerente de equipe”, que pode ser um dos cuidadores principais, mas também um terapeuta, um assistente social ou, ainda, alguém próximo de confiança. O “gerente” é quem tem todas as informações e mantém a equipe multidisciplinar em sintonia. Na maioria dos casos, as mães e os pais do indivíduo com TEA ocupam esse papel, mas em casos mais delicados ou complexos a presença de um gerente “externo” ajuda a diminuir a sobrecarga da família.

Junto com a equipe, identifique os elementos que provocam a birra

A equipe vai ajudar a família a identificar a origem dos comportamentos desafiadores, como lidar com as crises e a reforçar condutas positivas para minimizar o impacto das atitudes problemáticas. Se o autista segue apresentando uma conduta difícil mesmo depois de se descartar qualquer problema de saúde, entende-se então que isto é uma escolha comportamental dele. Aí, os cuidadores precisam estar atentos às seguintes questões:

  • O que antecede o comportamento?
  • É possível identificar uma causa?
  • Como se dá o comportamento?
  • Qual a consequência?

Outro ponto relevante é se as atitudes problemáticas não foram provocadas por eventuais mudanças na rotina do autista. Cada fase da vida traz novos desafios e estímulos, e estas novidades podem ser complicadas para o autista assimilar, abrindo as portas para as birras. Este conjunto de informações é uma ferramenta importante para criar, em conjunto com a equipe multidisciplinar, estratégias eficazes para ajudar a pessoa com TEA.

Apresente um plano de crise para todos os envolvidos na vida do autista

Com uma clareza melhor dos gatilhos, é mais fácil entender e traçar as estratégias de tratamento específicas para cada pessoa com TEA. Além das terapias que serão desenvolvidas no dia a dia para trabalhar uma melhora na qualidade de vida geral do autista, também é importante que a família desenvolva junto com a equipe um plano de intervenção e um plano de crise.

Mesmo nos pegando de surpresa em alguns momentos, os níveis altos de agitação geralmente não começam do nada. É possível aprender habilidades que ajudem a reconhecer os sinais de que um comportamento está se intensificando para agir antes que a situação saia do controle. Um plano de crise bem elaborado incluirá:

  • uma lista de eventos, acionadores ou sinais definidos que indicam que uma crise pode se desenvolver;
  • ferramentas e estratégias para manter a pessoa e todos que estiverem por perto em segurança, em qualquer ambiente (escola, casa, comunidade);
  • etapas e procedimentos de intervenção para minimizar o comportamento de acordo com os níveis crescentes de agitação;
  • uma lista de coisas do que fazer e do que não fazer específicas às limitações, história e necessidades do indivíduo;
  • contato específico e disponível para as situações de crises e colapsos;
  • indicação da instalação mais bem preparada, caso uma hospitalização ou visita ao pronto-socorro seja necessária;
  • e a garantia de tutela, caso a pessoa seja maior de 18 anos mas precise de um responsável para tomar decisões por ela.

Ao montar o plano, considere todas as esferas da vida cotidiana do autista e, caso se trate de uma criança ou jovem, inclua a escola e/ou universidade neste planejamento. Se a pessoa com TEA já for adulta e levar uma vida sem assistência, pode ser válido criar cartões pessoais, em linguagem simples, com informações sobre o espectro autista, como contornar as situações delicadas, com ao menos dois números de contato.

Ignorar, redirecionar e remover

E, seja numa situação antecipada pelo plano ou em algo totalmente imprevisto, é importante ser consistente nas respostas e consequências. São três as principais formas de reagir a uma conduta mal adaptada:

Ignorar: significa não ceder ao comportamento que você está tentando eliminar por meio de seus melhores esforços. O indivíduo não pode obter o resultado esperado com aquele comportamento. Certifique-se de atender-lhe quando a conduta for adequada, a fim de desenvolver a confiança dela em você. O comportamento difícil pode se agravar ao ser ignorado. É importante não ceder, mas fique atento a sinais de perigo, como danos físicos aos indivíduos com TEA ou a quem está em volta.

Redirecionamento: pode ser uma ferramenta muito poderosa, já que oferece a você a oportunidade de direcionar seu filho a uma situação mais positiva ou mais fácil de gerenciar.  Ele também ajuda a evitar ou acalmar uma situação que tende a se agravar. Criar uma barreira física para que seu filho não se machuque ou não machuque os outros, por exemplo, já é uma resposta, mas não significa que você tenha cedido.

Remoção: É importante ter cautela com a utilização do isolamento (castigo), ainda que seja parte das ferramentas disponíveis aos educadores do indivíduo com TEA. Ele deve perder o acesso a algo que considere recompensador para compreender a situação. Explique em uma sentença simples o que está acontecendo e não lhe dê atenção. Interrompa o isolamento assim que a pessoa se acalmar.

Para lidar com a birra, lembre-se de manter a calma

Além destas táticas, é sempre importante, durante um comportamento problemático, manter a paciência e tentar reduzir os elementos de estresse para que a pessoa volte a um estado calmo e estável. Você pode levar o autista para um lugar mais tranquilo ou oferecer uma atividade ou objeto tranquilizante. Dê instruções claras e utilize uma linguagem simples, mantendo a gentileza e dando espaço para que a pessoa com TEA processe a situação como um todo. Não deixe de elogiar as tentativas de autocontrole dela.

Por mais que os cuidadores se preparem e planejem estratégias. Nem sempre é possível esperar novas consultas ou acessar os profissionais da equipe em pouco tempo. Quando o comportamento ocorrer, tome cuidado para não:

  • Alimentar o comportamento, ceder ou dar ao indivíduo o que ele queria com o comportamento;
  • Mostrar desapontamento ou raiva;
  • Dar sermões ou ameaçar;
  • Intervir fisicamente (a não ser que isso seja necessário em termos de segurança)

Quando o autista estiver mais calmo, debata a situação ou ensine respostas alternativas e mais adequadas. Além disso, é importante recapitular o acontecimento com a pessoa e com a equipe para que todos estejam mais preparados para reconhecer os gatilhos e entender quais as melhores estratégias de autocontrole nas experiências futuras.

E se o comportamento ganhar proporções perigosas? Segurança em primeiro lugar

Caso o comportamento evolua para uma situação perigosa, como um ataque de raiva ou agressão, o fundamental é garantir a segurança de todos os envolvidos. Esse não é o momento de ensinar, exigir ou moldar o comportamento, porque o autista atingiu um patamar alterado em que ele não vai ser capaz de raciocinar ou aprender habilidades substitutas.

É importante que você permaneça o mais calmo possível, para que possa avaliar a gravidade da situação e implementar o plano de crise já pensado com sua equipe multidisciplinar. Tenha sempre em mãos o contato principal para sinais de crise e as instituições mais bem preparadas para o caso.

Também é possível que o planejamento e o treinamento se mostrem insuficientes para atender certas ocasiões, como autoflagelação, agressão, fugas ou ameaças de suicídio. A regressão em habilidades ou mudanças muito acentuadas de humor, como irritabilidade ou ansiedade muito frequentes, também devem acionar o final de alerta. Nestes momentos, o melhor a fazer é acionar a ajuda médica especializada.

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