Anorexia nervosa: uma comorbidade ou um sintoma de autismo?

22/10/2020Diagnóstico0 Comentários

Pesquisadores se debruçam em estudos sobre as possíveis relações entre os dois transtornos

A anorexia nervosa é apontada por médicos e pesquisadores como uma das possíveis comorbidades do autismo. Como o TEA é um espectro e se manifesta de forma única em cada pessoa , não é uma regra geral o diagnóstico de anorexia nervosa. Existem, inclusive, autistas que sofrem de um distúrbio contrário, a compulsão alimentar. Neste texto, focaremos na anorexia nervosa, um dos distúrbios alimentares que podem se apresentar entre pessoas com TEA

A primeira pesquisa a perceber uma relação entre autismo e anorexia foi realizada na década de 1980 por Christopher Gillberg. Ele observou que primas de meninos com TEA foram diagnosticadas com anorexia nervosa.

Tanto o TEA quanto a anorexia nervosa são caracterizados pela presença de padrões obsessivos, limitados e repetitivos de comportamentos e interesses. Além disso, há predisposição a rotinas estritas, dificuldades com interações sociais, incluindo isolamento social e dificuldades significativas com a comunicação social.

Sintomas de autismo e de anorexia nervosa são parecidos e, por isso, geram dúvidas

Há, no entanto, uma variação na taxa de ocorrência de autismo e de anorexia nervosa entre homens e mulheres. Na população geral, a anorexia é significativamente mais prevalente em mulheres.

Outra diferença é que, enquanto os sintomas do TEA se manifestam desde a primeira infância, pacientes com anorexia só desenvolvem os primeiros sintomas normalmente no período da adolescência ou no início da idade adulta.

A aparente similaridade entre sintomas de autismo e de anorexia nervosa levanta várias questões para pesquisadores e clínicos. Será que são duas condições diferentes? Ou a anorexia nervosa pode ser uma apresentação atípica do TEA e, portanto, deve ser incluída no espectro do autismo?

Os indivíduos com TEA frequentemente apresentam padrões atípicos ou perturbados relacionados à alimentação e aos hábitos alimentares. Entre eles, sensibilidade sensorial atípica, recusa de alimentos e dieta limitada.

Uma pesquisa feita pela pediatra Linda Bandini mostrou que a seletividade na ingestão de alimentos em indivíduos com autismo na primeira infância também está presente no período da adolescência.

Adultos com TEA sofrem mais de distúrbios alimentares que a população em geral

Um outro estudo, da psicóloga Louise Karjalainen, notou uma super-representação dos sintomas de distúrbios alimentares no grupo de pacientes adultos com distúrbios do desenvolvimento neurológico como TDAH ou TEA, em comparação com a população em geral.

Na população geral, a cada homem diagnosticado com anorexia nervosa ou bulimia, há 8 a 10 mulheres. A pesquisa, no entanto, indicou que para cada mulher diagnosticada, havia 2,5 homens com anorexia ou bulimia.

Além disso, os autores observaram que adultos com TDAH se concentravam mais em pensar em calorias e insatisfação com o corpo do que pacientes com TEA.

Pesquisa feita pelo pesquisador Sven Bölte mostrou que 28% dos pacientes com autismo tinham baixa massa corporal e baixo IMC.

Estudos indicam sintomas de Transtorno do Espectro Autista em pessoas com anorexia nervosa

Outras publicações, no entanto, demonstram a ocorrência de sintomas de autismo em pacientes com anorexia nervosa, bem como em pacientes com outros distúrbios alimentares.

Uma pesquisa da psiquiatra Liliana Dell´Osso relatou que os pacientes com vários distúrbios alimentares, incluindo anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno da compulsão alimentar periódica, apresentam características do tipo autista e, em comparação com o grupo controle, demonstram mais sintomas limiares TEA.

Os pesquisadores enfatizam que os perfis cognitivo e comportamental do TEA e da anorexia nervosa são semelhantes em muitos aspectos. Mulheres adultas com anorexia nervosa, comparadas às sem anorexia nervosa, registram pontuações mais altas em uma versão simplificada do Quociente do Espectro do Autismo (AQ-10).

Além disso, a psicóloga Heather Westwood demonstrou que 23,3% das mulheres adultas com anorexia nervosa obtiveram pontuações acima do ponto de corte para TEA no ADOS-2, um teste que auxilia o diagnóstico de autismo. As revisões sistemáticas anteriores também indicaram a super-representação do autismo na população com anorexia nervosa.

Pesquisadores ressaltam necessidade de aprofundar estudos da relação entre TEA e anorexia

No entanto, uma exploração mais aprofundada do tema fez surgir ainda mais dúvidas. Desta forma, há necessidade de outras explicações para compreender as relações entre TEA e anorexia nervosa.

Westwood enfatiza que vários estudos anteriores carecem de informações suficientes sobre o desenvolvimento do paciente, incluindo os fatores que exacerbam a fome e a avaliação dos sintomas de TEA que se baseiam apenas nos resultados obtidos com base no questionário AQ, o que dificulta a interpretação dos resultados.

Um estudo feito por Jyoti Pooni se concentrou em pacientes entre 8 e 16 anos de idade com distúrbios alimentares diagnosticados de início precoce e também levaram em consideração sua história completa de desenvolvimento.

A pesquisa concluiu que o diagnóstico de autismo dentro do grupo de pacientes com distúrbios alimentares não foi mais frequente do que no grupo controle. No entanto, comportamentos limitados e repetitivos, bem como isolamento social, foram mais frequentemente encontrados no grupo com distúrbios alimentares do que no grupo sem distúrbio alimentar.

Da mesma forma, Charlotte Rhind concluiu que, com relação ao histórico de desenvolvimento do paciente, apenas 4% do grupo de estudo de adolescentes com distúrbios alimentares atendiam aos critérios TEA.

Distúrbios fisiológicos, psicológicos e cognitivos agudos podem ser provocados pela fome

É de particular importância considerar, também, os fatores de confusão da fome. Já em 1950, Keys provou que muitos distúrbios fisiológicos, psicológicos e cognitivos agudos podem ser causados pela fome, como é observado em indivíduos com anorexia nervosa.

As anormalidades descritas refletem muitos sintomas comumente associados ao autismo. No entanto, neste caso, os sintomas de autismo são eliminados pela ingestão de alimentos e pela recuperação normal da massa corporal. Isso levou os pesquisadores a concluir que algumas das semelhanças observadas podem ser melhor compreendidas como um ‘estado’ (causado pela fome transitória) do que uma ‘característica’ associada.

Portanto, os autores recomendam uma avaliação mais precisa dos sintomas de TEA em estudos futuros. Além disso, os pesquisadores indicam muitas limitações e diferenças metodológicas em trabalhos prévios.

Estudos anteriores frequentemente avaliavam pacientes adultos e os dados referentes ao seu desenvolvimento eram frequentemente limitados, já que era necessário retirar essas informações da memória e não de algo documentado. Além disso, a análise dos efeitos da fome em alguns resultados obtidos foi omitida e a avaliação dos sintomas de autismo foi insuficiente. Alguns estudos de população mais jovem e a inclusão de dados referentes ao desenvolvimento não mostraram significativas dependências entre autismo e anorexia nervosa.

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