Sobre a importância do ABA para autistas -parte 1

28/01/2021Tratamentos1 Comentário

Melhorar qualidade do acompanhamento na primeira infância aumenta qualidade de vida a longo prazo

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento relativamente comum na população e que apresenta um impacto variado. As estimativas de prevalência atuais sugerem que uma a cada 54 pessoas apresentam os critérios diagnósticos para TEA. A prevalência varia por sexo, com homens tendo probabilidade quatro vezes maior de serem afetados que mulheres.

O diagnóstico está principalmente associado a prejuízos na comunicação social, além de interesses restritos, comportamentos repetitivos e diferenças na função sensorial. Os autistas também podem ter dificuldades em uma série de áreas relacionadas, como linguagem, comportamento adaptativo e desempenho acadêmico.

Além dos principais sintomas, os autistas costumam lidar com outras condições associadas (as chamadas comorbidades) que geram impacto no funcionamento diário e na qualidade de vida. São condições de desenvolvimento, comportamentais ou psiquiátricas que podem persistir ao longo da vida, e que, às vezes, exigem tratamento médico de impacto mais significativo do que o TEA em si.

Maior parte dos autistas requer algum tipo de acompanhamento até a vida adulta

Atualmente, a evolução a longo prazo de indivíduos com TEA varia de forma ampla. Embora os que recebem diagnóstico precoce continuem a desenvolver habilidades adaptativas e comunicativas dentro da faixa média, a maioria requer pelo menos algum suporte e muitos precisam de acompanhamento substancial na idade adulta.

É importante ressaltar que a qualidade de vida entre adultos com TEA também é variável, mas pode melhorar com a qualidade da terapia já na primeira infância.
Existem muitas recomendações sobre a natureza e a intensidade da intervenção terapêutica. Estudos afirmam que o acompanhamento deve começar o mais cedo possível, no momento ou mesmo antes do diagnóstico na primeira infância.

Plasticidade do cérebro na primeira infância potencializa os efeitos das intervenções

As intervenções oferecidas na primeira infância têm o potencial de produzir melhores resultados, por ser um momento de maior plasticidade do cérebro. Isto quer dizer que, como o cérebro da criança ainda está em formação, as atividades terapêuticas ajudam a estimular o desenvolvimento das áreas prejudicadas pelo distúrbio, fazendo com que a criança melhore em alguns campos e até ganhe novas habilidades. Pesquisas indicam que a intervenção intensiva traz ganhos cognitivos substanciais, que variam de acordo com a idade do início da intervenção.

A intervenção deve ser intensiva, ou seja, fornecida por 25 a 40 horas por semana ao longo de um ano ou mais, e de forma abrangente, visando um desenvolvimento amplo. Apesar da carga-horária assustar as famílias, não é incomum que crianças típicas interajam com adultos, outras crianças e cuidadores por 40 horas.

Entender as 40 horas semanais como algo na linha da recomendação “intervir enquanto estiver acordado” e libertar-se da noção de que intervenção é algo que acontece somente entre quatro paredes com um profissional, é um dos únicos caminhos possíveis para que a maioria das famílias possa de fato atingir esse alvo. Ao mesmo tempo, é inegável que, estatisticamente, quanto mais tempo de intervenção, melhores os resultados.

Existem atualmente 28 práticas recomendadas pela ciência para o trabalho com autistas. Destas, 24 se baseiam em princípios da Análise do Comportamento Aplicada (ABA, na sigla em inglês para Applied Behavior Analysis). As outras quatro práticas mesclam seus objetivos com protocolos comportamentais, são elas: terapia cognitivo comportamental, exercício e movimento, musicoterapia e integração sensorial.

Por meio do ABA, profissionais contribuem com inúmeras frentes de desenvolvimento

A intervenção baseada em ABA busca produzir mudanças práticas e significativas no comportamento para desenvolver habilidades que tornem a pessoa capaz de produzir relações saudáveis com o ambiente em que vive.

Este tipo de intervenção se aplica a crianças, adolescentes e adultos que, eventualmente, apresentem dificuldades de socialização, do brincar, de aprendizagem de conteúdos acadêmicos e de aspectos gerais da rotina ligados à autonomia (como sono, alimentação, autocuidado, entre outros).

Estudos demonstraram que o ABA pode resultar em aumentos significativos no QI, mesmo dentro da faixa neurotípica, com maior probabilidade de integração na escola. A intervenção pode ocorrer em diversas frentes comportamentais, como acadêmica, profissional, social, verbal, e de atividades de vida diária (AVDs). O trabalho envolve profissionais de diversas áreas – psicólogos, fonoaudiólogos, neurologistas, psiquiatras, pediatras, educadores físicos, terapeutas ocupacionais e tutores.

Para garantir a eficácia da intervenção baseada em ABA, devem ser considerados os seguintes aspectos:

– Característica de cada indivíduo;
– Intensidade da intervenção (idealmente 30h/semana, sendo 20h com um aplicador e 10h com os pais, ou pelo menos 100% com pais-aplicadores) e
– Multiplicação das horas de intervenção por um tutor capacitado que seja capaz de seguir protocolos de intervenção. Esse tutor é conhecido na comunidade autista por “AT”, sigla para acompanhante terapêutico.

Intensidade da intervenção depende da participação de todos os que convivem com a criança

Quando falamos na intensidade da intervenção, não se trata apenas de terapia individualizada no modelo 1:1 (um terapeuta ou aplicador para uma criança). Uma das prioridades de um tratamento eficaz para TEA deve ser a manutenção de novas habilidades e sua generalização para os demais ambientes de convívio do autista.

Neste caso, é essencial estender o que é aprendido neste ambiente mais individualizado para momentos sociais típicos da rotina, garantindo a generalização do repertório aprendido – os comportamentos que só acontecem na “mesinha” do consultório, acabam se tornando socialmente irrelevantes. Para que haja impacto em todas as esferas da rotina da criança, é fundamental a capacitação, o treinamento e as orientações frequentes e contínuas para todas as pessoas que convivem com ela nos diversos contextos: pais, cuidadores, familiares, professores, terapeutas, etc.

Por isso, a capacitação de pais tornou-se uma alternativa para garantir a estimulação das crianças com TEA nos demais ambientes e maximizar as horas de intervenção.

Um estudo buscou ensinar os pais a conduzirem o treino de Comunicação Funcional. A ideia era que pudessem se preparar para substituir comportamentos disruptivos usando o reforço diferencial de habilidades de comunicação mais produtivas do ponto de vista social. A pesquisa demonstrou não só uma redução significativa nos comportamentos disruptivos dos autistas, mas também dos sintomas de depressão e ansiedade dos cuidadores. Os autores apontaram, no entanto, que são necessários mais estudos para identificar se a melhora dos cuidadores é resultado da melhora dos comportamentos disruptivos dos autistas ou de outros fatores, como o suporte oferecido pelo grupo.

Comunicação é o foco da capacitação dos pais para contribuírem na generalização dos ganhos

O ensino da comunicação tem sido o principal objetivo na capacitação de pais de autistas. Afinal, a aquisição de uma comunicação funcional tem ligação direta com o controle de comportamentos inadequados que podem ter função de comunicação. É importante lembrar que alguns autistas falam, mas não se comunicam, enquanto outros se comunicam, apesar de não falarem.

Os pais podem ser treinados pela equipe transdisciplinar que planeja e supervisiona a intervenção da criança para que possam, eles próprios, aplicar procedimentos de ensino de novas habilidades e controle de comportamentos disruptivos em diferentes contextos do ambiente natural da criança.

É isto que vai ajudar a garantir a generalização das habilidades treinadas na terapia ABA individualizada no ambiente terapêutico para outros contextos, outros estímulos e com outras pessoas.

Joana Portolese

Joana Portolese

Neuropsicóloga Coordenadora do Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).

Ricardo Vêncio

Ricardo Vêncio

Pai de crianças dentro e fora do espectro, professor livre-docente no Departamento de Computação e Matemática FFCLRP-USP.

1 Comentário

  1. O ABA é muito caro e baseado sobre teorias de aprendizagem antigas de Skinner. Não é mais cientifico do que outros tratamentos.

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *