A importância do diagnóstico para uma mãe autista

22/04/2021Histórias0 Comentários

Priscila Peres fala sobre desafios da maternidade antes e depois de descobrir seu autismo

Sou autista e acompanho muitas mães de autistas. Sei que não é fácil lidar com uma criança autista, da mesma forma que, para nós, lidarmos com os neurotípicos também não é.

Mas um assunto pouco abordado é a rotina da mãe autista. Tenho dois filhos. Meu primogênito Kauê, de 21 anos, e meu caçula, Salomão, de 3.

Quando concebi Kauê, aos 17 anos, já tinha diagnóstico fechado de Transtorno Bipolar desde os 13. Também já havia sido diagnosticada com depressão, Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), síndrome do pânico e mais alguns outros transtornos no decorrer dos anos.

Sofria crises horrorosas e enfrentava muita dificuldade de lidar com ele, com a maternidade e com o casamento. Em resumo, vivia dopada de remédios e sempre precisava da ajuda da minha mãe e irmãs para lidar com tudo.

Priscila deu à luz o caçula Salomão aos 35 anos, quando já tinha o diagnóstico fechado

Quando Salomão chegou, aos meus 35 anos, eu tinha já aprendido a lidar com muita coisa a duras penas, por meio de muito sofrimento, já com certa maturidade, e, enfim meu diagnóstico real: síndrome de Asperger, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG).

Mas, novamente, precisei me reconfigurar e reaprender a lidar comigo. A maternidade já não é fácil para uma mãe neurotípica. Mas, para uma mãe autista, ela é 30 vezes aumentada.

Sons, cheiros, toques, nervosismo, ansiedade, crises, e por aí estende -se uma gama vasta de sentimentos.

Diagnóstico correto facilita receber apoio, informações, muito amor e compreensão

A chegada do meu filho mais novo me ajudou muito a me compreender e compreender meu transtorno, bem como a lidar com as comorbidades. Precisei buscar ajuda médica e psicológica para reaprender a ser mãe.

Foi bem diferente do Kauê, pois na época eu nem sabia o que tinha e por que acontecia tudo aquilo comigo. O meu primogênito cresceu com muitos traumas por tudo que via acontecer. Oro a Deus para ele superar, porque eu sei que não é fácil ver a mãe passando por internações psiquiátricas, ataques, crises, depressões, dopada de medicamentos etc.

Hoje, com o caçula, tem sido diferente. Hoje eu tenho um diagnóstico digno que me permite receber apoio, informações, muito amor e compreensão. Hoje posso dizer que crio meus bebês com a alma leve sendo quem eu realmente sou.

Agora, nenhum de nós carregará traumas, porque sabemos que a mamãe só vibra em uma conexão diferente, e que trata as comorbidades que ela realmente tem.

A partir do diagnóstico e de tratamentos adequados, os conflitos da maternidade ganharam outros sentidos

Foram 35 anos passando pelos mais diversos diagnósticos, medicamentos, síndromes, internações, e tudo o mais que vocês possam imaginar.

Eu não conseguia entender as pessoas e elas tampouco conseguiam me compreender. Fui várias vezes ao chão, perdi pessoas, xinguei o mundo, chorei, tentei o suicídio algumas vezes, me perdi no mundo, na vida, até que encontrei meu caminho.

Tive meu segundo filho para entender o primeiro. Resgatei minha vida para entender minha história, minha dignidade, minha sanidade. Tive, então, um diagnóstico real e decente para que eu pudesse me tratar e a vida começou a fazer sentido. No presente, eu pude entender o passado e, enfim, me libertar das dores e das cicatrizes de uma vida toda.

O mundo inteiro ainda tem muito para evoluir até compreender o autista. Ainda sofremos muito com o capacitismo e a falta de informação das pessoas, mas acredito num futuro próximo que a inclusão realmente comece a fazer sentido para as pessoas.

Priscilla Peres

Priscilla Peres

Mãe, preparadora física, ex-atleta fisiculturista e bacharel em Biomedicina. Autista, com TDAH e TAG. No ativismo pelo autismo no perfil @mundo.asperger

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