Como o autismo se manifesta aos 18 meses

24/05/2021Diagnóstico0 Comentários

Pesquisadora norte-americana reforça a importância da popularização dos sinais precoces do autismo

O primeiro personagem autista em um filme de grande bilheteria na história do cinema foi Rain Man. O filme, de 1988, ganhou três Oscars e até hoje o estereótipo do personagem Raymond Babbitt ainda é referência para o público em geral de como é um autista. No entanto, especialistas e a comunidade reforçam: o autismo se manifesta de forma singular em cada pessoa, por isso o transtorno é classificado como um espectro.

Rain Man é inspirado no norte-americano Kim Peek, um autista com Síndrome de Savant, que associa uma extrema habilidade matemática e de memorização a profundas dificuldades na resolução de pequenas tarefas do dia a dia, como se vestir.

As séries The Good Doctor e Atypical, de 2017, nos apresentam outros dois protagonistas autistas, o médico Shaun Murphy e o adolescente Sam Gardner, que contribuem para ampliar a visibilidade do transtorno.

Ainda faltam representações infantis capazes de conscientizar a população, afirma Amy Wetherby

No entanto, ainda faltam representações que ajudem as pessoas a compreender como é uma criança autista. Como um bebê autista se comporta? Como é possível saber se há possibilidade de um bebê ser autista? Esse é o alerta da professora e pesquisadora norte-americana Amy Wetherby em sua palestra para TEDxTalks FSU (Florida State University, a universidade estadual da Flórida), realizada em 2019.

“O problema é que se trata de personagens extremos, todos eles, desde Rain Man até The Good Doctor. Eles não ajudam o público a realmente compreender o que é o autismo ou aos pais a saberem como os sinais precoces do transtorno se manifestam.”

Wetherby faz um alerta sobre a importância de se popularizar o conhecimento a respeito dos sinais do autismo. “Quando mais pessoas souberem, mais será possível intervir de forma precoce no desenvolvimento da criança”.

Compartilhar informações sobre autismo é essencial para estimular a busca pelo diagnóstico precoce

Os dados mais recentes indicam que uma a cada 54 pessoas está no espectro autista. Wetherby nos propõe pensar que, se alguém tem 54 amigos, ao menos um deles tem um membro autista da família. No caso de mil amigos, o número sobe para 18. Cada uma delas são pessoas que podem ser impactadas com a popularização dos sinais precoces do autismo. “É realmente importante você compartilhar informações com seus amigos sobre autismo”, orienta a professora.

A pesquisadora afirma também que não parece alarmar a sociedade que, apesar do autismo ser identificável antes dos 2 anos, a média de idade de diagnóstico está entre 4 e 5 anos.

“Vamos pensar sobre outra condição médica. Se leucemia infantil fosse diagnosticada com 4 ou 5 anos e nós conseguíssemos fazer o diagnóstico com 1 ano e meio você ia considerar alarmante. Por que não é alarmante nós não detectarmos autismo precocemente?”, provoca Wetherby. Ela aponta que, há mais de uma década, a Academia Americana de Pediatria. recomendou que todas as crianças passassem por análises para detecção de autismo entre os 18 e aos 24 meses.

Como não há exames capazes de indicar o transtorno, a atenção aos sinais precoces é fundamental

Uma das maiores dificuldades de diagnosticar o autismo vem da ausência de exames clínicos capazes de detectá-lo. A suspeita depende primordialmente da observação dos pais, cuidadores e pessoas do círculo de convivência e o diagnóstico, da observação de especialistas.

Wetherby participou de uma pesquisa na Universidade Estadual da Flórida que se propôs a desenvolver ferramentas capazes de aprimorar a detecção precoce do transtorno. Duas ferramentas de triagem foram desenvolvidas. Uma delas baseada em relatos dos pais e outra, em observações do comportamento infantil.

Mais de 30 mil crianças foram analisadas a partir dos relatos dos pais. Dessas, 8 mil foram avaliadas pela equipe de pesquisadores. Vídeos que registraram seus comportamentos foram analisados. A partir desse trabalho, foi possível identificar sinais de alerta e criar modelos de interação social precoce que os pais pudessem aplicar dentro de casa.

O estudo criou uma ferramenta chamada Autism Navigator, disponível em inglês e espanhol, com cursos e coleções de vídeos e imagens para preparar pais e profissionais a perceber estes sinais precoces.

Detectar o autismo antes dos 2 anos pode evitar que a criança tenha déficits de linguagem, social e cognitivo

“Os sinais precoces de autismo podem ter um efeito cascata no desenvolvimento cerebral”, alerta Wetherby. Os sinais se manifestam ao longo dos primeiros dois anos de vida e, se não forem detectados precocemente, podem gerar déficits de linguagem, social e cognitivo significativos, além de comportamentos desafiadores.

“Nossa solução é ensinar a todos os sinais precoces usando uma coleção inigualável de vídeos e fotos que nós coletamos em nossa pesquisa, com a permissão dos pais”, diz Wetherby.

Um dos materiais desenvolvidos é o manual que indica 16 sinais precoces de autismo aos 16 meses, disponível gratuitamente em inglês ou espanhol. “Foi criado para pais, especialmente, mas para todos aprenderem a detectar esses sinais”, diz a professora.

Um dos sinais de autismo em bebês é não costumar olhar para os pais ou não dividir expressões de alegria

Entre as características listadas no manual está a facilidade de fazer seu bebê olhar para os pais. “Bebês são motivados a estar perto de você, a olhar pro seu rosto encarar seu olhar. Se é difícil fazer seu bebê olhar pra você, esse pode ser um sinal precoce de autismo.”

Outro ponto é que os bebês costumam compartilhar alegria e olhar para os pais ao sorrirem. “Algumas crianças autistas sorriem para mostrar que estão felizes, mas não compartilham essa alegria. Outras mostram pouca expressão facial e raramente sorriem, então você pode não saber quando elas estão felizes. Se seu filho raramente compartilha alegria com você, especialmente quando você está disponível para interagir, este pode ser um sinal precoce de autismo”, descreve a pesquisadora.

Treinamento de pais supre lacuna no ainda escasso tratamento oferecido pelo sistema de saúde

Além de criar pequenos manuais com linguagem simples e imagens que indicam os sinais do transtorno, a pesquisa mostrou ainda que crianças autistas precisam de 25 horas por semana de intervenção de boa qualidade para alcançar seu potencial. “Elas precisam estar engajadas em atividades significativas (…) Nós pensamos que parte da solução é construir consensos com as famílias sobre seu papel na intervenção precoce”, diz Wetherby.

O desafio, afirma Wetherby, é que na maior parte dos estados americanos, o suporte oferecido de intervenções ainda em 2019 era de uma hora semanal, o que não é suficiente. Por isso o treinamento de pais é tão importante.

Confira os 16 sinais elencados na cartilha desenvolvida pela equipe de Amy Wetherby

A cartilha desenvolvida pela pesquisadora está disponível em inglês e espanhol. Registramos aqui os 16 pontos elencados que uma criança autista costuma demonstrar aos 16 meses:

1- Raramente estabelece contato visual;
2- Mostra pouca expressão facial ou raramente sorri. Ou sorri, mas não compartilha a alegria;
3- Raramente compartilha um interesse;
4- Raramente responde ao chamado do próprio nome ou quando algo é apontado, não olha para o objeto, mas para a mão de quem aponta;
5- Gestos limitados: não costuma apontar e mostra pouco os objetos;
6- Não costuma usar sons e gestos ao mesmo tempo para se comunicar;
7- Imita pouco as pessoas, usa poucos objetos e não brinca com coisas “de mentirinha” como fingir que cozinha, ou dirige um carro;
8- Demora a bater palmas, acenar, apontar, se comunica de maneira incomum e move ou empurra a mão ou partes do corpo dos outros como se fosse uma ferramenta;
9- Costuma demonstrar mais interesse em objetos do que em pessoas;
10- Enrijecimento ou dilatação incomum dos dedos e da postura do corpo;
11- Repetição de movimentos incomuns com objetos, como balançar, girar, bater ou rolar ou enfileirar os objetos;
12 – Não costuma fluir com as mudanças. Desenvolve rituais e não quer completar uma série de comportamentos em uma ordem diferente. Também pode ficar muito triste com mudanças inesperadas;
13- Interesse excessivo em objetos ou atividades particulares. O foco é tão intenso que desenvolvem habilidades avançadas para a idade;
14- Foco ou apego excessivo a determinados objetos incomuns, como tiras de pano ou correntes, pedras, gravetos, água corrente ou objetos que possa desmontar, por exemplo;
15- Reações incomuns e hipersensibilidade a sons, luzes ou texturas;
16- Interesse excessivo em experiências sensoriais incomuns, como esfregar algumas texturas, lamber coisas ou olhar objetos próximos pelo canto do olho

Wetherby indica que cada um desses sinais, isoladamente, não indica um possível quadro de autismo. “Mas, combinados, podem sinalizar uma necessidade de avaliação diagnóstica”, diz a professora. Caso você suspeite que seu filho ou um bebê do seu círculo de convivência possa ser autista, procure atendimento médico. Aqui no site, temos uma lista de centros de referência em todo o Brasil.

Escrito por Clarisse Sá, Barracuda Conteúdo

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