Chris Varney: Como minha mãe provou que os especialistas estavam errados

26/06/2021TEA no Dia a Dia0 Comentários

Após o diagnóstico do filho, Lisa se dedicou a criar uma rede de apoio para reforçar que ele seria capaz de fazer o que quisesse

Uma rede de afeto e encorajamento capaz de dizer “você pode” cada vez que, por acaso, surgisse qualquer dúvida em torno de sua capacidade. Foi o que buscou criar a mãe de um menino autista recém-diagnosticado, ainda no final da década de 1990. A história é contada pelo próprio garoto, o palestrante Chris Varney em seu discurso no TEDxMelbourne, na Austrália.

Chris parte do encontro que teve, quatro anos antes da palestra, com uma garota autista chamada Sarah. Ele conta que uma fala dela lhe fez pensar. Sarah afirmou que, por ser autista leve, haveria coisas que ela não poderia fazer. A frase o lembrou de sua própria trajetória, contada por sua mãe, Lisa.

“Imagine se, simplesmente porque seu filho não sabe como socializar com outras crianças, o mundo aparta essa criança como ‘uma estranha’. As pessoas começam a cochichar sobre você enquanto mãe. Você é considerada uma mãe ruim. As pessoas começam a te excluir dos encontros de crianças porque seu filho dá trabalho demais. As pessoas levantam as sobrancelhas porque você levou seu filho ao psiquiatra infantil já que ele estava há sete meses parado em frente ao aquário e os especialistas olham fixamente para a maneira esquisita como a criança se movimenta. Essa era a vida de Lisa”, descreve Chris.

Especialistas disseram a Lisa que Chris poderia ser funcional, mas haveria coisas que ele não poderia fazer

Quando ele foi diagnosticado, o prognóstico que especialistas passaram à mãe foi duro. Chris conta que eles disseram a Lisa que tudo o que ela considerava fascinante sobre seu filho era, na verdade, um problema. Afirmaram que a criança tinha autismo de alta funcionalidade, e isso queria dizer que o garoto poderia ser autônomo, mas que haveria coisas que ele não conseguiria fazer.

“Sua criança será cancelada, socialmente inepta, obsessiva e ansiosa. É altamente provável que sua criança fique pior, então recomendamos que você envolva esse trabalho na sua vida de forma constante.” Foi o que, segundo Chris, ela ouviu.

A resposta de Lisa se deu com o que Chris classifica como uma mágica silenciosa. Ela se empenhou em criar uma rede de familiares e amigos voltados a ajudar o filho, dizendo que sim, ele seria capaz de encarar quaisquer desafios, ainda que parecessem intransponíveis. “Isso sempre me ajudou a trabalhar nos meus talentos e me ajudou a controlar minhas dificuldades”, diz Chris.

Além do ambiente escolar, estímulos domésticos também reforçavam a confiança de Chris

Chris conta que sua mãe avisou aos professores, tanto do ensino primário, quanto do secundário, que o filho era autista, e orientou os profissionais sobre o tipo de ambiente de aprendizado que poderia ser mais estimulante para ele. Em casa, o reforço de confiança era constante. “Comigo, todo filme que ela me fez assistir, todo livro que ela me fez ler, tinha esse reforço do ‘eu posso’. Minha infância foi cheia de histórias de crianças que superaram adversidades.”

Os desafios para Lisa não foram poucos. Ela teve de lidar, por exemplo, com uma peculiar pintura a dedo do filho que, por algum motivo, pensou que seria interessante usar as próprias fezes no lugar da tinta.

Chris também tinha frequentes acessos de raiva. “Ela nunca permitiu que eu me excluísse. Eu nunca queria ser sociável quando criança, e ela se recusou a me deixar usar o autismo como justificativa. Eu devolvia em acessos de raiva, e não eram apenas acessos de raiva de crianças típicas. Eles afetavam a casa inteira. Uma das vezes foi tão terrível que, para evitar me jogar da janela, ela pegou minha mochila da escola e arremessou por cima da cama e até bater contra a parede. Fiquei quieto depois dessa.”

Quando os pais já se sentiam exaustos, era a vez de acionar os avós para lidar com a criança

Quando os pais se sentiam exaustos, a saída era mandar o menino para a casa dos avós. Ali, Chris conta que mais uma vez, se sentia estimulado.

“Meus avós tinham esse impacto maravilhoso sobre mim”, relembra. A avó pesquisava exercícios que pudessem ajudá-lo a controlar a ansiedade – que ele faz até hoje. Como Chris poderia ter um ataque de pânico só em pensar em praticar esportes coletivos, o avô estimulava o neto a praticar esportes sozinho e incentivava suas habilidades motoras. “Ainda que ele estivesse permanentemente em uma cadeira de rodas, ele usava sua mente e seu humor para me fazer capaz de me sentir confiante em mim mesmo.”

Na escola, Chris conta que destoava. Enquanto o irmão lia Aladim, ele lia enciclopédias. Chris chegou a mapear todas as famílias reais da Europa entre os séculos XIV e XIX, e organizou a pesquisa visualmente em uma tabela, segundo ele, incrível. Um dia, levou como lição de casa para a professora, que respondeu: “A nossa lição é sobre o inverno, querido. Você gostaria de desenhar como é o inverno?”.

Amigos da escola e da faculdade deram contribuições essenciais ao desenvolvimento de Chris

Apesar do fracasso em encampar o que ele encarava como seu PhD particular em famílias reais europeias, a escola trouxe boas experiências. “Fui muito sortudo na escola por ter a vantagem de fazer alguns amigos muito leais”, diz Chris. No ensino primário, sua amiga Erin o ajudava a ter foco. No secundário, Tim reforçava algumas dicas sociais que passavam despercebidas, para que ele ficasse menos suscetível a virar alvo de bullying. “Infelizmente, na Austrália, 80% dos estudantes com autismo leve são vítimas de bullying no ensino secundário”, lamenta.

Na universidade, foi sua amiga Alana quem o ajudou a encarar os estudos, buscar um serviço voluntário e descobrir um novo foco: a atuação em defesa das crianças.

Ao citar o novo foco, Chris lembra de uma professora que conheceu aos 13 anos e que percebeu que ele não só pensava e se movimentava de forma diferente, mas tinha jeito com palavras, boa memória e criatividade. “O que ela fez foi criar plataformas para que eu pudesse contar histórias. E eu passei da criança que ninguém sabia direito como lidar a um respeitado contador de histórias do pátio da escola. Venho seguindo este caminho desde então.”

Homens são de Marte, mulheres são de vênus e autistas são de Plutão, brinca Chris

Para ilustrar a forma como autistas se diferenciam das pessoas típicas (aquelas sem qualquer diagnóstico de distúrbio neurológico), Chris brinca dizendo que “homens são de Marte, mulheres são de vênus e pessoas autistas são de Plutão”.

Ele mostra uma foto em que aparece indo para a escola ao lado dos irmãos. Só ele aparece com a camiseta do uniforme para dentro do short, as meias esticadas até o joelho e o cabelo tão perfeitamente penteado e com tamanha quantidade de gel que nenhum fio ousaria se mover. “Um de Marte [o irmão], uma de Vênus [a irmã] e aquele menino [ele mesmo] é de Plutão. Eu olho agora e penso que eu estava apenas à frente do meu tempo. Acordei como um hipster de 8 anos.”

Ironias à parte, Chris usa a referência a Plutão para deixar claro que cada autista precisa ser compreendido e valorizado a partir de seus próprios parâmetros. “Plutão no nosso sistema solar tem essa órbita única, ele se move de forma diferente. É o mesmo para crianças no espectro. Nossa órbita, ou nossa mente, se move de forma diferente. Isso não significa que há coisas que não possamos fazer. Nós podemos fazer a maioria das coisas, nós podemos até fazer um pouco mais. Nossa mente pode iluminar alguns assuntos”, reflete.

Ainda há crianças vivendo em ambientes onde olham para sua órbita diferente e apontam isso como falha

Ainda que a órbita autista, como diz Chris, tenha seu próprio ritmo, ela pode fazer parte do sistema e deve ser respeitada. “Nossa mente, nossa órbita, pode às vezes levar um pouco mais para se adaptar na área de habilidades sociais. Mas se adapta. Eu posso dizer o quão confusa minha mente literal ficava quando me deparava com sarcasmo quando era criança. Vamos dizer que levava um longo caminho para que eu entendesse uma piada”, conta.

Neste ponto, ele lembra de Sarah, a menina que disse que ter autismo leve significa ter coisas que não se pode fazer. “Percebi que ela está em um ambiente onde as pessoas olham para a órbita diferente dela e apontam isso como uma falha. Mas eu vim de um ambiente onde minha brava mãe removeu meu distúrbio, criando um ambiente livre desse estigma que poderia me inibir.”

A criação desse ambiente de encorajamento e amparo para autistas e seus pais e mães, no caso de Lisa, passou por enfrentar a forma de olhar dos próprios especialistas à época. “Quando penso nessa rede que minha mãe começou, sei o que ela viu quando os especialistas a desanimaram. Quando eles disseram que eu não poderia fazer coisas, ela apenas escolheu dizer ‘mas ele pode’. Quando eles disseram que eu ia enfrentar muitas dificuldades, ela escolheu pensar nas minhas forças. Quando eles disseram que isso seria difícil, ela escolheu dizer que isso também poderia ser bonito.”

Todos podemos fazer parte da rede do “eu posso” de uma criança autista

Vinte anos após seu diagnóstico, diz Chris, médicos já não enxergam o transtorno da mesma forma, e as inovações em saúde percorreram um longo caminho. No entanto, ele afirma que ainda vê o estigma desanimando as crianças autistas o tempo todo. “Isso vai exigir que todos nós façamos algo sobre isso. Porque nós todos vamos trabalhar com pessoas no espectro (…) e crianças podem trazer um valor extraordinário para sua vida”. Atualmente, 1 em cada 54 crianças são diagnosticadas com autismo nos Estados Unidos.

Chris reforça que todos temos um papel de ser parte da rede do “eu posso” de uma criança. “Se você é uma criança ou jovem no espectro, escute: nunca deixe um rótulo limitar do que você é capaz. Use o espectro para criar seu próprio rótulo. Se você é um pai ou avô, saiba que sua criança é especial. Eles estão apenas levando uma vida focada. Seja confiante com a mágica silenciosa que você pode criar revelando seus talentos, ou criar uma criança que é um amigo legal de uma dessas crianças. Se você é um professor, crie plataformas que tornem essas crianças socialmente visíveis e respeitadas no pátio da escola. E eu prometo a vocês, quando você encontrar seu papel na rede do ‘eu posso’ de uma criança, não há nada como perceber suas crianças transformarem suas órbitas de um lugar de frustração, falha e vergonha em um lugar de confiança.”

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