Os impactos da pandemia do coronavírus na vida dos autistas
Estudo detalha experiências de pais de crianças autistas durante as mudanças provocadas pela covid-19
No início de 2020, começou a pandemia do novo coronavírus. Como medida de controle da proliferação da doença, foi pedido que a sociedade ficasse em casa e não transitasse em locais públicos. Como consequência, instalou-se o home office para muitos trabalhadores e as aulas online para os estudantes. Ou seja, houve alteração da rotina de toda a população.
Como essa mudança toda afetou as pessoas com autismo?
Em um artigo intitulado “Principais experiências de pais de crianças com autismo durante o bloqueio pandêmico COVID-19” (em tradução livre), publicado na edição de maio de 2021 do jornal científico Sage, encontramos um pouco sobre essa discussão. A versão na íntegra pode ser consultada neste link.
Com o confinamento domiciliar e o fechamento de sistemas de educação, o objetivo da pesquisa foi aprender sobre as experiências básicas de pais de crianças com autismo durante essa mudança significativa da vida.
Mães e pais tiveram que assumir os papéis de cuidadores em tempo integral e de educadores
Durante os períodos de isolamento social, ocorreu o desligamento presencial de todas as redes de ensino. A medida significou a perda de uma rede de apoio composta, por exemplo, por professores, assistentes sociais e profissionais de saúde.
Sem ferramentas suficientes e sem a opção de recrutar ajuda familiar, os pais tiveram que assumir o papel de cuidadores em tempo integral, além de educadores. Tudo isso acontecia enquanto os pais ainda tentavam gerenciar seus próprios empregos em casa, lidando com potenciais ameaças à saúde e, para alguns, crescentes pressões financeiras.
A maior parte da literatura até hoje sobre pais de crianças autistas que lidam com crises está relacionada à crise de aprendizagem que ocorre logo após o diagnóstico da criança autista.
Entre os estudos disponíveis, há análises sobre terremotos, crianças refugiadas e eventos traumáticos
A escassa literatura existente discute o impacto que desastres (como um terremoto) têm sobre crianças autistas. O artigo de 2012 sugere, por exemplo, a necessidade de melhoria das habilidades adaptativas após uma intervenção pós-desastre. Outro material, de 2019, avalia a viabilidade de uma intervenção única de pais e professores para crianças autistas de famílias refugiadas.
Há, também, um artigo de 2015, que explora como eventos traumáticos afetam crianças autistas e propõem que elas correm um risco maior de sofrer de psicopatologia relacionada ao trauma.
Pesquisas indicam que autistas são especialmente vulneráveis às condições de isolamento prolongado
Além disso, atualmente há a preocupação em estudar e redigir artigos que discutam as possíveis consequências que a pandemia de covid-19 pode ter em indivíduos com autismo e em seus pais.
Estudos indicam que autistas são especialmente vulneráveis às condições de isolamento prolongado devido à dificuldade de avaliar a situação, adaptar-se a novas rotinas e receber tratamento médico para suas comorbidades.
Isso, por sua vez, pode afetar negativamente seu progresso. Um estudo baseado em uma pesquisa online (disponível na íntegra em inglês aqui), realizada em 2020, descreveu que autistas experimentaram dificuldades em gerenciar suas atividades diárias e que houve uma intensificação de problemas comportamentais durante este período.
Vários outros relatórios destacaram a necessidade de apoiar essa população por meio de programas específicos para atender as suas necessidades. Finalmente, um editorial importante de 2020 lançou luz sobre as desigualdades que os indivíduos com autismo estão propensos a experimentar durante esses tempos: exclusão de cuidados adequados, exposição à violência doméstica, efeitos nocivos à saúde mental e desemprego e pobreza na população autista adulta.
Sentimento de desamparo e medo de regressão no desenvolvimentos dos filhos foram relatados pelos pais
Para compor a pesquisa “Principais experiências de pais de crianças com autismo durante o bloqueio pandêmico COVID-19”, 31 pais de 25 crianças com autismo participaram de entrevistas telefônicas semiestruturadas, que foram transcritas na íntegra e, em seguida, passadas por uma análise qualitativa.
O objetivo era identificar as experiências, preocupações, desafios, estratégias de enfrentamento e necessidades percebidas pelos pais durante o isolamento social.
Os principais temas que surgiram relacionam-se com as várias preocupações parentais: as principais dificuldades encontradas durante este tempo único, implicações sociais e comportamentais que o isolamento teve sobre essas crianças e a maneira como os pais lidaram com isso como uma indicação de sua desenvoltura e perspectiva.
Entre as situações citadas pelos pais como muito problemáticas enfrentadas nesse novo panorama, estava o sentimento de desamparo. O temor de regressão era também acompanhado de uma tristeza pela suspensão do atendimento geral por professores nas escolas. Todos os pais indicaram também que não tinham o conhecimento ou os meios para suprir as necessidades de desenvolvimento de seus filhos. Ademais, houve uma ligação feita pelos pais participantes deste estudo entre a ausência de terapia da fala e o aumento de comportamentos repetitivos em seus filhos.
Alterações na alimentação e falta de espaço para gastar energia afetaram a rotina das famílias
Um dos desafios mais citados pelos pais, considerando a questão de ambiente físico, foi a falta de meios e de espaço para as crianças despenderem energia, levando a vários níveis de agitação psicomotora. Vários pais descreveram essa necessidade: “Ele é uma criança muito ativa que enlouquece, estraga e quebra coisas se não tiver onde gastar energia. Ele precisa ter espaço, correr e respirar”.
Outros pais expressaram o agravamento de comportamentos incomuns relacionados à alimentação em seus filhos durante esse período. Isso pode ser seletividade e/ou restrição alimentar, compulsão alimentar e padrões alimentares peculiares, como abrir a geladeira o dia todo.
Um tema recorrente descreve o cansaço da rotina diária monótona. Descrições de tédio e falta de habilidade para se entreter eram comuns. Alguns pais tentaram recriar um sentimento de mesmice para seus filhos: “Fazemos tudo o que podemos para que pareça um dia normal. Café da manhã, estudar um pouco, almoçar e continuar mantendo uma estrutura normal ”. Alguns pais tentaram usar o tempo da forma mais eficiente possível.
Passar mais tempo com os filhos também foi uma oportunidade de aprender mais sobre eles
Nesse período, houve relatos de desespero provocado pela possibilidade de perda de habilidades e a preocupação com o tempo que levará para serem recuperadas. Em contraste, houve um grupo de crianças que conseguiu expandir e/ou desenvolver seu conjunto de habilidades. A abundância de tempo livre permitia tentativas repetitivas que fortaleceram as habilidades.
Houve exemplos ainda relacionados ao tempo de convívio entre pais e filhos, fortalecendo a união e a percepção sobre as habilidades da criança. “Descobri que meu filho aprende muito melhor de cor. Descobri que ele responde e aprende muito melhor quando falado com ele. Ele apenas recebe coisas. Isso me surpreendeu”, relatou um dos pais.
Passar um tempo de qualidade com a criança tornou-se uma oportunidade para aprender coisas novas sobre ela. Visto que “aprender a aprender” é a etapa principal do processo de aprendizagem.
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