Comportamento autolesivo e agressividade na vida do autista
Estudos apontam possíveis causas e o indicadores de que uma pessoa poderá desenvolver comportamentos autoagressivos
A pandemia de covid-19 provocou impactos profundos na vida dos autistas, especialmente pela imposição do isolamento social.
Estudos indicam que autistas são especialmente vulneráveis às condições de isolamento prolongado devido à dificuldade de avaliar a situação, adaptar-se a novas rotinas e à necessidade de receber tratamento médico para suas comorbidades.
Uma dessas pesquisas, publicada ainda em 2020, descreveu que autistas experimentaram dificuldades em gerenciar suas atividades diárias e que houve uma intensificação de problemas comportamentais durante este período.
Estudo de Bangladesh avaliou impacto da pandemia em autistas de baixa renda
Este ano, um estudo analisou a mudança de comportamento das crianças autistas em Bangladesh durante a pandemia. A pesquisa leva o título “Um estudo mCARE sobre padrões de risco e resiliência para crianças com TEA em Bangladesh”, na tradução livre para o português. A pesquisa se apresenta como a primeira a examinar o efeito da pandemia de covid-19 no comportamento de autistas em países de baixa renda.
O estudo contou com uma ferramenta de telemedicina chamada de mCARE, que permite monitoramento contínuo dos principais parâmetros vitais e identifica possíveis alterações. Foram monitorados os comportamentos de 150 crianças autistas, ao longo de um ano – de novembro de 2019 a novembro de 2020. A maioria dos participantes desse estudo era do sexo masculino, quase 80%, seguindo a proporção atual de 1 menina para cada 4 meninos calculada pelo CDC.
Pesquisa indicou comportamento autolesivo diminuiu e problemas com sono aumentaram no isolamento
Comportamento autolesivo e inflexibilidade a mudanças estavam presentes no cotidiano de crianças autistas durante o período de isolamento e diminuíram ao longo do tempo.
Entretanto, houve quatro parâmetros comportamentais que evoluíram de forma negativa em crianças com TEA durante esse período: o comportamento agressivo aumentou no período, da mesma forma que a falta de concentração, a sensibilidade à dor e os problemas com o sono.
Insensibilidade à dor e reações aos alimentos podem estar relacionados a comportamentos autolesivos
Em 2021 foi publicado um outro artigo com título traduzido como “Comparação de indivíduos autistas que se envolvem em comportamento autoagressor, agressão e ambos os comportamentos”.
O objetivo do estudo foi identificar sintomas, comportamentos e comorbidades que podem fornecer informações sobre a compreensão e o tratamento desses comportamentos. A pesquisa, online em grande escala, com 2.327 participantes, coletou dados sobre sintomas, comportamentos e comorbidades relacionadas e comumente relatadas em autistas.
Os resultados deste estudo fornecem evidências para apoiar pelo menos duas causas desses comportamentos: insensibilidade à dor e reações aos alimentos. Cerca de 67% dos autistas relataram não ter sensações de dor.
Em casos graves, comportamento autolesivo pode causar fraturas ósseas
A autolesão costuma causar algum tipo de dano, como vermelhidão, hematomas, lacerações e, em casos graves, fraturas ósseas. Os danos aparecem como resultado de bater nas orelhas, morder as mãos, puxar os cabelos, bater a cabeça, se esfregar e se coçar excessivamente.
Comportamentos agressivos também podem causar ferimentos em outras pessoas e geralmente envolvem bater, morder e puxar os cabelos. Em geral, as pesquisas mostram que pessoas que se envolvem em comportamento autolesivo têm déficits adaptativos(de comunicação ou socialização) ou deficiências intelectuais mais graves do que aqueles que exibem apenas agressividade.
Tanto o comportamento autolesivo quanto a agressão têm sido associados a comorbidades médicas, incluindo ansiedade, desconforto gastrointestinal, sensibilidades sensoriais e distúrbios do sono.
Cuidadores podem ser orientados a observar sinais de tendência de comportamentos autolesivos
Os indivíduos que exibiram tanto comportamento autolesivo quanto agressão se envolveram também em comportamento destrutivo. Eles também eram mais propensos a demonstrar frustração quando algumas coisas não estavam “certas”, como rachaduras na parede, manchas no tapete, livros encostados na estante e perna quebrada na cadeira.
Os pesquisadores relataram que comportamentos desafiadores no TEA não aparecem em uma idade padrão – podem começar em uma idade precoce ou mais tarde.
Algumas das características observadas nesta investigação podem ser preditores precoces de comportamentos desafiadores, como adotar comportamentos estereotipados e repetitivos (o balanço pendular, por exemplo), exibir comportamentos destrutivos, ter convulsões, ter pouca ou nenhuma linguagem receptiva, dar indicações de baixa inteligência, girar como um peão e ficar chateado quando certas coisas “não estão certas”.
Os cuidadores podem ser instruídos a procurar esses sinais a fim de reduzir ou eliminar os problemas de comportamento antes que eles se tornem graves e difíceis de contornar mais tarde na vida.
Bárbara Bertaglia
Médica formada pela Santa Casa de São Paulo, pesquisadora na área de Transtorno do Espectro Autista e membro da equipe Autismo e Realidade desde 2019
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