Evelyn Diniz: acomodação sensorial

26/12/2021TEA no Dia a Dia0 Comentários

Mãe e orientadora de famílias de autistas conta como compreender e lidar com disfunções sensoriais

Uma menina que vivia tapando os ouvidos com as mãos. Assim era a filha de Evelyn Diniz. A criança dormia e acordava tentando diminuir os estímulos sonoros aos quais era exposta.

O comportamento vinha associado a muitos outros, como balançar as mãos, andar na ponta dos pés, colocar a boca e lamber objetos e direcionar o olhar de forma lateral, por exemplo. O diagnóstico de autismo esclareceu a razão destes comportamentos: tratava-se de disfunção sensorial.

“Em algum grau, todos os autistas têm disfunção no processamento sensorial”, conta Evelyn em sua palestra no TEDxJardinsSalon, de 2015. É o que afeta, por exemplo, a relação de crianças autistas com a escovação de dentes ou com o corte de cabelo, dois processos com sons e texturas que podem ser perturbadores e exigir terapias específicas para que se encaixem de forma tranquila na rotina.

Autistas enfrentam dentro da própria casa repreensão pelos comportamentos que adotam na tentativa de auto-regulação

“Não deve ser fácil acordar com dedo no ouvido, não deve ser fácil não aguentar frequentar lugares publicos”, afirma Evelyn que trabalha como coach de famílias de autistas. Ela conta que jamais pediu para que a filha retirasse as mãos do ouvido, pois sempre percebeu que se tratava de uma proteção. No entanto, muitos autistas enfrentam, dentro da própria casa, resistência a comportamentos que os ajudam a manter o equilíbrio.

Um menino autista de 13 anos chegou a dizer a ela que a avó dele ficava nervosa quando ele começava a se balançar. “Ela diz ‘para de balançar, tenha calma, fique calmo’. E ele diz ‘não, mas eu estou fazendo isso pra me acalmar, não estou nervoso’. Ele está se autorregulando através daquele movimento.”

O cérebro é responsável por comandar as funções do nosso corpo e as respostas dele aos estímulos recebidos. “Se há uma recepção de informações desarmoniosa, a nossa resposta também será desorganizada e fora do padrão”, diz Evelyn.

Leitura de autobiografias de autistas contribuiu com o entendimento de Evelyn sobre suas reações às disfunções sensoriais

Boa parte do entendimento de Evelyn sobre Disfunções de Processamento Sensorial (DPS) veio dos relatos autobiográficos de autistas como Temple Grandin, a personalidade mais conhecida da comunidade. Temple revolucionou as técnicas de manejo de gado e criou uma “Máquina do Abraço” que pudesse justamente ajudá-la neste processo de auto-regulação.

Ao ler o que os autistas têm a dizer, fica clara a razão destes comportamentos. É o que faz por exemplo, o autor japonês Naoki HIgashida, um autista não verbal que responde a perguntas de pessoas típicas e fala sobre suas estereotipias no best-seller “O Que Me Faz Pular”.

“Eu discordo da questão de que o autista gosta de estar isolado no seu mundo. Eu acho que ele se isola porque ele não suporta. E aí vem a Temple Grandin, que fala assim: ‘crianças autistas reagem de forma incomum ao mundo estranho que as cerca, o mundo ao qual tentam desesperadamente impor alguma ordem’. Então é uma questão de ordem, uma questão de entrada desarmoniosa de informações”, explica Evelyn.

Ambiente escolar precisa de preparo para lidar com as disfunções sensoriais dos alunos autistas

Evelyn alerta que a preocupação sobre as acomodações sensoriais deve ocupar a mente de pais e também de professores. “O impacto da disfunção de processamento sensorial no aprendizado e no comportamento [é tamanho] nem preciso falar. Na escola, eles não ficam sentados, não ficam quietos. Muitas vezes é uma questão de acomodação sensorial apenas. É um peso”, desabafa.

“A gente precisa colocar na mente das pessoas, principalmente no âmbito escolar, que as crianças com autismo precisam de avaliação de perfil sensorial. Você só pode começar uma intervenção quando você conhece o perfil sensorial da pessoa”, afirma. Dependendo do perfil, por exemplo, o perfume de alguém pode afetar a atenção e o desempenho do aluno. Há relatos de autistas que sofrem com ânsia de vômito em reação a estímulos olfativos em sala de aula.

Acomodações sensoriais podem ser oferecidas dentro de casa, com músicas e massagens, por exemplo

A terapia de integração sensorial, detalha Evelyn, atua no amadurecimento e na modificação dos circuitos cerebrais, se aproveita de sua plasticidade. A palestrante conta que se encantou ao ler textos de Michael Merzenich, neurocientista norte-americano que é pioneiro nos estudos de plasticidade cerebral.

“O cérebro é plástico, a plasticidade acontece do berço ao túmulo. Não tem essa de janela. Ah, meu filho já passou dessa janela de falar, ele não vai mais falar. Meu filho já passou dessa parte de escrever, ele não vai mais escrever. (…) Sempre tem alguma coisa que vai impulsionar. A gente nunca pode desistir mesmo dessas pessoas.”

Trabalhar com as acomodações sensoriais dentro de casa e na escola ajudam muito no desenvolvimento dessa plasticidade, diz a palestrante. Ela costuma acordar a filha cedo, ao som de música clássica, depois ir aos poucos colocando uma música mais animada. Também costuma usar aromas no quarto, fazer massagem nos pés e nas mãos, ir conversando com a filha sobre o dia. “Pode acreditar que é muito mais útil do que você pegar seu filho 7 horas da manhã sem tomar café da manhã, colocando qualquer roupa e jogando ele dentro do carro pra dirigir duas horas pra uma terapia nos confins da terra.”

Seletividade alimentar está ligada a infinitos fatores e driblá-la exige resiliência e criatividade

Outros dois pontos abordados por Evelyn em sua fala foram a seletividade alimentar e o dilema das roupas, também associados às disfunções de processamento sensorial.

São múltiplas as questões que podem estar associadas à seletividade alimentar. “É um dilema na nossa vida e faz parte da disfunção do processamento sensorial”, conta Evelyn. Cor, textura, temperatura e apresentação do prato podem influenciar na aceitação ou não dos alimentos. A solução é ser criativo e tentar de diversas formas atrair a vontade.

“Uma vez vi uma autista dizendo que não come nada vermelho porque remete a sangue. Ela disse ‘eu sei que um tomate é um tomate, mas eu fiquei com um trauma porque um dia me machuquei, saiu muito sangue e hoje, sempre que tem um alimento vermelho, eu não consigo comer”, disse a palestrante.

Observar a criança e entender do que ela gosta e do que não gosta vai favorecer a busca por acomodações sensoriais

Sobre o dilema das roupas, a primeira dica é: retire as etiquetas. “É como se fosse uma gilete que está roçando no pescoço”, conta Evelyn. Também é importante perceber quais são os tecidos das roupas preferidas das crianças. Observar a forma de andar e escolher um sapato que não fique caindo do pé. “Tudo isso incomoda e vira uma pedra de tropeço pro comportamento em público, na escola.Se você conhece seu filho, seu aluno, seu paciente no consultório, você vai tentar adaptar.”

Evelyn também indica que não se busque um tratamento de forma isolada, mas sim, holística. Em sua visão não basta apenas recorrer à fonoaudióloga, à psicóloga ou a terapias específicas, mas proporcionar os estímulos de forma holística e de acordo com as características de cada pessoa.

“Pesquisem sobre enriquecimento ambiental, como música, aroma, texturas diferentes. Tapete sensorial, que pode ser feito tanto em casa como na escola. O parquinho é um ambiente rico. Pé na areia, pé no chão, pé na grama. Muito estímulo, muita natureza. Pense em tratamento holístico. A disfunção no processamento sensorial é parte. Nunca pense isolado: ‘o que vai resolver é a fono, o que vai resolver é a psicóloga (…) Não. Pense de forma holística e, principalmente, individualizada.”

Para enfrentar o desafio constante que é estimular a filha autista, as últimas dicas são: fé, esperança e amor. “O amor é o caminho e a resposta ao mesmo tempo, então que a gente consiga fazer tudo isso, vencer todos os desafios com muito amor”, conclui.

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