A experiência autista

25/01/2022Histórias0 Comentários

Jovem de 17 anos fala sobre a necessidade de compreensão das diferenças geradas pelo autismo

“Ter autismo é como carregar um rótulo. As pessoas me tratam de forma diferente”, afirma Sam Beldie, um jovem de 17 anos em sua palestra no TEDxYouth@Laval. Sam é um autista que só conseguiu começar a falar aos 4 anos, com a ajuda de terapia e o apoio da família.

Os estímulos para o desenvolvimento da criança autista devem ocorrer o mais cedo possível, daí a importância do diagnóstico precoce. Sam conta que, ainda bebê, não gostava de ser tocado, nem de barulhos altos – um sinal de hipersensibilidade auditiva, comum entre autistas.

O autismo é um distúrbio do neurodesenvolvimento e se manifesta de forma diferente em cada pessoa, por isso é considerado um espectro. Por isso, seu nome médico é Transtorno do Espectro Autista. Uma das inúmeras manifestações possíveis do autismo são as disfunções sensoriais, que incluem hiper (excesso) ou hiposensibilidade (falta) que pode atingir diferentes sentidos em diferentes intensidades.

No caso de Sam, a terapia e os estímulos domésticos o ajudaram a lidar com sua hipersensibilidade. “Eu consigo lidar com disfunções sensoriais, participo de uma banda de rock e consegui falar no TEDxLeval”, diz o garoto.

Não é possível saber se alguém é autista só pelo olhar, e isso provoca estranhamento

Sam diz em sua palestra que pode não parecer tão diferente quanto realmente é, algo recorrente entre autistas. Por se tratar de uma deficiência no neurodesenvolvimento, o autismo é uma deficiência invisível. Muitas vezes, a forma como o autista se comporta não é a esperada a partir do que se pode observar por sua postura e sua formação.

O autista não tem um fenótipo definido como as pessoas com Síndrome de Down, por exemplo, facilmente identificáveis pelo olhar, o que facilita a construção de algumas expectativas – como sobre sua forma de falar, por exemplo.

“Eu posso não parecer tão diferente. Eu vou pra escola, faço lição de casa, gosto de ouvir música, jogar videogame, gosto de praticar esportes e competir, gosto de sair com meus amigos e tenho sentimentos, assim como qualquer um. Posso me sentir feliz, triste, frustrado, bravo, confuso, cansado. Basicamente, sou um adolescente comum. Mas a vida não é sempre tão fácil pra mim e isso definitivamente não é algo comum”, desabafa o jovem.

O que não é comum é perceber o tratamento diferente das outras pessoas. “Às vezes eu consigo entender o motivo. Às vezes, não.” Sam tem dificuldades, por exemplo, de compreender se alguém está contando uma piada ou dizendo algo sério. Para ele também é difícil perceber se alguém está tirando sarro dele ou não, ou até mesmo compreender certas questões em uma prova ou um trabalho.

Entender mensagens implícitas é um grande desafio para a inserção social dos autistas

Ainda que o autismo seja vasto em sua manifestação, possui duas características básicas:

– Padrões restritos e repetitivos de comportamento – como estereotipias, movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais.

– Déficit na comunicação social ou interação social – como nas linguagens verbal ou não verbal e na reciprocidade socioemocional.

É sobre este segundo tópico a que Sam se refere. Para ele, assim como para boa parte dos autistas, entender códigos implícitos da linguagem humana é algo muito difícil. “Eu também tenho tendência a interpretar errado algumas coisas ou tornar algumas questões maiores do que realmente são. Ainda que isso seja um desafio, eu me esforço todos os dias para as pessoas me aceitarem.”

Como consequência dessa dificuldade de compreensão, autistas acabam sendo excluídos de grupos sociais. “Eu fui vítima de cyberbullying, de comentários feitos pelas minhas costas, fui excluído e alvo de chacota. Acho que isso acontece porque as outras crianças ficam irritadas comigo porque eu não entendo do que elas estão falando ou porque faço esforço demais para tentar me encaixar ou pedindo para eles repetirem algo para que eu possa entender”, relata Sam.

Cérebro autista funciona de forma diferente da neurotípica

A diferença dos autistas se dá por causa de sua composição cerebral. “Quando pessoas com autismo fazem coisas que parecem desajeitadas, pode não ser de propósito, mas porque o cérebro delas não funciona como um cérebro neurotípico”, detalha o jovem. “Um cérebro autista não segue os padrões usuais de um cérebro neurotípico. Isto significa que um autista pode ter dificuldades para lidar com coisas como emoções, criatividade, julgamento e comunicação.”

Sam lembra, no entanto, que “ainda que seja um desafio, há autistas que são gênios em coisas como matemática, música, ciência ou talvez fascinados sobre outras coisas”. Um dos exemplos é a maior personalidade autista viva, a veterinária Temple Grandin, que revolucionou as técnicas de manejo de gado. “Há pessoas que pensam que autistas não são inteligentes. Elas estão erradas. Pessoas no espectro podem concluir o Ensino Médio, ir à universidade, ter bons empregos, ter amigos, casar e ter uma família”, diz o jovem.

“Na escola, eu ouvi muita gente usando o autismo como piada quando alguém fazia algo estúpido com os amigos. Mas, do meu ponto de vista, elas ainda têm muito a aprender”, diz Sam. Vale lembrar que o uso dos termos autismo ou autista para desqualificar uma pessoa é considerado um ato de capacitismo, com punição prevista em lei. Ser autista é uma condição humana. No Brasil, por lei, o autismo é considerado uma deficiência que garante direitos específicos, com consequências jurídicas em casos de desrespeito.

Neurotípicos também enfrentam desafios e buscam ser incluídos, diz Sam

O ponto de Sam, no entanto, é que não são só os autistas que gostariam de ser incluídos. A vontade de pertencer é humana. “Você não precisa ter autismo pra querer fazer parte das coisas, querer se encaixar. Ninguém gosta de ser excluído, alvo de chacota ou sentir que não pertence a algum lugar”, diz.

“Todo mundo é diferente ou pode ser mal compreendido. Algumas pessoas podem sofrer de depressão ou solidão, ou ter problemas dentro de casa. E se todos nós temos forças e fraquezas, e se você admite ou perceber isso, todo mundo faz algo que alguém vai achar esquisito ou irritante”, reflete Sam.

Lidar com o estigma do autismo é algo que atinge toda a família e os amigos do autista. O afastamento, a falta de atenção, de convites para festas, de oferecimento de ajuda e até mesmo de ofertas de trabalho. A exclusão afeta a todos os que cercam o autista e, para ele, pode gerar transtornos psíquicos, como depressão, e até levar ao suicídio.

Pode parecer um tanto exagerado, mas vale lembrar que as taxas de suicídio entre autistas são até dez vezes mais altas que entre pessoas neurotípícas.

Uma pessoa diferente “é mais parecida com você do que você pensa”, afirma o jovem

“O que eu tenho esperança que aconteça é que as pessoas enxerguem o autismo além de um rótulo, que consigam enxergar uma pessoa. Uma pessoa que pode estar assustada, preocupada, feliz. Ou que faz sua lição de casa, que ama música e esportes. Uma pessoa que pode ser diferente, mas que é mais parecida com você do que você pensa”, afirma Sam.

Uma das maneiras de reduzir o estigma de pessoas com autismo está na produção cultural. Assistir a meia hora de uma série com um protagonista autista gera mais interesse e desperta mais empatia do que uma palestra sobre o tema, por exemplo. Não à toa, é justamente a um artista que Sam recorre para concluir sua palestra. “Nas palavras de Bono, o vocalista da banda U2, sermos um só, estarmos unidos, é algo bom, mas respeitar o direito de ser diferente é talvez ainda melhor.”

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