Autismo e autoagressão – parte 2
Pandemia intensificou processos autolesivos entre autistas; saiba como lidar
Em texto anterior do nosso blog, apontamos algumas pesquisas científicas relacionadas à agressão e autoagressão e o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Vimos que foram publicados alguns estudos em meio à pandemia descrevendo a influência do isolamento no comportamento agressivo. Em um deles, publicado em 2020, concluiu-se que autistas experimentaram dificuldades em gerenciar suas atividades diárias e que houve uma intensificação de problemas comportamentais durante este período.
Outra pesquisa, publicada em 2021, concluiu que o comportamento agressivo em pessoas com TEA aumentou no período, da mesma forma que a falta de concentração, a sensibilidade à dor e os problemas com o sono. Em outro estudo, também do ano passado, cerca de 67% dos autistas relataram não ter sensações de dor.
É muito importante ressaltar que nem todo autista é agressivo. Porém, sabe-se que as famílias de autistas se preocupam com a possibilidade de ocorrer algum episódio agressivo.
Transtorno de agressividade pode ser considerado como condição associada ao autismo
O autismo não é um distúrbio que ocorre de forma isolada, e aqui entram as comorbidades. Comorbidade é um termo médico que descreve outras condições que podem se manifestar junto ao TEA. Elas estão presentes em cerca de 70% dos autistas, sendo que 48% deles podem ter mais de uma comorbidade.
Estas condições associadas podem ser psiquiátricas, como TDAH, ou médicas, como distúrbios do sono. Transtornos de agressividade podem ser enquadrados como comorbidades.
Dificuldade de flexibilidade comum entre autistas contribui com episódios de agressividade
É importante saber que algumas atitudes devem ser encaradas com tranquilidade e jamais corrigidas com vozes alteradas. É preciso buscar um acompanhamento adequado e aprender metodologias que podem ajudar muito no dia-a-dia.
Autistas, em geral, têm dificuldade em flexibilizar seus interesses. Já falamos em outras abas do blog sobre o comportamento repetitivo e restrito que os autistas podem manifestar.
Pode haver dificuldade em mudar a rotina, por exemplo, como alterar horários ou o lugar de se sentar à mesa no café da manhã. Mudanças podem causar incômodo ao autista.
Como eles têm dificuldades na interação social e déficit na comunicação, um modo de se expressar pode ser por meio da agressividade.
Então, quando o autista está em um lugar em que seus interesses não condizem com o padrão de preferências do local, ele pode demonstrar irritabilidade, o que causa a impaciência e, consequentemente, a agressividade. A reação agressiva pode ser então, muitas vezes, uma forma de comunicar uma contrariedade.
Apoio especializado ajuda a compreender gatilhos do comportamento agressivo
As hipersensibilidades também são fatores que impulsionam a agressividade. Autistas podem ser hiper-reativos a diversas situações que envolvem a sensibilidade, como audição ou tato. Alguns não toleram sensação de aperto, frio ou calor, barulhos, determinados gostos ou texturas.
No caso da comida, por exemplo, quando uma criança com TEA não gosta, a reação dela pode ser jogar o prato no chão ou em direção à parede. É o modo que encontra para se expressar naquela situação.
É importante realizar acompanhamento profissional adequado e entender os gatilhos que causam a agressão e tentar amenizá-los.
O ambiente em que o autista está inserido também diz muito sobre a sua reação. Um lugar que o deixa confortável diminui muito as chances de um episódio de agressão. Uma das maneiras de diminuir essa impulsividade agressiva, por exemplo, é mostrar objetos aos quais tenha apego.
Uso de medicação, desde que sob orientação médica, pode ajudar a lidar com crises de agressividade
Uma grande dica para ajudar a pessoa com TEA a passar por mudanças sem sentir tanto o impacto é fazê-la de forma gradativa.
A mudança de rotina, por exemplo, pode ocorrer em etapas: mudar o horário do despertador em uma semana, sair mais cedo apenas na próxima semana e adicionar uma nova atividade no próximo mês. Usar a imaginação e simular novos cenários também ajuda, como fazer de conta que se vai à escola para preparar a criança ao retorno às aulas.
Há diversas metodologias que nos auxiliam com esse comportamento de agressividade. Cada profissional adota uma e é importante avaliar qual se encaixa melhor na sua família.
Além disso, pode ser indicado o uso de medicações para ajudar nesse acompanhamento. Não se assuste se isso acontecer. A risperidona, por exemplo, costuma ser indicada para amenizar os sintomas de ansiedade, TDAH e agressividade também. É importante frisar: qualquer medicamento só deve ser adotado mediante recomendação e acompanhamento médico.
Bárbara Bertaglia
Médica formada pela Santa Casa de São Paulo, pesquisadora na área de Transtorno do Espectro Autista e membro da equipe Autismo e Realidade desde 2019
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