Daniel Share-Strom: Autismo, compreender e aceitar

25/02/2022Histórias0 Comentários

Nem sempre aceitar o autista e tentar incluí-lo é sinal de compreensão sobre a realidade no espectro

Compreensão e aceitação. Nem sempre os dois conceitos andam juntos quando se trata de conscientização sobre o autismo, segundo aponta o comunicador e ativista Daniel Share-Strom.

Daniel é autista e já passou por situações em que a compreensão e a aceitação do autismo não se apresentaram de forma integrada. Uma delas foi durante uma tentativa de inserção no mercado de trabalho. Estudos indicam que 80% dos autistas não conseguem emprego. Há, inclusive, serviços especializados na inclusão de autistas em empresas. Daniel recorreu a uma consultoria na tentativa de, enfim, conseguir ser contratado.

Busca por emprego revelou a dificuldade de compreensão do transtorno apesar da vontade de aceitação

Formado em comunicação, ele também é escritor, palestrante e facilitador de workshops. Um ponto fraco, explicado à recrutadora, é sua dificuldade de coordenação motora. Por conta do autismo, Daniel anda devagar e tem a coordenação motora fina comprometida.

“O que basicamente quer dizer que sou um pouco desastrado, tenho dificuldade com trabalhos manuais, especialmente quando requer uso de determinada pressão, como espetar um bife com o garfo e cortar com a faca”, conta Daniel em sua palestra no TEDxYorkUSalon, na York University, do Canadá.

Um dia, Daniel recebeu uma ligação. Atendeu animado esperando por, talvez, uma vaga em um escritório ou uma empresa de comunicação. Ledo engano. A vaga era para auxiliar de cozinha. Daniel agradeceu, mas recusou a proposta. Afinal, brincou, nenhum cliente ia ficar feliz ao encontrar um pedaço do dedo dele no prato.

A recrutadora ainda tentou, sem sucesso, contra-argumentar após Daniel perguntar sobre possibilidades na área de comunicação. “Ela disse: ‘Daniel, você poderá se comunicar com seus colegas na cozinha’”. Novamente, ela recebeu uma negativa.

Não apenas no mercado de trabalho, mas também nas escolas falta entendimento para incluir autistas

Daniel usa o episódio para mostrar que, apesar de estar consciente do autismo e da dificuldade de um autista conseguir se inserir no mercado de trabalho, faltava compreensão à recrutadora. “Ela pode não ser a única profissional solidária, cujas boas intenções são impedidas pela falta de compreensão do autismo”, alerta o ativista.

O problema não se resume à busca por emprego. “Pense em nossas escolas. Elas têm consciência sobre o autismo. (…) No entanto, compreensão e aceitação ainda estão em evolução”, diz o palestrante.

Por causa de suas dificuldades motoras, Daniel usa desde os 10 anos um laptop em vez de lápis e caderno. No entanto, quando estava no 9º ano, um professor pediu para que fizesse uma prova usando papel e caneta.

“Eu realmente era um bom aluno, mas fui muito mal naquele teste porque não pude escrever bem as respostas daquele jeito. Minha mãe perguntou se eu poderia refazer o teste. O professor disse que não. Alegou que seria uma vantagem injusta com o restante da turma”, conta o escritor. “A injustiça daquilo na verdade impulsionou minha trajetória como ativista.”

Necessidades dos autistas falantes e não falantes precisam ser compreendidas, diz Daniel

Ao longo de 11 anos como moderador de grupos sobre autismo, Daniel ouviu de muitos pais justificativas sobre a falta de apoio, entre elas a falta de recursos ou uma necessidade maior por parte de uma outra criança.

“Acho que com o entendimento correto e apoio, todos vão conseguir sempre o que precisam na escola”, pondera Daniel. “Os desafios dos meus amigos do espectro que conseguem falar serão entendidos e apoiados, Assim como os pontos fortes das pessoas do espectro que não conseguem falar.”

Lista de seis pontos que inclui formação de professores indica o que é preciso ser transformado

Daniel faz uma provocação: “Se concordamos que há muito a ser feito, por onde devemos começar?”. A resposta vem por meio de seis pontos de uma lista que Daniel classifica como “ambiciosa, mas necessária”:

1) Mudar a formação dos professores para incluir a compreensão das necessidades dos autistas;

2) Mudar a grade escolar para combinar os pontos fortes dos alunos, de forma a adaptar a velocidade e volume de trabalho ao ritmo deles;

3) Fazer campanhas públicas de conscientização protagonizadas por pessoas com autismo que demonstrem suas qualidades, diversidades e conquistas;

É sempre bom lembrar: autistas que não falam também têm algo a dizer

4) Nessas campanhas, apresentar autistas que falam e que não falam, quebrando o paradigma de que quem não fala não tem nada a dizer;

5) Mudar a lei para que pessoas do espectro consigam o que precisam na escola, independente de onde a gestão decida gastar seu orçamento;

6) Incentivar empregadores, criando programas para contratação de autistas. “Somos solucionadores criativos e rentáveis para o caixa das empresas, então todo mundo se beneficia”, diz Daniel.

Para o palestrante essas mudanças são capazes de impactar não só a aceitação, mas também a compreensão do autismo. “Isso significa que a próxima geração de autistas poderá crescer com a autoestima intacta e confiantes em um futuro que poderá incluí-los. Talvez eles sejam capazes de passar por apresentações sem humilhações, e, em vez disso, sua humanidade seja honrada.”

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