Tiago Camilo: inclusão no judô

8/04/2022TEA no Dia a Dia0 Comentários

Em entrevista exclusiva ao Autismo e Realidade, medalhista olímpico fala sobre o treinamento de pequenos atletas autistas

Medalhista olímpico, campeão mundial e tricampeão panamericano de judô, Tiago Camilo é também personalidade atuante na inclusão de crianças autistas. Na academia que leva seu nome, na cidade de São Paulo, o atleta treina pequenos judocas atípicos a partir dos 2 anos, com um método baseado em três pilares: comunicação, interação social e comportamento.

A primeira medalha olímpica brasileira no judô foi o bronze do japonês naturalizado brasileiro Chiaki Ishii, conquistado nos Jogos de Munique, na Alemanha, em 1972. Desde então, o país ganhou outras 23 medalhas na competição. Entre os nomes da lista estão os de Aurélio Miguel, o primeiro campeão olímpico brasileiro da modalidade, além Rogério Sampaio, Sarah Menezes, Rafaela Silva, Mayra Aguiar, e claro, Tiago Camilo.

O Brasil é também o primeiro campeão mundial na história do judô DI, para pessoas com deficiência intelectual. A primeira medalha oficial da modalidade foi conquistada por João Vitor Ferreira, que é autista.

“Todos nós podemos explorar as nossas potencialidades, o segredo é ter um bom direcionamento”, afirma Tiago Camilo, em entrevista exclusiva concedida ao Autismo e Realidade. O judoca nos conta como recebe e desenvolve as habilidades das crianças autistas no tatame. Confira:

Primeiros trabalhos com autistas acontecem de forma individual

– Quando decidiram começar a receber alunos autistas? O que os motivou a tomar essa decisão?

Desde o início da academia, em 2017, sempre acreditei que deveríamos ter as portas abertas para todos que quisessem conhecer o caminho do judô, e isso nos trouxe alunos dentro do espectro autista.

– Como foi a preparação para receber as primeiras crianças autistas? O que precisou mudar para recebê-los? Algo mudou na estrutura ou na rotina da academia? Houve uma preparação específica dos treinadores e no tipo de atendimento oferecido?

A primeira decisão quando recebemos o primeiro aluno autista é que não deveríamos adaptar o ambiente. Queríamos ser receptivos da forma como estávamos estruturados. Isso trouxe um olhar acolhedor, respeitando cada aluno e suas individualidades. Depois disso, começamos a entender melhor o espectro, e capacitar nossos professores para que tivessem habilidades necessárias para um atendimento de qualidade.

– Os treinos para autistas têm características específicas? Em que se diferencia do treino para crianças típicas?

Criamos um processo de triagem e anamnese com a Carla Franzolin, nossa fonoaudióloga e analista do comportamento, para avaliarmos o grau do autismo e fazermos o encaminhamento adequado para o professor. Na primeira etapa, o aluno passa por dez aulas individuais. Depois disso, passa por uma reavaliação, para uma possível inclusão no grupo dos típicos.

Frequência de aulas de crianças autistas é a mesma das típicas

– Há quantos judocas autistas na academia e de que idades eles são? A frequência de treinos é a mesma das crianças típicas? Há turmas só de autistas ou são mistas? O que levou a essa escolha?

Atualmente, temos 17 crianças dentro do nosso programa – antes da pandemia chegamos a ter 30. Eles fazem judô uma ou duas vezes por semana, a mesma frequência do grupo dos típicos.

Temos alunos que, devido ao grau, ficam nas aulas individualizadas, e temos alunos que foram incluídos nos grupos de treinamento.

Nossa filosofia é sempre preservar o melhor para a criança. Muitas vezes, os pais chegam cheios de esperança para vê-las nos grupos, mas precisamos respeitar o grau e fazer essa transição de forma muito cuidadosa para não gerar um estresse para elas. Analisamos, primeiramente, de forma técnica e, depois, com o coração.

– Vocês atendem crianças com algum outro tipo de deficiência?

Atualmente não, somente crianças dentro do espectro autista.

– Há algum acompanhamento específico de saúde ou de desenvolvimento no caso dos judocas autistas? Há alguma diferença no envolvimento da família no desenvolvimento do judoca autista que se diferencia das crianças típicas?

Temos no time alguns profissionais que trabalham há anos com essas crianças, e todo acompanhamento é feito dentro e fora do tatame. As famílias assistem às aulas e, com isso, enxergam a transformação do judô na vida dos filhos. É realmente algo mágico o que o nosso time realiza com essas crianças.

“Devemos sempre acreditar no potencial do ser humano”, diz Tiago Camilo

– Que impacto vocês percebem nas crianças autistas a partir do momento em que começam a treinar? Houve algum episódio marcante desde que começaram a formar judocas autistas?

Percebemos avanços nas habilidades motoras fina e ampla, melhora no tempo de espera, melhora no contato visual, diminuição de medicamentos controlados, diminuição de comportamentos auto e heterolesivos… Enfim, é o judô cumprindo o seu papel como modalidade de inclusão e de impacto social.

– É possível pensar em formar crianças autistas como atletas de alto rendimento? Por qual razão?

Nunca podemos dizer que algo é impossível, aliás, até podem existir atletas de alto rendimento não diagnosticados. Todos nós podemos explorar as nossas potencialidades, o segredo é ter um bom direcionamento.

– Quais são os principais aprendizados trazidos pelo contato com crianças autistas e suas famílias?

Que todos somos especiais em nossa essência, e devemos sempre acreditar no potencial do ser humano.

 

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