Maternidade, autismo e transgeneridade

23/06/2022Histórias0 Comentários

Selma Sueli, autista e mãe de uma mulher trans autista, reforça a importância do acolhimento familiar e conta sobre as transformações geradas pelo diagnóstico e pela transição de gênero da filha

Transformações intensas vividas ao lado da filha marcaram a trajetória da jornalista e escritora Selma Sueli. Ela se descobriu autista já adulta, em 2016, oito anos após o diagnóstico de Sophia, aos 11 anos – que na época ainda se identificava com o gênero masculino.

Selma já havia desconfiado, no início do processo de diagnóstico da filha, que pudesse estar no espectro mas, desestimulada a buscar esclarecimentos, deixou a questão em segundo plano. Anos depois, graças a um alerta da própria filha, decidiu, enfim, tirar a dúvida. E foi também diagnosticada. “O diagnóstico me devolveu minha identidade e me levou a um autoconhecimento que transformou a minha vida”, contou a escritora em entrevista ao Autismo e Realidade.

Até então, Selma já vinha lidando com o capacitismo em relação ao diagnóstico de Sophia. Desta vez, era a hora de perceber o que estava ao seu redor. Mudou até de salão de beleza, para um que respeita sua hipersensibilidade.

“Criei muitas estratégias para dar conta de viver e conviver socialmente. Isso me despendia pensar em estratégias apuradas para diversos segmentos: família, escola, namoro, amigos, trabalho”, afirma. Ela também se libertou de um relacionamento abusivo.

Foi também após o diagnóstico que, junto com Sophia, criaram o canal Mundo Autista, com perfis no YouTube e Instagram, em que conscientizam sobre autismo e promovem diversidade e inclusão.

Adultos com autismo de nível 1 de suporte, como Selma, enfrentam dificuldade na busca por diagnóstico

Na época dos diagnósticos de Selma e da filha, ainda se usava o termo Síndrome de Asperger para classificar o que hoje é chamado de autismo de nível 1 de suporte – conhecido popularmente como autismo leve.

Autistas de nível 1 têm um grau de autonomia que lhes permite cumprir tarefas básicas, como as de higiene pessoal, além de trabalhar, estudar e ter independência financeira, o que não significa que não lidem com uma diversidade de comorbidades geradas pelo transtorno, além de comportamentos repetitivos, interesses restritos e dificuldade de comunicação e interaçao social caracterísitcas do autismo.

Para sobreviver a um mundo pouco inclusivo, os autistas de nível 1 comumente aprendem a disfarçar seus sinais de autismo. Esta é uma das razões pelas quais há profissionais que não conseguem identificar estas pessoas como autistas. “Enfrentamos a ignorância do senso comum em muitas áreas que desconhecem sinais de autismo em adultos que mascaram os sintomas”, diz Selma.

Transgeneridade de Sophia foi minimizada e entendida por profissionais da saúde como sinal do autismo

À luta pelo diagnóstico e contra o capacitismo soma-se ainda ao combate à LGBTfobia, por conta da identidade de gênero de Sophia. Ela sempre foi ligada ao universo feminino e durante a infância e a adolescência, era entendida socialmente como um garoto homossexual.

Aos 15 anos, Sophia já queria ter passado pela transição de gênero, mas faltaram profissionais capazes de oferecer o suporte. “O que encontramos foram profissionais cheios de achismos embasados em suas próprias crenças e não em estudos científicos. Eles acreditavam que tudo estava relacionado ao autismo.“

Em 2020, durante a pandemia, Sophia chegou ao limite, e o processo de transição de gênero, enfim, começou. Mãe e filha conseguiram encontrar um psiquiatra e um endocrinologista capazes de oferecer o apoio necessário e Sophia está se preparando para fazer a cirurgia de redesignação sexual pelo SUS.

Aceitar e acolher fazem a pessoa vítima de preconceito e sua família sobreviverem juntas

Selma conta que o capacitismo e a LGBTfobia se expressam de maneira diferente mas, ambos, diz Selma, “ferem a família mortalmente”. Para sobreviver, são essenciais o acolhimento e a aceitação.

“Quando a família é a primeira a agir como juiz de um ser humano e desdenha a essência de seu próprio filho, é como se ela passasse uma procuração assinada e em branco para que a sociedade exerça sua covardia e, em muitos casos, a hipocrisia para apedrejar quem não caminha num padrão que não se sabe bem ao certo por quem foi criado.”

Confira a entrevista na íntegra:

– Em primeiro lugar, gostaria que você nos contasse como foi o seu processo de suspeitar que pudesse ser autista. Que características te levaram a essa suspeita e como você recebeu o diagnóstico?

Em 2008, quando recebi o diagnóstico de minha filha, hoje com 25 anos, eu não sabia nada sobre autismo. Ao receber as primeiras explicações do psiquiatra respondi: “Mas eu era assim também.” Então, ele me perguntou: “Sua família tem pessoas que são chamadas de esquisitas?” Respondi que sim. Ele disse que “existem mais autistas com grau leve por aí do que podemos imaginar.” Mas ele encerrou a conversa e voltamos a conversar sobre a Sophia.

Selma procurou um psiquiatra para provar que não era autista, e então descobriu que era

Eu era acompanhada por psicólogo desde 2003. Assim, perguntei a ele se eu também era autista. Ele respondeu que eu estava com “síndrome do espelhamento”, refletindo o que acontecia com minha filha. Pediu para eu não me preocupar com isso. Como eu já estava de frente com muitas demandas, esqueci o assunto.

Porém, quando Sophia estava com 18 anos, ela me disse: “Mamãe, tudo que acontece aqui em casa, nossa família e as pessoas colocam na conta do meu autismo. Mas eu percebo (e sei que você também) muitas características em você. Já conversei com o meu psicólogo que concordou com minha impressão. Ele me indicou uma especialista.”

Fui à psiquiatra só para provar que eu não era autista. Já havia abandonado essa ideia. Mas, para minha surpresa, depois de alguns testes e consultas, o diagnóstico foi confirmado, em novembro de 2016.

Diagnóstico de autismo melhorou a relação de Selma com a família

– O que significa ser autista pra você hoje?

Ser autista hoje para mim é o resgate de minha identidade. Mesmo que muitas pessoas, por etarismo, acreditem que, na fase adulta, o diagnóstico seja dispensável. Não é. Desde quando o autoconhecimento não é bem-vindo? Eu passei a entender várias características em mim que eu lutava para camuflar, pois não seriam bem recebidas no meio social e no trabalho. Portanto, excedi meus limites várias vezes, e paguei um preço muito alto por isso.

A relação com minha família melhorou muito. É libertador deixar os rótulos de nervosinha, apeladora, sem esportiva, e outros para trás. Reconhecer minhas fragilidades e otimizar habilidades, que eu muitas vezes pensava que não tinha, descortinou um novo mundo para mim. Um mundo repleto de possibilidades. E lá se vão 5 anos e meio.

“Não havia sentido em me curvar ao medo”, diz Selma sobre o diagnóstico de Sophia

– Muito antes do próprio processo, você também viveu a descoberta do diagnóstico de autismo da sua filha, que na época ainda se identificava com o gênero masculino, e também da descoberta da transgeneridade dela. Como foi acompanhar, como mãe, uma sequência tão intensa de transformações dela?

Uma das melhores coisas do cérebro neurodivergente, que não cedeu à contaminação do meio, é estudar sobre o que não entende e ter facilidade de aprender coisas que façam sentido quando esclarecidas. Assim, ao receber o diagnóstico de minha filha quando ela estava com 11 anos, passei a estudar sobre o assunto. Não havia sentido em me curvar ao medo, ao vitimismo, diante de algo que é real. E imutável. Não tem cura, pois não é doença.

A primeira estranheza que tive foi com o vaticínio de um psicólogo: “Sua filha será dependente pelo resto da vida”. Gente! Isso não faz o menor sentido. Como afirmar algo sobre uma vida que ainda não se disse ao mundo? Como ser assertivo com o futuro? Se fosse prognóstico, eu entenderia. Mas vaticínio, não. Não tem lógica.

Passei a observar aquele ser que era o meu melhor projeto. Eu havia desejado que ela fosse um valor para a sociedade. É esse o nosso compromisso com as gerações que vêm depois de nós. Que elas sejam valores para a sociedade. Joguei luz nas habilidades de minha filha e tentei trabalhar as limitações. Digo tentei, porque à época, não havia tantas informações. Mas deu certo, eu acredito!

Selma foi criticada por acolher a filha autista e LGBT: “Eu não sou como você, que aceitou tudo fácil demais”

Com a questão da transgeneridade, não foi diferente. Eu enxergava o ser humano maravilhoso que minha filha é. Desde criança, eu percebia que a relação dela com o mundo, era com a identidade feminina. Afinal, sou mulher. Isso era claro para mim. Mas não para os outros que levavam para o lado da sexualidade. Logo, minha filha seria homossexual. Não era tão simples assim. O ser humano é rico e complexo.

Na adolescência, ao sentir atração pelos meninos, foi o que bastou para o rótulo de homossexual. Tudo bem se fosse. Mas eu sabia que ia além. Mais uma vez me debrucei sobre o estudo desse assunto. De uma maneira genérica aprendi que nosso cérebro nos diz sobre nosso gênero, o coração nos diz sobre nosso afeto/amor por pessoas, homens, mulheres, pessoas cis ou não. E nosso órgão genital é o que nos diz sobre nossa sexualidade.

Por isso, existem mulheres trans que não têm problema com a genitália masculina. Não é o que acontece com a Sophia. Ela tem o que antes era chamado de disforia de gênero e hoje, com o CID 11, passou a ser chamado de incongruência de gênero.

Pobres homens, pobre Freud. Já pensou descobrir que a masculinidade não reside no tão ovacionado símbolo fálico masculino? Há muito que se estudar para conhecer a complexidade do ser humano. Mas é no paradoxo de sua complexidade e simplicidade que reside toda a sua riqueza.

Portanto, acompanhar essas duas fases foi exercitar as características maternas: acolhimento, parceria, cumplicidade, descobertas conjuntas, diálogo e estudo constante. Sem julgamento. Separando o que é de minha filha, o que é meu e o que é nosso.

Me cobraram, “eu não sou como você, que aceitou tudo fácil demais.” Quanta ingenuidade. De minha aceitação sei eu. Não foi fácil lembrar de quando eu vi ‘o sexo’ no ultrassom pela primeira vez, de todas as fotos e vídeos com o Victor até 23 anos. Mas isso era comigo. Não tem a ver com ela. Não posso jogar mais esse peso sobre ela. Mirei no ser humano lindo, acolhi a mulher que sei que sempre esteve nela. Não me permiti viver na lamentação. Lamentação apaga a boa sorte. E o vitimismo nos paralisa. Eu? Eu sigo com Sophia construindo uma nova história. De amor e de esperança. E já com muitas vitórias a computar.

Ao buscar orientação para a transgeneridade da filha, Selma encontrou “preconceito, crenças, achismos e até mesmo negligência”

– Em entrevista ao Autismo e Realidade, a Sophia contou que vocês tiveram dificuldade para encontrar profissionais capazes de orientá-la no processo de transição. Você poderia nos contar um pouco sobre essa busca e sobre como conseguiram encontrar alguém capaz de acolher, não só a Sophia, mas também te dar suporte?

Quando eu e Sophia conversamos mais seriamente sobre o assunto, ela estava com quase 15 anos. Ela já queria tomar hormônios e iniciar o processo de transição social. Expliquei que éramos leigas sobre o assunto, que eu estaria ao lado dela em tudo, mas que precisaríamos de profissionais capacitados na área da saúde para nos orientar. Foi uma grande frustração! O que encontramos foram profissionais cheios de achismos embasados em suas próprias crenças e não em estudos científicos. Eles acreditavam que tudo estava relacionado ao autismo. Foi dureza. Procuramos orientação e conhecimento científico junto a esses profissionais de saúde e encontramos preconceito, crenças, achismos e até mesmo negligência. Tudo isso gerou um grave quadro de estresse pós-traumático em minha filha.

Cuidamos disso e, em 2020, com a pandemia, Sophia chegou ao limite. Apoiei a decisão dela de iniciar imediatamente a transição social. Ela não me surpreendeu pois eu criei uma filha corajosa, que soubesse ser a senhora de sua mente. Pesquisamos e chegamos a um psiquiatra e um endócrino que a acompanham até hoje, a alguns dias da cirurgia de redesignação sexual. São profissionais do Hospital Eduardo de Menezes, do SUS. Esse hospital possui um laboratório para acompanhamento de pessoas trans.

Papel da mãe é acolher, orientar e buscar informações, diz Selma

– O que uma mãe precisa oferecer a uma pessoa em processo de transição? E do que esta mãe precisa para acompanhar o processo e ter condições de dar suporte à pessoa em transição?

O papel de uma mãe, qualquer que seja a situação, é de acolhimento e orientação. Não compete à mãe julgar, tentar estabelecer uma relação em que a sua opinião seja lei. Se ela não tem conhecimento sobre o assunto, deve buscar informações confiáveis de diversas fontes. Assim, ela e a filha poderão formar a sua própria opinião para diminuir os riscos de uma decisão equivocada.

Quando a família é a primeira a agir como juiz de um ser humano e desdenha a essência de seu próprio filho, é como se ela passasse uma procuração assinada e em branco para que a sociedade exerça sua covardia e, em muitos casos, a hipocrisia para apedrejar quem não caminha num padrão que não se sabe bem ao certo por quem foi criado.

Uma mãe deve entender que filho perfeito é aquele que chega aos seus braços e que recebe o que ela tem de melhor. Por esse filho perfeito não há limites para um bom embate!

Capacitismo é expressado em forma de compaixão e a LGBTfobia é escancarada, conta Selma

– É possível diferenciar os impactos do capacitismo e da LGBTfobia? Faz sentido pra você responder o que você sentiu com mais força, se a reação social em torno do autismo da Sophia ou a reação em torno da descoberta da transgeneridade dela?

Sim, são coisas diferentes. No capacitismo, o preconceito vem mascarado de compaixão. “Ai, coitadinho, não vamos expor essa pessoa deficiente.” Como se a deficiência tornasse a pessoa menor, com menos valor.

A LGBTfobia é mais escancarada. A sociedade ainda vê essas questões ligadas à promiscuidade. É o que basta para as pessoas lançarem suas falas distorcidas e ignorantes, como arautos do certo e do errado. É o ápice da falta de conhecimento, envolto por conceitos distorcidos. Por isso, é tão importante o acolhimento da família. O preconceito da própria família é o pontapé para a falta de opções da pessoa trans e, aí sim, a possibilidade da vida clandestina e promíscua. Nessa hora, mais uma vez com visão distorcida, a sociedade tem o seu preconceito reforçado.

Ambos (capacitismo e LGBTfobia) ferem a família mortalmente. Algumas reagem e não morrem. É o caso da minha.

“Lamentação apaga boa sorte e vitimismo nos paralisa”, diz Selma

– De que forma as transformações que você viveu (em relação ao diagnóstico e à transgeneridade da Sophia e à descoberta do seu diagnóstico) impactaram sua relação com a família e seu círculo de amigos? Houve quem não soubesse lidar e se afastasse? Como você lidou com isso e como orientou Sophia a lidar com isso?

Sim, houve um afastamento em ambos os casos. No primeiro, o autismo, eu percebia um receio dos familiares em lidar com a situação. Eles preferiam, na maioria das vezes, se afastar.

No segundo caso, alguns se afastaram defendendo o direito a um posicionamento próprio, de discordância.

No primeiro caso, eu sofri muito ao perceber que estava sozinha: éramos eu e Sophia. Até que tive de deixar isso para trás e tratar de viver a minha realidade. Lembram? Lamentação apaga boa sorte e vitimismo nos paralisa.

No caso da transição social foi mais fácil. Minha filha já era um valor consolidado. Uma adulta que sabia se posicionar, com um currículo invejável. Ela é referência nas áreas da saúde e educação. As pessoas conviviam com o efeito positivo das ações dela em suas vidas. Então, quando um ou outro, na família e fora dela demonstrava transfobia, eu tinha muita pena e pensava: “coitade, não conhece o ser humano que é minha filha.” Mas, eu e Sophia resolvemos manter a exposição de nossa vida pois nos sentíamos mais fortes para tentar construir uma sociedade melhor para quem vier depois de nós.

“Percebi que não era burra como acreditei durante quase toda a vida”, diz Selma sobre o diagnóstico

– Como descobrir-se autista transformou sua autopercepção? Quais foram as transformações mais significativas que ocorreram na sua vida após o diagnóstico?

O diagnóstico me devolveu minha identidade e me levou a um autoconhecimento que transformou a minha vida. Percebi que não era burra como acreditei durante quase toda a vida. Eu me considerava esforçada, mas não inteligente. Afinal, não conseguia fazer algumas coisas que muita gente conseguia. Com o diagnóstico, descobri que muita coisa que eu fazia e pensava que todos fizessem, poucas pessoas conseguiam fazer, de fato.

Também consegui enxergar que estava num relacionamento abusivo devido à minha ingenuidade e crença de que não há motivos para mentir numa relação a dois. Fiquei mais atenta ao que minha família me dizia e, que antes, eu não conseguia processar.

Passei a respeitar meus limites, o que diminuiu, e muito, minhas crises de exaustão.

“Minha mãe redobrou a paciência comigo após entender meu tempo de processamento”

Estou, desde 2016, retomando a conexão com a minha essência. É que criei muitas estratégias para dar conta de viver e conviver socialmente. Isso me despendia pensar em estratégias apuradas para diversos segmentos: família, escola, namoro, amigos, trabalho.

Quer saber? Mudei até no salão de beleza. Tenho hipersensibilidade nos pés e mãos. Eu não reclamava, pois as manicures consideravam frescura. Eu amo minhas unhas bem-feitas. Hoje posso tê-las bem-feitas, com o cuidado que elas e eu merecemos. Sem julgamentos de senso comum.

Além de tudo isso, afastei profissionais que percebiam minha dificuldade para escolher e a facilidade para me empurrar algo, já que eu não conseguia me expressar de modo a me fazer entender e, assim, acabava por desistir. E foi lindo ver minha mãe mudando o jeito dela comigo. Ela redobrou a paciência comigo pois sabe que o meu tempo de processamento cerebral não é igual ao dela.

Sobre o diagnóstico tardio, Selma afirma “veio quando tinha de vir”

– A que você atribui a demora no seu diagnóstico? E o que um diagnóstico mais precoce poderia ter te proporcionado?

A síndrome de Asperger só entrou para o CID em 1994. Eu já estava casada. Tinha 30 anos para 31. Pouquíssimo se sabia sobre isso. Com o passar do tempo, o autismo que interessava era o infantil. Sophia nasceu em 1997 e somente em 2008 veio o diagnóstico, embora eu o buscasse desde 1998. Nessa época, os raros psiquiatras que entendiam disso tinham receio de diagnosticar, pois o exame é clínico. Para o adulto então, nem se fala…

Atualmente, há uns 5, 6 anos enfrentamos a ignorância do senso comum em muitas áreas que desconhecem sinais de autismo em adultos que mascaram os sintomas . Quando percebem, alguns acham bobagem pois, se chegaram à vida adulta, significa que têm uma vida funcional. Outra ignorância, já que da funcionalidade quem sabe é quem vive. Eu me considero uma adulta vitoriosa, mas é como minha psiquiatra me disse: “Selma, eu admiro você, você é vitoriosa. Mas poderia ser assim, com menos sofrimento.” E ela me pediu: “Você já ajudou tanta gente, deixa eu ajudar você agora.” Foi lindo e, claro, ela continua em minha vida desde então.

Eu penso que meu diagnóstico veio quando tinha de vir. Se eu soubesse antes, talvez não seria a mãe que fui. Provavelmente perceberia o quanto era difícil para mim e teria esmorecido. Então, sempre olho para a frente!

“Se depender de mim e de minha filha, não vamos deixar ninguém para trás”

– Você conhece outras pessoas que tenham passado por um processo parecido com o seu? De ser mãe de uma pessoa autista transgênero e se descobrir autista? Em geral, quem são as pessoas que te procuram em busca de suporte? Como você procura orientá-las?

Sim, conheço mães de pessoas autistas e trans que conseguiram dividir isso comigo depois de conhecer minha história. Muitas pessoas, mães e pais de autistas que descobriram ser autistas ou lendo meus livros e se identificando, ou assistindo nosso Canal no YouTube Mundo Autista, ou lendo nosso Blog no site omundoautista.com.uai.br, no Portal Uai, ou tudo isso junto.

Eu e Sophia compartilhamos nossas vivências, entrevistamos especialistas, temos grupos de WhatsApp, recebemos ligações, mensagens pelas redes sociais. Sempre procuramos dar retorno, mesmo que demore. Somos uns pelos outros e, se depender de mim e de minha filha, não vamos deixar ninguém para trás.

Atypical, Amor no Espectro e The Good Doctor estão na lista de indicações de Selma

– Que referências de livros, séries de TV, filmes, influenciadores, você recomendaria para quem precisa de apoio no acolhimento de uma filha ou filho? No seu caso, alguma obra foi marcante para te inspirar ao longo das transformações pelas quais sua família passou?

Quando recebi o diagnóstico de Sophia, havia um grupo do Yahoo de familiares de autistas. Tentei fazer parte dele e quase buguei. Eram muitas informações e muita lamentação. Percebi que estava sendo ruim para mim. Me afastei de tudo e passei a procurar artigos, livros e textos acadêmico-científicos sobre o assunto.

Depois foram surgindo o Lagarta Vira Pupa, a Família Tagarela, o canal e a revista Autismo, o filme de Temple Grandin, a história de Alan Turing, no filme O Jogo da Imitação. Depois os próprios autistas ganharam voz e eu passei a segui-los. Amei o seriado Atypical, Amor no Espectro, The Good Doctor. Puxa, são tantos e minha memória para guardar nomes é um fiasco. Rs!

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