Covid-19 e autismo

12/08/2022TEA no Dia a Dia0 Comentários

Estudo aponta como a pandemia que abalou o mundo afetou a vida dos autistas

Desde 2020, o mundo sofreu uma reviravolta. Um novo vírus chegou causando uma pandemia nunca imaginada. A covid-19 modificou o modo de viver de toda a população mundial. A economia global foi afetada, assim como pequenos detalhes do dia a dia.

E como a doença afetou a vida dos autistas?

A Academia Americana de Pediatria lançou este ano um documento em que descreve parte desta mudanças. O texto, publicado em 1º de abril, está disponível na internet.

O artigo afirma que a pandemia de covid-19 ampliou as desigualdades enfrentadas pelos autistas. A agitação médica, social, educacional e econômica sem precedentes ressaltou as diversas necessidades de saúde física dos autistas e a importância de abordá-las ao longo da vida, usando soluções multissetoriais e políticas.

Interrupção dos serviços de saúde afetou o acesso a diagnóstico e tratamentos

Com o isolamento social, muitas situações que incluíam contato humano foram suspensas provisoriamente, o que afetou profundamente os serviços de saúde.

Enquanto os encontros virtuais ainda não eram 100% implementados, o acesso a consultas médicas de rotina foi interrompido, o que atrasou o acesso a diagnósticos, tratamentos e serviços necessários.

No Brasil, a população que depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) foi a mais prejudicada. Consultas foram desmarcadas, médicos e outros profissionais da saúde foram afastados, e a telemedicina foi a última a ser implementada.

Foram quase dois anos de déficit das atividades da área da saúde.

Com aprendizagem e atendimento médico prejudicados, crianças autistas regrediram

O prejuízo ao desenvolvimento dos autistas ainda não pode ser mensurado, mas sabemos que é imenso, considerando que intervenções precoces melhoram exponencialmente o prognóstico do transtorno.

A interrupção da aprendizagem também tem sido particularmente preocupante para crianças com necessidades educacionais especiais.

Segundo o artigo, as famílias relataram maior dificuldade de acesso a terapias e serviços para crianças autistas e regressão nas habilidades já adquiridas. Além disso, mesmo para as famílias que conseguiram acompanhamento virtual, a falta de padrão levou a um resultado altamente variável na qualidade das terapias remotas e do aprendizado.

Vulnerabilidade econômica dos autistas e seus familiares também se intensificou na pandemia

As crianças economicamente desfavorecidas enfrentam um fardo adicional de acesso precário à tecnologia e internet estável. A comunidade autista vem defendendo consistentemente a disponibilidade de plataformas virtuais de aprendizagem, mas só agora se beneficiam das que estão amplamente disponíveis.

Foram quase dois anos para a plataforma digital conseguir alcançar boa parte da população. Mesmo assim, ainda há dificuldades a se enfrentar, como a instabilidade da rede de internet ou o tempo de acesso.

A publicação também apontou a vulnerabilidade dos autistas ​​à instabilidade econômica. Mesmo antes da pandemia, adultos autistas tinham a menor taxa de emprego entre as pessoas com deficiência.

Além disso, devido ao ensino remoto durante a pandemia, alguns pais ainda tiveram que renunciar ao emprego para cuidar de seus filhos, prejudicando ainda mais a renda familiar.

Acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho se tornaram obstáculos ainda maiores

No Brasil, a inclusão de um autista no mercado de trabalho é garantida pela mesma lei que determina a participação mínima para pessoas com qualquer deficiência.

A Lei Berenice Piana nº 12.764/2012 abriu as portas para o reconhecimento do autismo no rol das demais deficiências. Entretanto, o número de autistas que conseguem se consolidar em um emprego, infelizmente, ainda é pequeno.

Considerando, por exemplo, que a graduação de nível superior é um fator importante quando o assunto é emprego com especialização, podemos comparar o número de autistas matriculados em faculdades.

O Censo de 2020 aponta que havia 546 estudantes autistas no ensino superior em todo o Brasil. Nos dados obtidos pelo mapeamento, constata-se que, mesmo com todo o aporte legal que obriga o acesso de estudantes com deficiência ao ensino superior, ainda é exígua a quantidade desse público nas faculdades.

Pacotes de ajuda econômica e prioridade na fila da vacina são essenciais na proteção dos autistas

O documento da Academia Americana de Pediatria indica possíveis soluções para amenizar os prejuízos em saúde, educação e economia, que precisam de atenção urgente.

Autistas, particularmente aqueles com alto risco de hospitalizações e mortes relacionadas à covid-19, deveriam ser priorizados na fila da vacina e representados no controle de infecções e planejamento emergencial em vários níveis: dentro de escolas, ambientes de saúde, instalações residenciais, etc.

O artigo diz que a pandemia deveria ser enfrentada com soluções inovadoras – como ambientes virtuais com tele saúde e aprendizado remoto- e inovações tecnológicas – vacinas de mRNA e testes no local de atendimento.

O texto aponta ainda a importância de pacotes de ajuda econômica, assistência médica ininterrupta e seguro-desemprego para garantir a estabilidade financeira dos autistas e seus familiares. Para finalizar, o documento reforça que são necessárias medidas imediatas para reduzir as desigualdades enfrentadas por crianças e adultos autistas

Bárbara Bertaglia

Bárbara Bertaglia

Médica residente na pediatria da Santa Casa de São Paulo, pesquisadora na área de Transtorno do Espectro Autista e membro da equipe Autismo e Realidade desde 2019

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