Jakob Anseman: simplesmente precisamos de aceitação

5/01/2023Histórias0 Comentários

Palestrante autista criou serviço de adaptação de pessoas com transtorno para o ambiente universitário

Oferecer oportunidades de acompanhamento não só para crianças autistas, mas para adultos com o transtorno é essencial para sua inserção no ambiente universitário e no mercado de trabalho, defende o palestrante Jakob Anseman em sua fala no TEDxUniversityofMississippi, nos Estados Unidos, em 2019.

“Se tivéssemos a oportunidade de perseguir agressivamente ou mesmo apenas remotamente nossos intensos interesses especiais e restritos, nós autistas, poderíamos alcançar coisas extraordinárias”, afirma.

Até mesmo o acesso ao diagnóstico para adultos é escasso e, em geral, ocorre após outros diagnósticos de transtorno mental que são, na verdade, comorbidades do autismo. “Existem muitos serviços, mas a esmagadora maioria só é oferecida para crianças. Quando você atinge 18 anos ou 21 (…) você está por sua conta”, diz Jakob.

Anseman defende a luta sindical para fortalecer os direitos trabalhistas de autistas

“Precisamos de ativismo tanto aqui nos EUA, quanto no exterior. Precisamos de sindicatos para lutar por salários justos e oportunidades de emprego”, alerta o palestrante. “Precisaremos ser reconhecidos como um grupo sub-representado para que possamos nos beneficiar de alguns dos mesmos programas disponíveis para outros, também seria útil ter uma expansão de serviços disponíveis para adultos”.

Jakob é fundador do Autismo UM, um projeto criado na Universidade do Mississipi para ampliar a conscientização do autismo e acolher estudantes autistas no campus. “Estou fazendo meu próprio compromisso pessoal, ajudando a construir, fortalecer e liderar este movimento e tudo começa com a educação”, disse Jakob, que se formou em Ciências Políticas.

Iniciativas que parecem simples ajudam a integrar autistas no ambiente universitário

O objetivo dele é alcançar “cada campus de faculdade americana que seja dedicado à luta pela aceitação do autismo e uni-los a uma rede coletiva conhecida como equipe de organizações de campus autistas”.

A rede, que Jakob prefere chamar de “taco”, ajuda por exemplo, alunos autistas a encontrar:

Colegas de quarto compatíveis;
Referências para oportunidades de emprego;
Ambientes mais adequados às suas características sensoriais;
Meios para ampliar suas conexões profissionais;
Bolsas de estudos;
Grupos de apoio que possam exigir que suas necessidades sejam atendidas e ajudar seus desejos a serem realizados.

“Frederick Douglass disse uma vez que se não houvesse luta, não haveria progresso. Então, eu digo aqui agora vamos dar as boas-vindas à luta”, disse o jovem em sua palestra.

Aceitação do autismo está na base da luta citada por Anseman para a inclusão dos autistas

Jakob explica que essa luta se baseia na aceitação social do autismo. Com mais aceitação, por exemplo, autistas não precisariam mascarar o transtorno, fingindo um comportamento típico em interações sociais, como ir a um restaurante, por exemplo.

Conhecido como “masking”, esse comportamento traz prejuízos aos autistas. Podem tanto atrasar seu diagnóstico – o que é comum entre as mulheres -, como provocar crises intensas na hora em que chegam em casa. Em sua palestra no TedxPlymouth, a escritora Jolene Stockman conta que chegou a dormir por dois dias seguidos após uma crise por se forçar a frequentar lugares que extrapolavam seus limites sensoriais.

A jovem irlandesa Niamh McCann chama de “mecanismo de copia e cola” a forma como se comportava para que evitasse para ser diagnosticada autista, como seu irmão mais novo tinha sido. Ela conta que imitava as pessoas típicas sem nem mesmo perceber, e que o comportamento a deixava mentalmente exausta.

Tentar camuflar o transtorno não só não evita a exclusão como pode levar os autistas ao colapso

Jakob diz que o mascaramento não é o suficiente para garantir a inclusão. “Embora o mascaramento possa funcionar socialmente por um tempo, o tiro sai pela culatra, pois eles se tornam mais inúteis e as pessoas típicas começam a perceber mais de nossas personalidades reais. As pessoas geralmente se afastam de qualquer maneira”.

Entre as tentativas de conter as manifestações do transtorno, estão: uso de óculos escuros, controle dos stims (ou estereotipias), movimentos repetitivos usados para extravasar a sobrecarga sensorial ou emocional). Para Jakob, o resultado pode ser horas de choro ao chegar em casa, ou um colapso que parece um ataque de pânico que o deixa sem controle do próprio corpo.

Mascaramento é a “ponta do iceberg” que inclui alto risco de suicídio e raros relacionamentos amorosos

Jakob lembra que essas dificuldades têm também outros impactos. ”Nossas dificuldades sociais podem arruinar entrevistas de emprego”, afirma. Mas todo esse processo, segundo Jakob, “é apenas uma ponta do iceberg”, ao elencar uma série de outros prejuízos:

Autistas são vulneráveis a abusos. “Neurotípicos geralmente se sentem mais desconfortáveis ​​perto de nós e isso acaba permitindo casos de abuso e alienação”; “63% de nós sofremos bullying quando crianças, também temos taxas mais prevalentes de abuso doméstico infantil e negligência no estupro infantil”;

Autistas vivem menos. “Temos uma expectativa de vida de 36,2 anos nos EUA e 2/3 de nós cometemos suicídio”;

A vida universitária e no mundo do trabalho é profundamente afetada. “Nossa dificuldade de desenvolver conexões sociais pode até impactar nossa vida universitária e profissional; adultos raramente conseguem um emprego e pessoas com distúrbios mentais ganham menos que as típicas”;

A vida sexual e afetiva é escassa. “Raramente temos um relacionamento romântico de longo prazo bem-sucedido; adultos autistas normalmente têm zero ou muito poucos amigos muito próximos”.

A própria trajetória de Jakob está permeada pelos prejuízos acima. “As pessoas continuamente me alienaram socialmente e meus amigos habitualmente me excluem dos planos”. Ele relata ter sido vítima constante de bullying e ter sofrido com a rejeição social. Mas ainda não tinha a explicação para o que vivia até que, após várias tentativas de suicídio, foi internado em um hospital psiquiátrico e diagnosticado autista de nível 1 de suporte. A descoberta do autismo trouxe esclarecimento.

“O mundo parece só melancolia e desgraça para nós, mas não tem que ser assim, então o que vamos fazer?” questiona Jakob. Ele mesmo dá a resposta: “Simplesmente precisamos de aceitação”.

Autistas precisam de apoio para desenvolver potencialidades a partir dos interesses restritos

Jakob conta que, quando o autismo começou a ser estudado, os primeiros pesquisadores chegaram à conclusão de que, se os autistas tivessem oportunidade de perseguir seus intensos interesses restritos, poderiam alcançar feitos extraordinários. “Eu sei que há um lugar para nós na economia mundial”, diz.

Ele cita Temple Grandin, a maior personalidade autista, criadora da máquina do abraço e veterinária que revolucionou o manejo de gado. Há exemplos de outros autistas que conseguiram explorar seu talento, receber apoio social, melhorar sua autoestima e se sentirem acolhidos. Uma destas histórias é a de Brynjar Karl, que conseguiu ajuda do mundo todo para construir uma réplica do Titanic com peças de Lego. O autista não verbal Naoki Higashida se tornou um escritor e seus livros, publicados originalmente em japonês, já foram traduzidos para diversos idiomas.

É necessário aceitar a palavra autismo, o diagnóstico e a multiplicidade de formas de ser autista

Para Jakob, o primeiro passo da aceitação é simplesmente aceitar a palavra autismo – admitir o diagnóstico. Porém, o processo é mais amplo do que isso. “É claro que você precisa aceitar também comportamentos autistas comuns, como a falta de contato visual, a comunicação direta, as obsessões, eventualmente um péssimo senso de humor e muito mais”.

Como o autismo é um espectro, nenhum autista é igual a outro. O termo espectro se refere justamente à imensa variedade de composições do cérebro autista.

Há diferentes distúrbios sensoriais, níveis de suporte, transtornos associados, questões motoras e múltiplos outros fatores que tornam cada autista único. “Quero que você esteja ciente que, quando conhecer uma pessoa com
autismo, você conheceu apenas uma pessoa com autismo”, diz Jakob. E seja capaz de aceitá-la: “Precisamos de aceitação em todos os lugares, aqui nos EUA, no exterior, em Plutão”.

Escrito por Clarice Sá, Teia.Work

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