Por que o autismo é um espectro?

13/01/2023TEA no Dia a Dia1 Comentário

Termo que transformou o olhar sobre o transtorno indica as múltiplas formas de ser autista

“Se você conhece um autista, você conhece apenas um autista”. Esta é uma das máximas repetidas para quem está começando a aprender o básico sobre o autismo. Mas por qual motivo? Simples. É muito importante compreender que o transtorno se manifesta de formas múltiplas e que cada autista apresenta o autismo à sua maneira.

Qual a importância de compreender isso?

Quando entendemos que o autismo se manifesta de forma diferente em cada pessoa, evitamos nos apoiar em estereótipos, como a falsa ideia de que todo autista é um gênio da matemática – sim, há tanto autistas brilhantes quanto autistas péssimos em contas. Estes estereótipos podem até atrasar a busca pelo diagnóstico correto – o que é um problema sério, pois quanto mais cedo for o diagnóstico, maiores as chances de desenvolvimento do autista.

Até hoje, há quem ainda cogite a possibilidade de alguém só ser autista se for genial em cálculo

Por exemplo: por muitos anos, quando se falava em alguém com autismo, o que vinha em mente era uma pessoa muito parecida com o personagem Raymond Babbit, do filme Rain Man. Raymond é um homem branco norte-americano que tem síndrome de Savant. Quem tem a síndrome possui uma capacidade impressionante de memória e genialidade para matemática. Porém, nem todo autista tem síndrome de Savant, nem é branco e nem é homem, como Raymond.

No entanto, a imagem do personagem se consolidou como uma espécie de modelo imaginário de autista. Em muitos lares, crianças autistas só foram diagnosticadas tardiamente porque elas não se pareciam com o personagem.

Outro exemplo: o início dos estudos sobre autismo foi focado em casos de meninos brancos. Ainda hoje, os padrões de diagnóstico detectam mais o transtorno entre o gênero masculino: apenas uma menina é diagnosticada autista a cada quatro meninos. Nos Estados Unidos, os dados mais recentes apontam que as crianças negras são diagnosticadas mais tarde que as brancas e que as hispânicas são as que têm menos acesso a diagnóstico (veja o levantamento em inglês). No Brasil, dados oficiais sobre autismo estão sendo levantados pelo Censo deste ano.

Apesar de sua diversidade, o autismo têm características comuns; entenda

Se os autistas são tão diferentes, por que então têm o mesmo diagnóstico? Os autistas têm basicamente duas características em comum:

1 – Dificuldades persistentes na comunicação social e na interação social em diferentes contextos. Por exemplo:

  • Déficits na reciprocidade socioemocional, como falha na conversa normal de vaivém;
  • Compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto;
  • Falha em começar ou responder a interações sociais;
  • Déficits de comunicação não-verbais, contato visual e linguagem corporal atípicas ou déficits na compreensão e uso de gestos;
  • Falta de expressões faciais e comunicação não-verbal;
  • Déficits para manter e compreender relacionamentos, com dificuldades em ajustar o comportamento a diferentes contextos;
  • Dificuldades em compartilhar brincadeiras;
  • Dificuldades para fazer amigos ou ausência de interesse pelos colegas.
  • Entre os sinais clássicos de que um bebê pode ter autismo estão não olhar nos olhos, não sorrir de volta ou não acenar, deixando de estabelecer uma conexão e comunicação direta com as pessoas.

Entre os mais crescidos, há dificuldade de entender piadas ou expressões populares. Isso acontece porque esses dizeres trazem mensagens implícitas não verbalizadas que os autistas podem não conseguir compreender, já que, em geral, a interpretação dos indivíduos com TEA é literal.

Além da dificuldade de comunicação, interesses restritos também caracterizam o autismo

2- Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, que prejudiquem o seu convívio social. Por exemplo:

  • Alinhar brinquedos ou virar objetos;
  • Ecolalia: repetição de frases específicas fora de contexto;
  • Adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal;
  • Angústia extrema com pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de seguir o mesmo caminho ou comer a mesma comida todos os dias;
  • Forte apego ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente específicos ou fixos;
  • Hiper ou hiporreatividade a informações sensoriais ou interesse incomum em aspectos sensoriais do ambiente – por exemplo: aparente indiferença à dor ou temperatura, reatividade a sons ou texturas específicos, cheiro excessivo ou toque de objetos e fascinação visual com luzes ou movimento.

Os exemplos poderiam ser muitos outros. Mesmo essas duas características básicas podem se manifestar de maneiras múltiplas, específicas para cada pessoa.

Autistas são divididos em três níveis de suporte, de acordo com a possibilidade de autonomia

Além das duas características básicas, comuns a todos os autistas, há uma classificação que divide o autismo em três grupos, de acordo com a gravidade do transtorno:

Nível 1: exige suporte. Em geral, eles lidam com dificuldades para manter e seguir normas sociais, possuem comportamentos inflexíveis e passam por estresse durante as fases de transição. Em conversas, o autista deste nível pode dar respostas atípicas ou não conectadas com o assunto e até parar de responder. É comum a pessoa apresentar um interesse diminuído nas interações sociais, e ter dificuldade em iniciar contatos com os outros, principalmente ao tentar fazer amizades.

Popularmente, as pessoas classificadas neste nível são chamadas de “autistas leves”, o que é criticado por parte da comunidade, por minimizar os impactos consideráveis do transtorno no dia a dia e a necessidade de acompanhamento.

Autismo pode ser diagnosticado (ou não) em conjunto com deficiência intelectual

Nível 2: exige suporte substancial. Em geral, têm um comportamento social atípico, grande interesse por tópicos específicos e passam por estresse em situações de mudança. Nesta parte do espectro, o autista já demonstra déficits marcantes na conversação, com respostas reduzidas ou consideradas atípicas. As dificuldades de linguagem são aparentes mesmo quando a pessoa tem algum suporte, e a sua iniciativa para interagir com os outros é limitada.

Nível 3: exige muito suporte. Nestes casos, eles têm dificuldades graves no seu cotidiano e déficit severo de comunicação, com uma resposta mínima a interações com outras pessoas e a iniciativa própria de conversar muito limitada. Também pode adotar comportamentos repetitivos como bater o corpo contra uma superfície ou girar e apresentar grande estresse ao ser solicitado a mudar de tarefa.

De acordo com a CID-11, a mais recente classificação médica, o autismo pode vir ou não acompanhado de deficiência intelectual e prejuízos da linguagem funcional (entenda em detalhes neste link).

Para que uma pessoa seja considerada autista, as manifestações do autismo devem estar presentes no início do período de desenvolvimento. No entanto, elas podem ser percebidas apenas no momento em que as demandas sociais excedem os limites das capacidades do autista. Os sinais de autismo também podem ser mascarados por estratégias aprendidas ao longo da vida social – o que é muito comum entre mulheres.

Compreensão do autismo como um espectro é conquista de pesquisadora mãe de autista

Nem sempre o autismo foi enxergado como um espectro. Quem mudou a forma de compreender o transtorno foi a psiquiatra inglesa Lorna Wing, mãe de uma garota autista.

Na década de 1970, ela concluiu que o autismo se apresentava com uma flexibilidade e uma variabilidade até então jamais imaginada e se manifestava em infinitas intensidades.

Após o estudo, Wing revisou seu manual, que se chamava Autistic Children (Crianças Autistas) e passou a chamá-lo de The Autistic Espectrum (O Espectro Autista).

“Na vasta comunidade ligada ao autismo, o título desse livro, mais que qualquer outra coisa, tornou a expressão conhecida”, contam os autores do livro ‘Outra Sintonia – A História do Autismo’. Wing contava com o apoio de uma forte comunidade formada por mães e pais de autistas que ajudaram a popularizar o conceito de espectro.

É justamente por causa do conceito de espectro que uma frase insistentemente ouvida por mães, pais e autistas não faz o menor sentido. Agora que você entende o conceito, evite dizer que alguém “nem parece autista”.

Escrito por Clarice Sá, Teia.Work

1 Comentário

  1. legal

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