“Sou autista: vou ser um adulto normal?”
Questão é frequente; autonomia é possível, mas acompanhamento sempre será importante
Uma pergunta que já ouvi algumas vezes de autistas é se eles chegarão até a fase adulta e, se chegarem, como será. Essa deve ser uma preocupação comum, tanto dos familiares das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) quanto dos autistas em si.
Primeiro, vamos entender: o TEA diminui a expectativa de vida da pessoa?
Não há nada no transtorno que cause a diminuição da expectativa de vida por causas orgânicas, ou seja, por doenças do corpo. Entretanto, é comum que autistas sofram mais acidentes, o que pode diminuir a expectativa de vida.
Autistas são pessoas mais vulneráveis a acidentes; cuidado deve ser redobrado
Em 2017, foi publicado no American Journal of Public Health uma pesquisa chamada “Mortalidade por lesão em indivíduos com autismo”, em tradução livre do inglês. A publicação de um artigo científico da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Columbia impulsionou pesquisas sobre o assunto.
Em um dado chocante descoberto por essa pesquisa, temos que a taxa de mortalidade em pessoas com TEA aumentou 700% em 16 anos nos Estados Unidos. Além disso, a média de idade no momento da morte, dentre os participantes dessa pesquisa, foi de 36 anos, muito mais jovens do que o resto da população em geral.
Entre os autistas do estudo, 28% morreram de ferimentos, geralmente por asfixia ou afogamento. “Embora estudos anteriores demonstrem uma taxa de mortalidade significativamente maior entre todas as pessoas com TEA, o estudo atual destaca a elevada taxa de mortes acidentais que tinham sido subestimadas naquele grupo populacional”, afirmou o principal autor do estudo.
A boa notícia é: adultos autistas podem, sim, ser pessoas independentes
Por terem as áreas de linguagem, comunicação e percepção comprometidas, é comum que as pessoas com TEA não tenham a noção de perigo semelhante à do resto da sociedade, mesmo na fase adulta. Por isso, os autistas podem ter mais facilidade de se perder, de entrar em locais desconhecidos sem cautela, de interagir com animais agressivos e perigosos, de não saber distinguir o que é certo ou errado e, por fim, de não saber em quais situações deve se ter mais cuidado, como não pular em uma piscina quando não se sabe nadar. O estudo ainda mostra que as crianças autistas sofrem 160 vezes mais risco de afogamento do que o resto das crianças.
Portanto, é preciso tomar cuidado redobrado com acidentes no geral. Assim, pode-se solicitar ao terapeuta que acompanha a pessoa com TEA que foque nesse assunto ou solicitar que as pessoas que cercam o autista o avisem dos perigos do local.
Agora, vamos entender o principal questionamento: autistas podem ser adultos independentes?
Sim, pessoas com TEA podem chegar à vida adulta, vivendo de maneira independente. Mas, tudo depende do grau do transtorno e de quanto a pessoa foi estimulada durante a vida. Como já diz o nome do transtorno, o autismo enquadra um espectro, ou seja, uma variedade de graus. É comum se dizer que no autismo não existe uma regra geral e que cada caso é um mundo particular.
Ganho de autonomia na vida adulta vai variar para cada um; lembre-se: autismo é espectro
Duas pessoas com habilidades e limitações bem diferentes, uma com traços leves e outra com dificuldades severas, podem fazer parte do mesmo espectro. A diferença está na intensidade dos sintomas, além da presença de outras condições associadas, como o TDAH ou a ansiedade, que são as chamadas comorbidades. Cada pessoa com TEA vai se desenvolver no seu próprio ritmo e cada família vai lidar com o cotidiano do distúrbio do seu jeito. Todo o conjunto vai influenciar como cada autista se relaciona, se expressa e se comporta.
A pessoa com TEA, em grau mais severo, terá grande dificuldade em ser independente na fase adulta. Já em grau mais leve, terá maior probabilidade de conseguir a independência. É importante que o acompanhamento e o tratamento sejam iniciados o mais cedo possível, para que a qualidade do desenvolvimento da pessoa seja maior.
E o tratamento do TEA continua na vida adulta?
Sim, o tratamento e o acompanhamento podem continuar por toda a vida.
Acompanhamento se restringe à infância e se adapta a cada fase da vida do autista
A preparação da transição para a vida adulta pode começar ainda na adolescência. É importante que o autista, os pais e os cuidadores conversem sobre os interesses, habilidades e necessidades do indivíduo para entender quais serão as prioridades desta nova fase.
Também deve-se analisar os serviços de apoio que serão necessários, como orientação vocacional, educação superior, treinamento para empregos, suporte para habitação, suporte emocional, orientação sobre relacionamentos amorosos, entre outros.
No geral, o tratamento do TEA na idade adulta também se baseia no acompanhamento médico multidisciplinar, composto, por exemplo, de psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional e educador físico.
É preciso levar em conta o envelhecimento não só do autista, mas de seus pais
Ao contrário das crianças, que precisam desenvolver habilidades básicas, a terapia nos adultos vai trabalhar a autonomia dentro das limitações de cada um, para ajudar na inserção na comunidade e no mercado de trabalho. Então, em vez de aprender a usar talheres, a pessoa vai trabalhar questões como organizar a sua casa, buscar atendimento médico ou procurar um emprego.
Não se pode esquecer também que, à medida que uma pessoa com TEA envelhece, todo o seu entorno também envelhecerá. Assim, a morte dos pais, de um parceiro ou um irmão causa um impacto negativo na saúde mental e na capacidade de viver de forma independente, seja por conta do apoio humano ou pelo financeiro.
Além disso, existem as doenças comuns da idade avançada, como pressão alta, diabetes, artrose e demência. Assim, todos esses fatores devem ser considerados ao se elaborar o tratamento e o acompanhamento de um adulto com TEA.
Escrito por Clarisse Sá, Teia.Work
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