“Sou autista: vou ser um adulto normal?”

13/01/2023TEA no Dia a Dia0 Comentários

Questão é frequente; autonomia é possível, mas acompanhamento sempre será importante

Uma pergunta que já ouvi algumas vezes de autistas é se eles chegarão até a fase adulta e, se chegarem, como será. Essa deve ser uma preocupação comum, tanto dos familiares das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) quanto dos autistas em si.

Primeiro, vamos entender: o TEA diminui a expectativa de vida da pessoa?

Não há nada no transtorno que cause a diminuição da expectativa de vida por causas orgânicas, ou seja, por doenças do corpo. Entretanto, é comum que autistas sofram mais acidentes, o que pode diminuir a expectativa de vida.

Autistas são pessoas mais vulneráveis a acidentes; cuidado deve ser redobrado

Em 2017, foi publicado no American Journal of Public Health uma pesquisa chamada “Mortalidade por lesão em indivíduos com autismo”, em tradução livre do inglês. A publicação de um artigo científico da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Columbia impulsionou pesquisas sobre o assunto.

Em um dado chocante descoberto por essa pesquisa, temos que a taxa de mortalidade em pessoas com TEA aumentou 700% em 16 anos nos Estados Unidos. Além disso, a média de idade no momento da morte, dentre os participantes dessa pesquisa, foi de 36 anos, muito mais jovens do que o resto da população em geral.

Entre os autistas do estudo, 28% morreram de ferimentos, geralmente por asfixia ou afogamento. “Embora estudos anteriores demonstrem uma taxa de mortalidade significativamente maior entre todas as pessoas com TEA, o estudo atual destaca a elevada taxa de mortes acidentais que tinham sido subestimadas naquele grupo populacional”, afirmou o principal autor do estudo.

A boa notícia é: adultos autistas podem, sim, ser pessoas independentes

Por terem as áreas de linguagem, comunicação e percepção comprometidas, é comum que as pessoas com TEA não tenham a noção de perigo semelhante à do resto da sociedade, mesmo na fase adulta. Por isso, os autistas podem ter mais facilidade de se perder, de entrar em locais desconhecidos sem cautela, de interagir com animais agressivos e perigosos, de não saber distinguir o que é certo ou errado e, por fim, de não saber em quais situações deve se ter mais cuidado, como não pular em uma piscina quando não se sabe nadar. O estudo ainda mostra que as crianças autistas sofrem 160 vezes mais risco de afogamento do que o resto das crianças.

Portanto, é preciso tomar cuidado redobrado com acidentes no geral. Assim, pode-se solicitar ao terapeuta que acompanha a pessoa com TEA que foque nesse assunto ou solicitar que as pessoas que cercam o autista o avisem dos perigos do local.

Agora, vamos entender o principal questionamento: autistas podem ser adultos independentes?

Sim, pessoas com TEA podem chegar à vida adulta, vivendo de maneira independente. Mas, tudo depende do grau do transtorno e de quanto a pessoa foi estimulada durante a vida. Como já diz o nome do transtorno, o autismo enquadra um espectro, ou seja, uma variedade de graus. É comum se dizer que no autismo não existe uma regra geral e que cada caso é um mundo particular.

Ganho de autonomia na vida adulta vai variar para cada um; lembre-se: autismo é espectro

Duas pessoas com habilidades e limitações bem diferentes, uma com traços leves e outra com dificuldades severas, podem fazer parte do mesmo espectro. A diferença está na intensidade dos sintomas, além da presença de outras condições associadas, como o TDAH ou a ansiedade, que são as chamadas comorbidades. Cada pessoa com TEA vai se desenvolver no seu próprio ritmo e cada família vai lidar com o cotidiano do distúrbio do seu jeito. Todo o conjunto vai influenciar como cada autista se relaciona, se expressa e se comporta.

A pessoa com TEA, em grau mais severo, terá grande dificuldade em ser independente na fase adulta. Já em grau mais leve, terá maior probabilidade de conseguir a independência. É importante que o acompanhamento e o tratamento sejam iniciados o mais cedo possível, para que a qualidade do desenvolvimento da pessoa seja maior.

E o tratamento do TEA continua na vida adulta?

Sim, o tratamento e o acompanhamento podem continuar por toda a vida.

Acompanhamento se restringe à infância e se adapta a cada fase da vida do autista

A preparação da transição para a vida adulta pode começar ainda na adolescência. É importante que o autista, os pais e os cuidadores conversem sobre os interesses, habilidades e necessidades do indivíduo para entender quais serão as prioridades desta nova fase.

Também deve-se analisar os serviços de apoio que serão necessários, como orientação vocacional, educação superior, treinamento para empregos, suporte para habitação, suporte emocional, orientação sobre relacionamentos amorosos, entre outros.

No geral, o tratamento do TEA na idade adulta também se baseia no acompanhamento médico multidisciplinar, composto, por exemplo, de psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional e educador físico.

É preciso levar em conta o envelhecimento não só do autista, mas de seus pais

Ao contrário das crianças, que precisam desenvolver habilidades básicas, a terapia nos adultos vai trabalhar a autonomia dentro das limitações de cada um, para ajudar na inserção na comunidade e no mercado de trabalho. Então, em vez de aprender a usar talheres, a pessoa vai trabalhar questões como organizar a sua casa, buscar atendimento médico ou procurar um emprego.

Não se pode esquecer também que, à medida que uma pessoa com TEA envelhece, todo o seu entorno também envelhecerá. Assim, a morte dos pais, de um parceiro ou um irmão causa um impacto negativo na saúde mental e na capacidade de viver de forma independente, seja por conta do apoio humano ou pelo financeiro.

Além disso, existem as doenças comuns da idade avançada, como pressão alta, diabetes, artrose e demência. Assim, todos esses fatores devem ser considerados ao se elaborar o tratamento e o acompanhamento de um adulto com TEA.

 

Escrito por Clarisse Sá, Teia.Work

Bárbara Bertaglia

Bárbara Bertaglia

Médica residente na pediatria da Santa Casa de São Paulo, pesquisadora na área de Transtorno do Espectro Autista e membro da equipe Autismo e Realidade desde 2019

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