Autismo não tem cura
TEA não é uma doença, mas uma condição; crianças autistas se tornam adultos autistas
O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, uma condição permanente, que não tem cura. Chamado em termos médicos de Transtorno do Espectro Autista, ou TEA, o autismo não é uma doença, mas sim uma deficiência neurológica.
Os autistas passaram a ser reconhecidos juridicamente como pessoas com deficiência pela lei brasileira de número 12.764/2012, a chamada Lei Berenice Piana.
OMS, CDC e Ministério da Saúde não se referem ao TEA como doença nem citam chance de cura
A OMS define o TEA como “um diverso grupo de condições caracterizadas por algum grau de dificuldade na interação social e na comunicação” (leia a íntegra, em inglês, aqui). O CDC, agência nacional de saúde dos EUA, afirma que o TEA é “uma deficiência de desenvolvimento provocada por diferenças no cérebro” (leia a íntegra, em inglês, aqui).
O Ministério da Saúde brasileiro considera o TEA “um distúrbio caracterizado pela alteração das funções do neurodesenvolvimento do indivíduo, interferindo na capacidade de comunicação, linguagem, interação social e comportamento”.
Nenhuma das definições se refere a cura ou doença.
Compreender o conceito de neurodiversidade ajuda a entender o autismo como condição
Para entender melhor o autismo enquanto uma condição, podemos recorrer aos conceitos de neurodiversidade e neurodivergência.
A neurodiversidade é a variedade de composições neurológicas humanas. Ela engloba as pessoas típicas ou neurotípicas (aquelas que se desenvolvem dentro do que é considerado padrão) e também as pessoas atípicas ou neuroatípicas (aquelas que se desenvolvem fora do que é considerado padrão, como autistas, esquizofrênicos, bipolares, pessoas com TDAH, etc).
Ou seja, tanto pessoas típicas quanto atípicas compõem a neurodiversidade humana. As pessoas atípicas são também chamadas de neurodivergentes, justamente por divergirem do que é entendido como padrão. Elas não são doentes, apenas se apresentam de uma das inúmeras maneiras que compõem a neurodiversidade.
O termo neurodiversidade foi registrado pela primeira vez em 1998 pela socióloga Judy Singer. Ela costuma comparar o conceito com o de biodiversidade. Zebras, micróbios e bromélias compõem, todos juntos, a biodiversidade do planeta. Assim como típicos, autistas e bipolares, entre outras tantas composições neurológicas possíveis, compõem a neurodiversidade da humanidade.
Neurodiverso é termo usado para classificar grupos e neurodivergente, para se referir a um indivíduo
Um grupo de pessoas pode ser considerado neurodiverso se reúne pessoas neurotípicas e neurodivergentes. Mas uma pessoa, por si só, não é considerada neurodiversa – pois com uma pessoa só, não há variabilidade de composição neurológica.
Quando nos referimos a uma pessoa específica, dizemos que ela é neurotípica ou neurodivergente. Se nos referimos a várias, podemos avaliar se o grupo é ou não neurodiverso. Um grupo de alunos de uma escola que não aceita estudantes com deficiências neurológicas, por exemplo, não é neurodiverso. Um grupo de alunos de uma escola inclusiva é neurodiverso.
Estimulação na infância ajuda a garantir o máximo de autonomia possível na vida adulta
Uma vez diagnosticada com autismo, a pessoa é autista por toda a vida. Crianças autistas se tornam adultos autistas. Lembrar disso nos ajuda a entender melhor a importância do diagnóstico e da estimulação precoces. Quanto mais cedo o processo começa, maiores as oportunidades de desenvolvimento e as possibilidades de garantir uma vida adulta que seja o mais autônoma possível, dentro das características de cada pessoa.
Ao longo da vida do autista, as manifestações do transtorno podem se intensificar ou até mesmo se tornar mais amenas, mas isso não quer dizer que a pessoa estará curada. Estas variações de intensidade podem ocorrer dependendo dos estímulos que a pessoa recebe e também de características específicas – como a presença de comorbidades ou a carga genética.
Vários fatores podem tornar as manifestações do TEA mais intensas ou amenas para cada pessoa
A intensidade de manifestação do transtorno pode sofrer influência, por exemplo, de medicamentos (para crises emocionais ou distúrbios do sono, por exemplo), da frequência de acompanhamento com a equipe multidisciplinar, e da adequação do estímulo recebido à necessidade do autista.
No início da pandemia, por exemplo, mães e pais relataram prejuízos ao desenvolvimento dos autistas por conta da mudança de formato das consultas – ou mesmo da suspensão delas – e também da brusca quebra de rotina imposta pelo isolamento social.
Conscientização é necessária, pois mesmo órgãos oficiais de governo ainda erram ao falar sobre autismo
Apesar do trabalho de conscientização da comunidade autista para que o autismo seja compreendido como uma deficiência, e não como uma doença – algo, portanto, que não tem cura – até mesmo órgãos oficiais erram nesta definição.
Em fevereiro deste ano, o governo de São Paulo teve que se retratar após uma publicação no Diário Oficial sobre autismo.
O texto trazia informações falsas: dizia que o autismo era uma doença e também que, se o diagnóstico ocorresse até 5 anos e 11 meses, poderia mudar de gravidade e “até mesmo deixar de existir”. A redação com dados errôneos ocorreu sob orientação da área técnica de saúde mental da Secretaria Estadual da Saúde. O governador Tarcísio de Freitas admitiu a falha.
Entender o autismo como uma característica reduz o estigma sobre os autistas, suas mães, pais e familiares e ajuda a ampliar sua inclusão social. Um autista será sempre autista, mas o preconceito pode acabar.
Escrito por Clarice Sá, Teia.Work
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