Fonoaudiologia e autismo: mitos e verdades
Profissional não trabalha só na busca por diagnóstico e habilidade de comunicação; entenda sua atuação
O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que possui como uma das principais manifestações a dificuldade na comunicação.
Entre os fatores que interferem em um bom desenvolvimento da comunicação estão a falta de aprimoramento da linguagem oral (verbalização das palavras), da linguagem compreensiva (compreender as situações vivenciadas e/ou os comandos solicitados) e até mesmo da programação da articulação correta das palavras.
A fonoaudiologia tem um papel relevante no acompanhamento do autista, mas não restrito à comunicação. O fonoaudiólogo é responsável por avaliar e reabilitar as funções relacionadas a respiração, sucção, mastigação, deglutição, expressão facial e articulação da fala. Atua ainda nas alterações neurofuncionais (que afetam não só a comunicação humana, mas a cognição) e nas questões sensoriais (habilidade auditiva).
Presença do fonoaudiólogo é essencial na equipe que vai avaliar um caso de autismo
Crianças que manifestam sinais de autismo precisam passar por avaliação fonoaudiológica. Junto ao grupo que compõe a equipe multidisciplinar (como psicólogo, neuropsicólogo, terapeuta ocupacional, nutricionista e médicos), fonoaudiólogo vai contribuir com a investigação do diagnóstico diferencial para o Transtorno do Espectro Autista (TEA).
A diversidade de atuação da fonoaudiologia pode ser observada na detecção de inúmeros sinais ao longo do processo de desenvolvimento da criança que podem confundir pais e até mesmo outros profissionais da saúde.
Para deixar mais clara a importância do trabalho deste profissional, elenco abaixo mitos e verdades com os quais os fonoaudiólogos costumam lidar com frequência em casos de autismo.
É o fonoaudiólogo quem vai avaliar se o vocabulário surpreendente de uma criança é realmente funcional
1. “Meu filho(a) fala tudo, inclusive em inglês”.
É um relato comum entre pais de crianças autistas. O fonoaudiólogo pode, no entanto, perceber que há um déficit nesta criança, se comparada a outras da mesma idade.
Na análise, o profissional avalia a qualidade e quantidade de palavras em seu vocabulário, as intenções comunicativas e as compreensões das situações vivenciadas. A habilidade com outro idioma ocorre pela facilidade de imitação verbal e memorização da criança autista, porém não é funcional. Uma criança pode falar inglês repetindo o que já escutou, como palavras soltas e músicas, mas se formos conversar com ela, não atenderá a comandos e nem fará comentários sobre a situação vivenciada.
2. “Meu filho(a) lê tudo aos quatro anos, desde os dois anos já sabia o alfabeto”.
As crianças autistas têm interesses específicos e restritos por um determinado assunto. Alguns têm predileção a letras, outros a dinossauros. As predileções são bastante abrangentes. Mas é somente na avaliação fonoaudiológica que poderemos verificar se esta habilidade de leitura está sendo funcional ao desenvolvimento da criança e se a habilidade precoce pode impactar no processo de ensino acadêmico.
Profissional pode atuar nos casos de excesso de salivação, comuns entre crianças com autismo
3. “Meu filho(a) baba muito, muitas vezes tenho que trocar a blusa dele(a)”.
A produção exacerbada de saliva pode ocorrer por diversos fatores. Um deles é o fato de a criança ficar muito tempo com a boca aberta, afetando a musculatura da região da boca e da face, que pode impactar a deglutição da própria saliva.
Podemos pensar ainda em dificuldades respiratórias pelas vias aéreas superiores (nariz), que fazem com que a criança fique mais tempo de boca aberta, causando ressecamento labial. É importante conversar com o pediatra e relatar o que está acontecendo, para que se façam exames clínicos a fim de descartar problemas respiratórios ou até mesmo o efeito colateral de algum medicamento.
Análise de mastigação e deglutição feita pelos fonoaudiólogos ajuda a compreender restrições alimentares
4. “Meu filho(a) é horrível para comer, só come alimentos amarelos”.
O comportamento verbal das crianças é, em geral, restrito e específico, e a alimentação costuma seguir o mesmo padrão. Em alguns casos, porém, não é apenas a cor que limita a escolha, mas também a textura, a consistência e/ou a estratégia de produção do alimento.
Neste caso, a avaliação fonoaudiológica é importante para verificar a funcionalidade das habilidades de mastigação e deglutição.
Também é necessário ir a um nutricionista verificar se esses alimentos estão favorecendo o desenvolvimento nutricional da criança e pensar em novas estratégias de reposição e/ou adaptação de cardápio. Também é necessário ir ao médico responsável pelo acompanhamento da criança para investigar se não há alguma perturbação intestinal e/ou estomacal ou até mesmo alguma condição do sistema respiratório, referente a obstrução das vias áreas superiores, que pode impactar no sabor do alimento e no tempo de mastigação.
Vale lembrar ainda da ida ao dentista, pois se a criança estiver sentindo alguma dor de dente ao se alimentar, pode ter algum problema de desenvolvimento dentário.
Casos de ecolalia exigem avaliação fonoaudiológica para saber se são funcionais ou não
5. “Meu filho(a) fala bastante, mas imita, igual aos personagens dos desenhos”.
Trata-se de um comportamento verbal conhecido como ecolalia: repetição da fala em eco do mesmo jeito que escutou e/ou por uma vontade específica e restrita da criança.
Estudos científicos já comprovaram que a ecolalia é uma característica constante na criança autista e pode ser ou não funcional. É importante a observação fonoaudiológica para a adequação da organização linguística diante do contexto em uso, da intencionalidade e da função.
6. “Meu filho(a) já tem quatro anos e não fala nada, apenas chora ou me leva até o objeto de desejo”.
Existe a possibilidade de a criança compreender o que quer, mas não conseguir se expressar (caso dos autistas não verbais). Neste caso, a criança não usa a fala como meio de comunicação.
Em alguns casos específicos, o autista pode ter um número restrito de palavras em seu vocabulário usual. Assim, pode desenvolver e ampliar a linguagem oral por meio da fala com intervenção fonoaudiológica. Também pode fazer uso de estratégias de alta eficácia e evidenciadas cientificamente, que é o caso da comunicação suplementar alternativa e/ou comunicação alternativa ampliada.
Qual a melhor forma de se comunicar com seu filho autista? A fonoaudiologia pode responder
O fonoaudiólogo é o profissional habilitado em desenvolver esta técnica, observando o meio comunicativo ao qual a criança melhor se adapta e do qual faz um uso funcional.
Existe uma enorme gama de opções. Entre os meios considerados de baixa tecnologia estão gestos, língua de sinais, pranchas de alfabetos e/ou símbolos pictográficos. Já entre os de alta tecnologia estão o uso de tablets, celulares, computadores portáteis, sistema de toque na imagem desejada e/ou o uso do controle ocular pelo tobii dynavox.
Há também o sistema de comunicação via PECS, que ocorre por meio de figuras que ficam em um fichário individual e personalizado e são entregues ao interlocutor.
Vale reforçar que é de extrema importância relatar toda a rotina da criança ao profissional de saúde responsável pelo acompanhamento. Se for observada qualquer alteração, deve ser iniciada uma investigação para subsidiar as tomadas de decisão sobre as condutas terapêuticas adotadas com a criança e sua família.
Gabriela de Souza L.P. Nascimento
Fonoaudióloga do Pronas Assistencial do Instituto Pensi. Pós-graduada em Fonoaudiologia Educacional pelo IDE/PE e especializada em Educação Inclusiva pelo Unipê/PB.
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