Mãe de dois jovens autistas criou o Autism’s Got Talent e não mede esforços na conscientização do transtorno
Anna Kennedy desde a infância foi uma pessoa muito reservada, até que um dia, por acaso, descobriu que seus filhos, então com 7 e 4 anos, eram autistas. Desde então, passou a usar sua voz e investir todos os seus recursos pessoais e financeiros na conscientização do autismo. É o que ela conta em sua palestra no TEDx Bruntsfield, disponível em inglês no YouTube.
O primeiro passo foi a fundação da escola. Logo após a descoberta do diagnóstico, os dois filhos de Anna, Patrick e Angelo, passaram a estudar dentro de casa. Cada um deles tinha uma tutora que os orientava dentro de casa por 5 horas todos os dias. A decisão foi tomada porque os garotos já não se adaptavam à escola. No dia em que soube do diagnóstico, a família buscava há anos, sem sucesso, a adaptação de Patrick. “Ele estava passando por dificuldades, gritando, chutando, com altos níveis de ansiedade e então tivemos um encontro em que descobrimos”. A escola, diz Anna, já sabia há 3 anos do diagnóstico.
Na época, Patrick havia sido diagnosticado com a chamada Síndrome de Asperger. Atualmente esta nomenclatura não é mais usada. Antes um diagnóstico separado, hoje é considerada como parte do espectro do autismo, dentro do que se classifica como autismo de nível 1.
Há três níveis de autismo, que variam de acordo com a necessidade de suporte da pessoa. O de nível 1 é conhecido popularmente como autismo leve. É o caso em que a pessoa consegue maior autonomia e muitas vezes por conta disso tem dificuldade de acesso ao diagnóstico justamente pela menor necessidade de suporte.
Autistas que necessitam de menos suporte podem ter dificuldade para serem diagnosticados por não corresponderem a estereótipos
É muito comum que esta pessoa escute que “nem parece autista”. A frase é comum, mas contém um equívoco; é impossível tentar reconhecer pelo olhar quem é ou não autista. O autismo é considerado um espectro porque tem múltiplas formas de manifestação. Um autista é, portanto, muito diferente do outro. Além disso, não há um fenótipo que permita identificar o autista por suas características físicas, como acontece com as pessoas com Síndrome de Down,
O autismo de nível 2 é conhecido popularmente como autismo moderado. Neste caso, a pessoa precisa de um nível maior de suporte, como é o caso da influenciadora Ju Maia, uma neurobióloga, é um exemplo de autista de nível 2.
O filho mais novo de Anna, Angelo, tem autismo de nível 3, conhecido popularmente como autismo severo. São os casos em que as pessoas precisam de mais suporte para executar tarefas do dia a dia, como se alimentar, se vestir ou cuidar da higiene íntima, por exemplo.
Angelo foi um garoto que cresceu cumprindo todos os marcos do desenvolvimento. Porém, em certo momento, regrediu subitamente. É o caso que os especialistas chamam de transtorno desintegrativo da infância.“Aconteceu como se alguém tivesse passado e tirado tudo dele. Ele perdeu a capacidade de falar, de estabelecer contato visual, não deixava a gente tocar nele, ficava focado nos padrões do papel de parede”, conta a mãe.
Anna pensava que os filhos seriam como o personagem de Rain Man, que consolidou um estereótipo errôneo em torno do autismo
Na época em que soube do diagnóstico dos filhos, Anna só tinha como referência o personagem de Raymond Babbit, do filme Rain Man. Ganhador de seis estatuetas do Oscar. o filme é até hoje referência para muitas pessoas do que é ser autista. Só que o autismo se apresenta de formas múltiplas e além disso, Babbit tem uma característica que não acomete todo autista: a síndrome de Savant ou savantismo. Pesquisas indicam que apenas 10% dos autistas têm savantismo.
As pessoas com esta síndrome possuem habilidades matemáticas e de memória excepcionais associadas a uma baixa inteligência – com QIs que costumam ficar entre 40 e 70 (enquanto o QI médio de pessoas não autista fica entre 90 e 109).
“Será que eles vão crescer e se tornar pessoas como o personagem de Dustin Hoffman?”, se questionava Anna. “Mas”, diz ela, “você acaba descobrindo com o passar do tempo que o autismo é um espectro, e que os indivíduos diagnosticados no espectro são muito diferentes um dos outros”.
Anna criou um grupo de suporte entre familiares de autista e depois deu um passo mais ousado: hipotecou a casa para abrir uma escola
Anna queria entender quais seriam, portanto, as possibilidades de seus filhos, e abrir portas para que não só eles, mas também outras crianças, pudessem se desenvolver ao máximo dentro de suas capacidades.
“Pais de crianças com autismo são famintos por informação. Eles querem saber do que se trata. É uma condição que perdura por toda vida, então o que eu posso fazer para que a vida do meu filho seja melhor? Quando você recebe o diagnóstico, ninguém senta do seu lado e explica: isto é o autismo.” Na época em que soube do diagnóstico, disseram a ela que seus filhos eram os únicos autistas do bairro.
Mas Anna não teve dúvidas. Deixou seu jeito tímido de lado e começou a agir. Primeiro, criou um grupo de apoio. Os encontros iniciais foram na sua casa. Mais tarde, no hall de uma igreja. Para quem achava que estava sozinha e isolada, não pareceu nada mal reunir 275 famílias de autistas nas reuniões.
Em 1999, deu um passo mais ousado: decidiu abrir uma escola. Acionou a mídia local em busca de divulgação e buscou pais de outros autistas que, como os filhos de Anna, também estavam aprendendo em casa ou recebendo tratamento inadequado em outros lugares. Anna e o marido hipotecaram a casa para obter fundos (leia mais aqui, em inglês). Eles ocupariam o espaço de uma escola que seria demolida. Conseguiram apoio de voluntários para a reforma. Receberam inicialmente 19 alunos. Em 2016, já eram 185.
A cada preocupação, Anna respondia com uma nova iniciativa, uma delas é o Autism’s Got Talent
Mais tarde, veio outra preocupação. O que aconteceria com os filhos quando ficassem adolescentes? Eles então criaram um colégio secundário para estudantes de 16 a 53 anos.
A cada dúvida que surgia em relação ao futuro dos filhos, Anna criava um projeto que abarcasse também outros autistas e suas famílias.
Dez anos após a fundação da escola, Anna conta que passou a receber mensagens de mães e pais de autistas sobre a dificuldade de obter diagnóstico. Ela então preparou uma pesquisa, respondida por 2 mil pessoas. O resultado indicou que a espera para que o diagnóstico fosse fechado era, em média, de 5 anos. “É muito tempo para a vida de uma criança, especialmente quando se fala em intervenção precoce”, lamenta Anna.
Enquanto fazia as pesquisas, ela passou a receber mensagens de pais que falavam sobre os talentos de seus filhos. “Eles escreviam suas próprias músicas, aprendiam a tocar violão sozinhos, tocavam instrumentos, faziam trabalhos manuais. E eu decidi que queria fazer um show no centro de Londres pra mostrar o que essas crianças e adultos podem fazer.” Assim nasceu o Autism’s Got Talent. A primeira apresentação, em 2012, reuniu 23 apresentações. Quando a iniciativa completou 5 anos, o projeto já havia saindo em turnê pelo país.
Todos podem ajudar: ter paciência para ouvir, conviver e apoiar é papel de todos
Ao pensar sobre como mães, pais e cuidadores negligenciam os cuidados consigo mesmos em prol dos autistas, Anna criou um desfile de moda para que estas pessoas se sentissem bonitas, olhadas e valorizadas. Após ouvir histórias terríveis de bullying, passou a oferecer palestras nas escolas para conscientizar os estudantes sobre autismo. “0 tempo todo eu tento pensar fora da caixa e entender: como posso fazer a diferença?”.
Na verdade, todos nós podemos. Anna dá a dica. “Se você está conversando com alguém que você perceba que pode estar no espectro autista, ou tenha um diagnóstico fechado, às vezes você só precisa de um tempo a mais para eles processarem a informação. Eles querem fazer amigos, eles querem se casar, eles querem ter um emprego, eles querem fazer o que todo mundo está fazendo, eles só precisam de um pouco de suporte. É isso o q estamos fazendo. (…) Apenas tente e dê a eles a oportunidade que eles merecem, assim como todo mundo”.
Escrito por Clarisse Sá, Teia.Work