Estudo inédito em creches de São Paulo identifica sinais de autismo em 6% das crianças avaliadas

13/11/2023Diagnóstico3 Comentários

Implementado nas escolas, projeto facilitou acesso a diagnóstico e capacitou famílias e professores

‌42 crianças com até três anos de idade tiveram sinais de autismo identificados dentro de creches da zona sul de São Paulo sem que as famílias precisassem ir a postos de saúde nem compor as filas do Sistema Único de Saúde (SUS) por atendimento especializado. Um privilégio, que se tornou possível a partir de um projeto inédito de rastreio ocular desenvolvido pelo Instituto PENSI e incentivado pelo Ministério da Saúde.

Durante 15 meses, 660 crianças matriculadas em nove Centros de Educação Infantil (CEIs) localizados na região do Jardim São Luís passaram por avaliação psicológica e pelo Eye-Tracking, um equipamento portátil que consegue rastrear para onde e por quanto tempo a criança foca o seu olhar diante de imagens de pessoas e objetos projetados em uma tela.

A tecnologia ajuda no processo do diagnóstico precoce do Transtorno do Espectro Autista (TEA), já que a ausência de contato visual é comum entre os autistas. Em um dos vídeos, por exemplo, foram apresentadas imagens de crianças se mexendo e de objetos geométricos em movimento.

‌ Eye-tracking não é indicador único, mas ajuda a levantar possibilidades de diagnóstico de autismo

O equipamento mostrou que as crianças com suspeita de TEA focaram o olhar mais nos objetos e no fundo da tela. “Autistas têm preferência por estímulos não sociais”, explicou a psicóloga e pesquisadora Katerina Lukasova, especialista em distúrbios do desenvolvimento e registro de movimento ocular.

Os resultados do projeto foram apresentados durante o Simpósio de Inovação Diagnóstica e Intervenção em Análise do Comportamento na Esfera do Transtorno do Espectro Autista, realizado pelo Instituto PENSI em 27 de outubro, em São Paulo.

No evento, o neurocientista Edson Amaro Jr., que é assessor científico da instituição, destacou que o Eye-tracking não pode ser usado como indicador único, mas que o uso da tecnologia de rastreio ocular precoce é importante para levantar possibilidades de diagnóstico não só do TEA, mas do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e de outros transtornos globais do desenvolvimento.

“O Eye-Tracking apoia o processo de rastreio, mas não pode ser usado de forma isolada, até porque não existe um marcador único para o TEA, como um exame de sangue, por exemplo. Nossa base para o diagnóstico é clínica e comportamental”, explicou o neurocientista, que citou também dificuldades no uso do equipamento, como a questão da luminosidade. Segundo Edson Amaro Jr., as condições do ambiente podem influenciar nas respostas das crianças.

Pesquisa transformou sala de aula em consultório psicológico

Além de identificar sinais de TEA em 42 crianças distribuídas por nove creches, os pesquisadores também perceberam um desenvolvimento atípico em outras 31. Nesta lista, há indícios de TDAH, epilepsia, deficiência intelectual ou paralisia cerebral.

Para complementar o trabalho, duas psicólogas se dividiram entre as creches para aplicar outro marcador importante no processo do diagnóstico, a escala de avaliação reconhecida internacionalmente e chamada de CARS (Childhood Autism Rating Scale). Em uma sala de aula transformada em consultório, as especialistas em análise de comportamento aplicaram um questionário com 15 itens sobre temas como autocuidado, pareamento e imitação.

O resultado alcançado com as perguntas foi somado à conclusão obtida com o Eye-Tracking para indicar que 6% das crianças avaliadas têm suspeita de autismo. Coordenadora do projeto, a neuropsicóloga Yasmine Martins destacou a importância do trabalho dentro das creches, lugar confortável para as crianças e de fácil acesso aos familiares.

‌Projeto também contemplou treinamento de famílias e professores

“As mães não precisaram se preocupar se tinham crédito no bilhete único ou quanto iria custar um transporte por aplicativo porque o atendimento clínico aconteceu dentro da própria creche. Foi confortável tanto para as mães como para as crianças. Unimos o útil ao agradável”, destacou Yasmine. A neuropsicóloga ainda explicou que o projeto, além do processo diagnóstico, teve como foco capacitar professores das creches.

As famílias também participaram do projeto. “Elas foram convidadas a assistir vídeos semanais sobre as orientações de como seguir o treino que a psicóloga fazia durante o atendimento. Ou seja, tivemos a oportunidade de generalizar”, comemora Yasmine, que gravou parte dos vídeos direcionados aos docentes e responsáveis.

O projeto desenvolvido pela equipe do Instituto PENSI e colaboradores teve o apoio do Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas), vinculado ao Ministério da Saúde. A pesquisa foi inscrita em 2017, mas só pôde ser iniciada em 2021 em função da pandemia de covid-19. Inédito no Brasil, o trabalho segue uma tendência mundial de levar diagnóstico e tratamento do TEA para além das instituições, em ambientes como creches e escolas.

Escrito por Adriana Ferraz, Teia.Work

3 Comentários

  1. Fabulosa a iniciativa de identificar potenciais crianças com TEA, meu filho foi identificado apenas aos 10 anos de idade, e uma das maiores dificuldades tem sido a escola, pois os professores não estão capacitados para lidar com os neuroatipicos, o sofrimento por parte da criança é grande e dar continuidade a capacitação de pais, de cuidadores e professores, faz grande diferença para estas crianças para que se tornem independentes no futuro e possam ter uma vida digna .

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  2. Muito boa a matéria.Parabéns!

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  3. Estive no simpósio de apresentação do projeto, e foi muito bom estar testemunhando esta inovação.

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