Mesmo com mais autistas nas escolas regulares, ainda falta formação especializada para professores

‌Está na Constituição. A educação é um direito de qualquer cidadão brasileiro, autista ou não. Para quem está no espectro, porém, a teoria só vira prática mediante muito esforço dos familiares, disposição da escola e, principalmente, empenho do professor. Figura-chave no processo de inclusão, cabe ao docente conhecer as especificidades do aluno e atendê-las com as adaptações necessárias.

‌De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(LDB), é dever dos sistemas de ensino “assegurar currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos” ao estudante com deficiência (e aqui vale um lembrete: todos os autistas são consideradas pessoas com deficiência, de acordo com aLei Berenice Piana). Do mesmo modo, também é obrigação dos professores oferecer atendimento especializado para a devida integração da pessoa com TEA.

Nos últimos dez anos, com o avanço da legislação, o atendimento passou a ocorrer preferencialmente na rede regular de ensino, seja ela pública ou privada. A mudança representou um avanço, mas também um desafio enorme dentro e fora da sala de aula. Isso porque, apesar da alta substancial de autistas em salas comuns – o salto foi de 280% entre 2017 e 2021, segundo o Censo Escolar –, educadores e terapeutas chamam a atenção para o fato de que matrícula nem sempre é sinônimo de inclusão.

‌Atividades adaptadas e recursos visuais ajudam na rotina escolar do autista

‌Mestre em psicologia experimental e análise do comportamento pela PUC-SP, a psicóloga Deborah Paz afirma que a inclusão de crianças autistas na escola regular lhes proporciona diversos benefícios, como o estímulo às suas habilidades sociais. Além disso, oferece aos demais alunos a oportunidade de aprender desde cedo a conviver com o diferente.

Mas, no dia a dia, esse não é um processo fácil para os professores, tendo em vista que a maioria deles não foi preparada para ensinar neurodivergentes. Apenas em 2006 que disciplinas específicas sobre populações e atendimentos especiais passaram a compor de forma obrigatória o conjunto de diretrizes curriculares para o curso de pedagogia no Brasil.

“Para garantir o melhor aproveitamento do aluno, é fundamental conhecer suas potencialidades e necessidades de apoio. Isso pode envolver o planejamento de atividades adaptadas à criança, seja no conteúdo apresentado (de acordo com seu repertório) ou na estrutura da atividade, como a utilização de enunciados mais concisos e objetivos, pistas visuais, entre outros recursos”, explica.

Acompanhante terapêutico aumenta chances de aprendizagem

‌De acordo com as necessidades individuais, Deborah também sugere que o professor cogite o uso de recursos visuais que proporcionem previsibilidade à rotina do aluno, tornando-a mais segura e confortável no ambiente escolar. “Em alguns casos, pode ser necessário ainda disponibilizar itens ou atividades de autorregulação para melhorar o bem-estar do aluno”, destaca a psicóloga. Essa lista pode incluir fones de ouvido e brinquedos sensoriais, como mordedores e pop its.

Dependendo do nível de suporte do estudante com TEA, a presença de um profissional especializado e específico para atender às suas necessidades diárias e pedagógicas faz toda a diferença. O chamado acompanhante terapêutico geralmente é um estagiário de pedagogia ou psicologia que, sob a orientação da equipe docente, auxilia o aluno a desenvolver os objetivos traçados especificamente para ele ao longo do ano.

A legislação brasileira impede que escolas particulares cobrem qualquer valor extra na mensalidade para oferecer esse suporte. Do mesmo modo, as escolas públicas não podem aceitar a presença de profissionais de fora pagos por pais de alunos com TEA. Na prática, porém, o que se vê é um desrespeito aos direitos assegurados pela lei, especialmente em colégios privados que repassam os custos aos familiares ou exigem que eles ofereçam esse profissional.

‌Professores deveriam ter formação contínua para melhor atender alunos autistas

“A falta desse apoio especializado muitas vezes dificulta a permanência da criança na escola, levando a desafios extras, como dificuldades na alimentação e higiene, que prejudicam seu direito de frequentar a escola”, explica Deborah.

Para o professor regente, a presença do AT em sala também é essencial caso a turma inclua um autista não verbal, por exemplo, de nível 3 de suporte. Não raramente esse aluno precisa sair da sala para se regular e conseguir fazer as atividades indicadas em seu plano pedagógico.

No modelo ideal, segundo Deborah, o professor ainda deve ter acesso à formação contínua e recursos básicos, como material escolar e tempo para planejamento das adaptações. “Esses pré-requisitos são fundamentais para dar suporte aos profissionais que trabalham com crianças autistas.”

Escrito por Adriana Ferraz, Teia.Work