O impacto do diagnóstico de autismo na família

5/04/2024Diagnóstico0 Comentários

O diagnóstico de autismo é um marco crucial na vida de qualquer família. No entanto, a forma como essa informação é comunicada e recebida pode ter um impacto significativo no bem-estar emocional dos pais e, por extensão, na qualidade de vida da criança diagnosticada.

Em 2020, foi publicado um artigo científico no Jornal Brasileiro de Psiquiatria denominado “Autismo: impacto do diagnóstico nos pais”, o qual explorou as experiências de pais que receberam o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) em seus filhos, assim como a percepção dos profissionais que conduzem essa comunicação.

Utilizando uma abordagem qualitativa e narrativa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 21 mães e 9 pais de crianças com TEA em uma escola especial em Salvador, na Bahia. Além disso, foram realizadas observações com participantes em um serviço universitário especializado em diagnóstico de autismo na mesma cidade, envolvendo 11 mães e 5 pais. As categorias de análise incluíram “em busca do diagnóstico”, “impacto na recepção do diagnóstico”, “padrões da comunicação diagnóstica” e “estratégias de enfrentamento”.

Os resultados destacaram que, muitas vezes, o diagnóstico de autismo é tardio, devido à falta de conhecimento e habilidades dos profissionais médicos. O impacto emocional nos pais ao receberem o diagnóstico foi universalmente negativo, mas pode ser amenizado com estratégias de enfrentamento e comunicação diagnóstica eficazes. Os pais expressaram a necessidade de receberem informações técnicas, suporte emocional e esperança em relação ao desenvolvimento de seus filhos. Além disso, ficou evidente que os pais precisam de cuidados para poderem cuidar adequadamente de seus filhos ao longo do percurso de assistência.

Quase todas as mães entrevistadas expressaram sentimentos de tristeza, angústia, desespero e desesperança ao serem informadas do diagnóstico. Esses sentimentos foram descritos como um choque, um momento devastador, a pior experiência de suas vidas. Em relação aos pais, a maioria descreveu o momento como difícil e triste, um choque, um golpe.

“Quando recebi a informação confirmando o diagnóstico, não consegui respirar. Apenas chorei; não conseguia ver o horizonte. […]. Eu apenas imaginei que ele não seria capaz de fazer nada; era como se ele tivesse morrido”. (M8, mãe de um menino de 4 anos).

A observação dos pais quando receberam o diagnóstico detectou expressões de sofrimento na maioria das mães, com lágrimas, relatos de angústia, tristeza, preocupação e choque. Algumas mães, no entanto, não mostraram sinais de impacto emocional e se limitaram a fazer perguntas ou a demonstrar interesse nos relatórios referentes ao tratamento e à escola de necessidades especiais para a criança. Nenhum dos pais mostrou sinais fortes de emoção ao receber o diagnóstico.

As mães expressaram também a sua crença de que a prevalência do autismo está aumentando. No entanto, os médicos permanecem despreparados para fornecer o diagnóstico. Algumas mães disseram que os profissionais mencionaram um “problema” em seu filho(a), mas falharam em nomeá-lo. Em algumas situações, os profissionais sugeriram que o problema da criança estava no fato de as mães não saberem como criar o filho(a). Em outros casos, acreditavam que as mães estavam inventando problemas que não existiam. A maioria das mães foi obrigada a percorrer vários médicos antes de receber um diagnóstico.

“Fui a um pediatra porque percebi que o comportamento dele era diferente. Ela disse que ele foi malcriado, […]. Outro médico disse que eu estava encontrando falhas em meu filho; que não havia nada de errado com ele”. (M1, mãe de um menino de 10 anos).

“Com o Dr. Carlito, conversamos; ele me informou do diagnóstico; isso trouxe uma mistura de alívio, sensações; meu choro foi diferente; eu sabia o que ele tinha” (M3, mãe de um rapaz de 19 anos).

As mães consideraram o padrão de comunicação inadequado quando o profissional era pretensioso, explicava pouco, destacava os aspectos negativos e não oferecia conforto ou apoio, deixando as mulheres perturbadas.

“Quando ouvi o diagnóstico, foi difícil, […]. A forma como foi dada foi dura; a insensibilidade que o médico às vezes tem, […]; a maneira de dizer; seu filho isso, […]. Ela não parava de falar e isso ficou comigo […]. Foi muito difícil”. (M9, mãe de um rapaz de 22 anos).

As mães consideraram o padrão de comunicação do diagnóstico adequado quando o profissional conseguiu amenizar o efeito negativo do diagnóstico. Esses profissionais forneceram informações sobre o problema, as acalmaram, as confortaram, foram sensíveis e, principalmente, deram esperança em relação ao desenvolvimento da criança com o tratamento.

“Quando o médico disse que eles eram autistas, o chão se abriu debaixo de mim e eu caí em um abismo; entrei em desespero; chorei, mas o médico disse que havia tratamento, que algumas crianças progrediam, tinham uma vida quase independente, que o tratamento ajudaria. Ele me acalmou, mas foi muito difícil”. (M5, mãe de trigêmeos de 6 anos, uma menina e dois meninos. Os dois meninos têm autismo).

Os resultados deste estudo ressaltam a importância de uma abordagem sensível e empática no momento do diagnóstico. Os profissionais de saúde devem estar preparados para oferecer suporte não apenas às crianças diagnosticadas, mas também às suas famílias. Estratégias de comunicação que considerem o aspecto emocional dos pais, além de fornecer informações claras e esperança, podem ser cruciais para ajudar as famílias a enfrentar os desafios associados ao TEA.

Em suma, este estudo ressalta a importância de uma abordagem completa no diagnóstico e tratamento do autismo, reconhecendo o papel essencial dos pais nesse processo. Ao facilitar uma comunicação diagnóstica eficiente e oferecer suporte emocional adequado, os profissionais de saúde podem desempenhar um papel fundamental no bem-estar tanto das crianças diagnosticadas quanto de suas famílias.

Bibliografia:

Aguiar, M. C. M. de., & Pondé, M. P. (2020). Autism: impact of the diagnosis in the parents. Jornal Brasileiro De Psiquiatria, 69(3), 149–155. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000276

https://www.scielo.br/j/jbpsiq/a/CQ5SdxNGKyCBHsjZVfH8dqx/?lang=en#

Bárbara Bertaglia

Bárbara Bertaglia

Médica residente na pediatria da Santa Casa de São Paulo, pesquisadora na área de Transtorno do Espectro Autista e membro da equipe Autismo e Realidade desde 2019

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