Mudança na regra de cobertura amplia acesso a terapias para autismo, mas burocracia dificulta rotina de famílias

‌Há pouco mais de um ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar ampliou as regras vigentes para o tratamento de transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo, custeado por operadoras de saúde. Por meio da resolução 539, de julho de 2022, a ANS passou a reconhecer a necessidade de sessões ilimitadas de diferentes especialidades, como psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional.

Uma vitória, sem dúvida, mas que provocou uma alta significativa na demanda por tratamento e também na burocracia para acesso a reembolsos. Como consequência, dados oficiais da agência mostram que as reclamações relacionadas à cobertura de terapias para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) explodiu neste ano. Foram 8.275 até agosto, 40% a mais que o registrado em todo o ano passado.

As estatísticas são acompanhadas de relatos comuns entre familiares com diferentes planos de saúde. As principais reclamações registradas neste ano dizem respeito a prazos máximos de atendimento (2.549), reembolso (1.977), rede conveniada (1.463) e rol de procedimentos e coberturas (1.148).

Negativas de cobertura podem levar à interrupção do tratamento de autistas

Entre autistas com planos de saúde, os reembolsos são a principal forma de acesso às sessões multidisciplinares indicadas por médicos após o diagnóstico. Isso porque no Brasil as operadoras ainda não dispõem de uma rede credenciada ampla, o que obriga pais e responsáveis a custear previamente o tratamento.

É o caso, por exemplo, de quem não recebe o recurso investido previamente nas terapias dentro do prazo de 30 dias estabelecidos pela legislação. Um tipo de situação que tem aumentado por diversos fatores, entre eles a exigência de comprovantes que assegurem o pagamento das famílias às clínicas para além da nota fiscal.

‌Operadoras cobram diversos documentos antes de liberar reembolsos

‌Há quem seja obrigado a enviar mensalmente as faturas de seus cartões de crédito às operadoras de saúde, por exemplo. Ou extratos bancários que comprovem o saque do valor a ser ressarcido, acompanhados de laudos médicos atualizados, relatórios das atividades desenvolvidas e até mesmo prognósticos de duração do tratamento.

Vale destacar que o autismo não tem cura, ou seja, laudos com datas atualizadas não apresentam dados diferentes. Essa característica, aliás, tem levado o poder público a determinar por lei a vigência permanente dos laudos. É o caso, por exemplo, do Estado de São Paulo.

De acordo com a advogada Estela Tolezani, especialista em direito à saúde, os convênios alegam histórico de fraudes para elevar as exigências diante de pedidos de reembolso. “Como não existe lei para dizer que tipo de comprovante pode ou não ser solicitado a recomendação é munir-se de todos os documentos possíveis”, afirma.

‌Rede credenciada ainda é insuficiente para atender tratamentos multidisciplinares

A ausência de uma rede credenciada ampla e a baixa oferta de serviços especializados em autismo no Sistema Único de Saúde (SUS) tornam o tratamento uma exclusividade às famílias que têm condições de desembolsar quantias altas e esperar um mês ou mais pelo ressarcimento. Ou ainda um privilégio daqueles que podem ingressar na Justiça pelo direito da assistência médica.

Em São Paulo, os valores mensais para tratamentos multidisciplinares com carga horária de 20 horas semanais chegam a custar R$ 15 mil ou mais. Ao derrubar a imposição de limites de sessões pagas pelos planos, a ANS ampliou a demanda, levando até mesmo clínicas particulares a formarem filas de espera.

“A resolução gerou impactos positivos e negativos. Reconhecer a necessidade de uma carga horária alta de terapia certamente é um dos prós da medida, assim como forçar os planos a buscarem uma rede credenciada, mas esses serviços nem sempre têm todas as especialidades e ainda oferecem sessões muito curtas, de 20 a 30 minutos”, explica Estela.

Muitos casos ainda dependem de intervenção judicial. De acordo com a advogada, a alta de reclamações também tem relação com contratos cancelados de forma unilateral pelas operadoras depois de observadas as despesas dos tratamentos.

ANS diz atuar fortemente na intermediação de conflitos

A ANS informou que “atua fortemente na intermediação de conflitos entre beneficiários e operadoras”, por meio do mecanismo de Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), criado para agilizar a solução de problemas relatados pelos consumidores. Em nota, a agência disse que a ferramenta alcança mais de 90% de resolutividade.

Pela NIP, a reclamação registrada nos canais de atendimento é automaticamente enviada à operadora responsável, que tem até cinco dias úteis para resolver o problema do beneficiário, nos casos de não garantia da cobertura assistencial, e até 10 dias úteis em casos de demandas não assistenciais. Se o problema não for resolvido pela NIP, poderá ser instaurado processo administrativo, que pode resultar na imposição de uma série de sanções à operadora, como a aplicação de multa.

Sobre as regras para o reembolso, a agência informou que não estabelece quais documentos as operadoras podem exigir no momento. “Entretanto, conforme a legislação vigente, a operadora poderá exigir que o pedido de reembolso seja instruído, ao menos, com qualquer documento hábil e idôneo que comprove a efetiva ocorrência da despesa do procedimento executado, inclusive a data em que foi realizado.”

Escrito por: Adriana Ferraz, Teia.Work